a provocação para esta série de textos vem de john hagel III e john seely brown, o último um dos autores do seminal “the social life of information“. os dois acabam de escrever um ótimo ponto de partida para uma discussão sobre o modus operandi da nova economia mundial. aliás, nem tão nova assim; a economia do conhecimento contemporânea tem seus primórdios datados do fim da segunda guerra mundial.
coordenador do esforço americano de pesquisa e desenvolvimento na segunda guerra, vannevar bush tratou do futuro do tema ainda em 1945. em “as we may think“, publicado numa revista leiga, discutindo a relação entre pessoas e conhecimento e, em particular, como poderíamos ter mais e melhor acesso a toda a informação existente, criando uma nova forma de pensar, auxiliada por ambientes e ferramentas capazes de estender a mente humana.
se você acha que isso tem tudo a ver com a internet, tem mesmo. claro que este bush não concebeu a internet; mas o engenho descrito no texto acima e mostrado na figura abaixo [clique], chamado memex, talvez possa ser considerado a mãe de todos os hipertextos. e hipertexto, grupos de textos ligados, ou interligados, é a base da web que vannevar, falecido em 1974, não chegou a ver.
em um outro texto de 1945, “science: the endless frontier“, um relatório para o presidente roosevelt sobre as possibilidades descortinadas pela ciência na economia, sociedade e vida pessoal, bush, depois de considerar os últimos anos de avanços científicos [incluindo as razões que levaram os EUA a ganhar a guerra] diz que…
Advances in science when put to practical use mean more jobs, higher wages, shorter hours, more abundant crops, more leisure for recreation, for study, for learning how to live without the deadening drudgery which has been the burden of the common man for ages past. Advances in science will also bring higher standards of living, will lead to the prevention or cure of diseases, will promote conservation of our limited national resources, and will assure means of defense against aggression. But to achieve these objectives – to secure a high level of employment, to maintain a position of world leadership – the flow of new scientific knowledge must be both continuous and substantial.
…ciência vai estar em tudo, mas não só: para que ciência e conhecimento estejam em absolutamente tudo e gerem como resultado mais trabalho, mais saúde, uso mais racional dos recursos… e muito mais, o fluxo de conhecimento “novo” deveria ser não só substancial mas, também, contínuo.
vannevar bush não foi o único a perceber, ao fim da segunda guerra, que o mundo se articularia, a partir daí, ao redor de informação e conhecimento e não de recursos naturais, agricultura e indústria. não que estes fossem desaparecer; afinal de contas, ainda precisamos [por exemplo] comer. mas as riquezas do passado, que haviam definido o mundo até então, iriam ser rapidamente redefinidas e controladas por quem gerasse, detivesse, organizasse, conectasse, distribuísse e negociasse informação e conhecimento.
peter drucker, que viveu tanto [1909-2005] e sempre parece ter-se ido antes do tempo, já descrevia os trabalhadores do conhecimento em 1959 e, do ponto de vista sócio-técnico, nos deu uma síntese [em 1984] do que bush queria dizer, muito antes da internet e da nossa percepção de uma sociedade em rede. e o fez de forma bem simples:
Three hundred years of technology came to an end after World War II. During those three centuries the model for technology was a mechanical one: the events that go on inside star such as the sun. This period began when an otherwise almost unknown French physicist, Denis Papin, envisaged the steam engine around 1680. They ended when we replicated in the nuclear explosion the events inside a star. For these three centuries advance in technology meant -as it does in mechanical processes- more speed, higher temperatures, higher pressures. Since the end of World War II, however, the model of technology has become the biological process, the events inside an organism. And in an organism, processes are not organized around energy in the physicist’s meaning of the term. They are organized around information.
então… se bush dizia que conhecimento –para manter a sociedade do pós-guerra funcionando- deve ser substancial e contínuo e drucker propõe que o modelo para as tecnologias contemporâneas e seu uso e impacto é baseado em e organizado ao redor de informação, é bom introduzir, por completude, a definição de fluxos criada por manuel castells:
...purposeful, repetitive, programmable sequences of exchange and interaction between physically disjointed positions held by social actors in the economic, political, and symbolic structures of society.
fluxos são sequências propositais, repetidas e programáveis de trocas e interações realizadas por atores [sociais, de todos os tipos] sobre as estruturas econômicas, políticas e simbólicas da sociedade.
pense: a economia e sociedade em rede podem ser definidas ao redor de conhecimento, organizadas em termos de informação e tratadas, do ponto de vista de sua dinâmica, como conjuntos de fluxos, como se tudo fosse um flowscape, um espaço de fluxos.
neste universo de conhecimento, onipresente na economia e sociedade planetária, definido em termos de bush-drucker-castells, cabe a pergunta:
o mundo físico é plano [o lugar onde você está não importa…] ou cheio de picos [lugares onde o conhecimento, seus trabalhadores e os fluxos são mais, muito mais densos]?
é um ou outro ou os dois ao mesmo tempo? e em que intensidade e interações? em qualquer caso, o arranjo atual é estável? se não –agora, estamos indo para um mundo mais ou menos plano e que consequências isso teria para pessoas, empresas, cidades, regiões e oportunidades?…
perguntas, perguntas. a novela continua neste link.