na internet, o drama da TV

paul graham ajuda a criar novos negócios inovadores de crescimento empreendedor há tempos. está no Y combinator, acelerador de negócios por onde passam milhares propostas de criação de startups por ano. depois de um tempo no lugar dele, se desenvolve um sexto sentido para coisas que seriam um meganegócio mas que, por alguma razão, ninguém aparece com a proposta, ou, dizendo melhor, com uma proposta crível, combinada com uma capacidade de execução que pareça que vai criar um grande negócio. resultado? graham fez uma lista de negócios bilionários que ele [e mais todos os investidores do planeta] espera que alguém proponha.

o blog já tratou os primeiros três itens da lista, ["a próxima máquina de busca", "o substituto do emeio" e "e a universidade, já era?"] e este post é sobre o quarto, que graham chama de "internet drama". drama? sim, drama. graham diz que hollywood [como símbolo da indústria do audiovisual] ainda não absorveu a internet como a “nova” rede para conteúdo, capaz de fundir a criação [por todos] e distribuição [para todos] com interação [entre todos]. todos, aí, significa produtoras, redes e o que antes era público, que só podia trocar de canal, e agora é comunidade, que "foge" da TV a cada possibilidade de interação.

atenção parcial contínua nunca foi tão verdade quanto é agora, com muita gente –em breve, quase "todos"?- deixando de prestar atenção em mais de uma coisa ao mesmo tempo. mas mesmo com as evidências que estão em todos os estudos e pesquisas sobre o futuro da TV, ainda falta muito para que um novo espaço "mate" a TV. um infográfico famoso, "youTube killed TV", mostra o efeito que a rede social de vídeos teve sobre a TV, mas não consegue, frente a outras evidências, provar seu título, apesar de dados tão fortes como mostrados abaixo sobre o crescimento da atenção dedicada à plataforma.

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não há dúvida que qualquer um que esteja competindo com uma coisa que cresce a taxas entre 50% [vídeos vistos por dia] e 200% [links para vídeos no youTube publicados no twitter, por minuto] por ano tem que se preocupar muito. mas olhe o gráfico abaixo, mostrando a evolução das horas de uso de mídia por dia nos EUA, quase o único mercado para o qual há dados históricos consistentes.

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o tempo de atenção cumulativa [várias fluxos “de mídia” podem estar sendo foco de atenção ao mesmo tempo] da TV está em 40% do total entre 2008 e 2010. internet sobe, móvel sobe, mas TV fica nos mesmos 40%. e em 2011, comparado com 2010?

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pela mesma métrica, TV ganhou mais 10 minutos de atenção –por dia- entre 2010 e 2011, a internet ganhou 12, móvel 15 [subiu 30%!] e jornais e revistas continuaram sua longa e penosa caminhada rumo ao cemitério das mídias. estes e outros gráficos estão neste link, de um debate sobre comunicação para disseminação versus conectividade para interação, na assembléia legislativa de pernambuco, esta semana.

mas ninguém ignora que o aumento de tempo "na TV" pode ser enganoso, com a tela grande cada vez mais como figurante, parte do cenário, enquanto as pequenas, nos smartphones, tablets, leitores digitais e laptops, exigem cada vez mais atenção real e participação direta daquele que antes, como espectador, só podia usar as mãos pra trocar de canal. e olha que ainda nem entendemos direito como interagir com as telas pequenas usando voz, gestos e o que mais.

o resultado é o que graham aponta como a grande oportunidade de negócios em entretenimento em muitas décadas: quem [a rede que] entender como redesenhar a experiência de “ver” [qual será o “novo ver”?…] TV e sair bem na frente [e isso não parece com o próprio youTube, netflix ou hulu, claro] terá descoberto e começará a explorar uma das maiores minas de ouro do mundo virtual. mas quem, onde e como?

salustiano fagundes, CEO e fundador [2007] da HXD interactive TV, está pensando e fazendo o futuro da TV, no brasil, desde o começo do SBTVD, o sistema brasileiro de TV digital. técnico com grande experiência, salustiano aposta o futuro de sua empresa na convergência e interatividade da TV e, há tempos, está no centro do que se faz sobre isso no brasil e do que pode ser feito daqui para o mundo. a ele, o blog perguntou: qual a possibilidade de um substituto ou evolução da TV sair do brasil, do ponto de vista: 1. cientifico, 2. técnico e 3. de empreendedorismo e investimento?

segundo salustiano…

Não tem mais como ignorarmos que a televisão é uma indústria em processo de ruptura. Lembro que há alguns anos atrás li uma frase do apresentador Sílvio Santos que achei muito marcante. Ao comentar sobre a queda de audiência que os programas televisivos vêm sofrendo historicamente, ele dizia ter descoberto o motivo: “Estou perdendo audiência porque o meu público está envelhecendo e morrendo”.

Quando comecei a me envolver de perto com as tecnologias de TV digital em 2006, procurando encontrar o lugar do software em um novo ecossistema que estava se formando com a implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVDT), eu não fazia ideia de que a revolução que estava acontecendo ao meu redor era ainda maior.

Uma nova televisão estava de fato surgindo e ela ia muito além de especificações técnicas, pois a digitalização da televisão trouxe à tona uma mudança profunda, que impacta na forma como se cria, se produz, se transmite e se assiste conteúdos nas TVs.

Em seu livro “The Television Will Be Revoluzionized”, Amanda Lotz descreve que como resultado do impacto dessa transformação “podemos continuar assistindo televisão, mas as novas tecnologias implicam em novos rituais de uso”. A nova experiência televisiva será cada vez mais personalizada e compartilhada por pessoas que trocam informações sobre os seus conteúdos favoritos através de espaços online, criando relacionamentos significativos.

A televisão está mudando porque o perfil das audiências está mudando. Nos EUA, estudo da Strategy Analytics no final de 2011 constatou que 13% dos assinantes de TVs pagas planejam cancelá-la nos próximos 12 meses, o que corresponderia a aproximadamente 13 milhões de assinaturas em uma base 100 milhões.

E o que farão essas pessoas? Alguns poderão até chegar ao extremo de fixarem iMacs na parede, como Paul Graham fez, mas o fato é que a maioria usará cada vez mais serviços como Netflix (que já chegou 23.000.000 de usuários no mundo), Hulu, Amazon, Apple TV e outros que nesse instante estão sendo criados em milhares de startups ao redor do mundo.

O ponto chave dessa mudança é que as pessoas, principalmente as audiências jovens, não assistirão mais apenas “programas de televisão”. Elas acessarão “conteúdos”, nos horários e dispositivos que quiserem.

Embora os conteúdos analógicos ainda sejam a maior fonte de receita das empresas de mídia e entretenimento, o consumo desse tipo de conteúdo tende a diminuir nos próximos anos. De acordo com pesquisa da Global Entertainment & Media Outlook (2011), o desembolso dos consumidores em conteúdos digitais crescerá em média 17% ao ano, enquanto o investimento em conteúdo analógico crescerá apenas 3%.

 

Aos poucos essa revolução digital também está chegando à sala de estar dos brasileiros e a maior parte das emissoras, operadoras e produtores de conteúdos televisivos não se prepararam para isso.

Cerca de 40% dos televisores de tela plana fabricados no Brasil nesse ano serão conectáveis a internet, podendo acessar apps de VOD, games etc. Somado aos cerca de 23% de televisores que já foram fabricados no ano passado com esse recurso, chegaremos a uma base de aproximadamente 6 milhões de smart TVs no país. Um número bem expressivo para quem pretende explorar o potencial desse novo mercado.

Mas tudo isso não significa que a televisão como conhecemos hoje irá morrer, assim como o rádio também não morreu. Porém, como Sílvio Santos percebeu muito bem, quem irá morrer será a audiência que assiste o formato televisivo atual.

E qual a possibilidade desse substituto/evolução da TV vir do Brasil?

Do ponto de vista científico e técnico acredito que o país tem uma ótima base para promover inovação no setor. Não é por acaso que o Brasil lidera o processo de desenvolvimento da TV digital no continente, graças às contribuições trazidas das nossas instituições de pesquisa ao padrão japonês (ISDB-T), sobretudo no que se refere ao middleware Ginga. Aprovado como padrão para IPTV pela União Internacional de Telecomunicações, o Ginga atravessou fronteiras (não somente físicas) e abriu oportunidades para empresas brasileiras de software.

A minha experiência com o Ginga foi muito interessante, pois como se sabe a esperada interatividade na TV digital aberta não aconteceu de fato, devido a um conjunto de fatores de natureza técnica, comercial e política. Entender tais fatores foi importante para que eu percebesse a natureza da revolução que estava em curso.

Recentemente, o Governo publicou portaria sobre o Processo Produtivo Básico (PPB) para TVs, estabelecendo que 75% das TVs com tela de cristal líquido produzidos no Brasil tenha o middleware Ginga instalado e funcional ao fim de 2013. A iniciativa foi importante, mas é provável que tenha chegado tarde demais.

A interatividade na TV não esperou pelo Ginga e já começou [aqui no blog, leia TV digital: governo perdeu as rédeas do processo]. Na nova televisão não existe um padrão predominante, mas vários competindo entre si. Ela está evoluindo em um ecossistema de múltiplas plataformas onde Smart TVs, Tablets, OTTs, Smartphones e Redes Sociais estão sendo instrumentos de uma mudança que está tornando a experiência televisiva cada vez mais atrativa e participativa.

E o que vamos ter para oferecer da experiência brasileira nesse novo contexto da televisão? Só o conhecimento/reconhecimento técnico é suficiente para nos inserir como parte dessa revolução?

Para entendermos onde estamos, é importante constatar que quase 5 anos depois do início das transmissões digitais, a interatividade ainda é um tema tratado apenas pelas equipes técnicas das emissoras, sem envolvimento de outras áreas como as de produção de conteúdo, marketing e comercial.

No caso do Ginga o pouco conteúdo interativo que é hoje transmitido não é sequer divulgado para o público e é produzido dentro das próprias emissoras, baseados excessivamente no uso de templates. Apostar no sucesso da interatividade em um modelo fechado, que não envolva outros atores do mercado para trazer novas ideias e experiências é um caminho muito arriscado.

As emissoras públicas podiam ter dado um impulso logo de saída para a difusão do Ginga, inserindo-o dentro de uma estratégia de inclusão para levar serviços de governo às populações de baixa renda. Mas enquanto discutíamos o que fazer com o middleware, a Argentina tomou a dianteira e construiu um case nessa área que hoje está sendo oferecido como referência para países como a Venezuela. Se por um lado sobram boas intenções nas TVs públicas, por outro faltam recursos para os investimentos na infraestrutura necessária para promover ações desse tipo.

Mas afinal, só chutamos bola fora?

Não quero parecer pessimista. Muito pelo contrário, acredito que ainda podemos virar esse jogo e fazer ótimos gols.

Nesse momento já temos empresas que perceberam que o X (ou o Y) da questão não está somente nas plataformas tecnológicas- que estão ficando muito próximas entre si em termos de recursos – e preparam produtos e serviços que podem nos colocar novamente no radar desse mercado digital bilionário para onde as mídias irão convergir.

E o que eles perceberam foi a importância dos conteúdos em todo esse processo. Em um país que habituado a ganhar prêmios internacionais pela sua criatividade e talento em diversas áreas, essa é uma matéria-prima importantíssima que temos ao nosso dispor e precisamos aprender a usar.

E é aí, nas raízes profundas desse povo alegre, criativo, de uma cultura miscigenada e viva, que pode sair afinal o nosso diferencial para o mundo.

múltiplas plataformas, padrões abertos e globais, mudanças radicais na forma de produzir conteúdo –para interatividade-, rede de alta penetração e boa qualidade, ecologia de produção e mercados de conteúdo e aplicações, criatividade, inovação, empreendedorismo em alta velocidade, tudo ao mesmo tempo agora.

lá no começo, patinamos com o auxílio luxuoso do governo federal. agora, brasília voltou à baila, mas pode ser tarde demais, como disse salustiano. aí é olhar pro mundo, formar redes, descobrir o que dá pra fazer daqui e fazer. tomara que muita gente como salustiano consiga, pois somos um mercado de TV grande demais para sermos apenas consumidores de tecnologia.

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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