SILVIO MEIRA

na motivação de cada um, há uma “hierarquia” para inovação?…

nick carr se envolveu no debate sobre inovação em nosso tempo, comparado com o que se fez num passado nem tão distante, refletindo sobre os argumentos de peter thiel, tyler cowen, robert gordon e de neal stephenson, de quem já falamos no blog neste link. stephenson, em particular, defende a tese de que a internet está levando muito tempo para ser digerida pela sociedade e economia e que, até isso acontecer, todas as outras frentes de inovação [como a conquista do espaço, por exemplo] ficarão mais ou menos paradas. thiel, cowen e gordon chutam o pau da barraca e dizem que nós simplesmente estagnamos. thiel relaciona a chegada à lua em julho de 1969 e woodstock três semanas depois, e diz que foi aí mesmo que o trem do "progresso" descarrilhou.  vai ver, tudo culpa do jimi hendrix.

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gordon trata a evolução nas condições de vida entre 1890 e 1950, causadas pela onda de inovações do fim do séc. XIX e começo do séc. XX [motor à combustão, automóvel, eletricidade em escala industrial, vacinas, telefone, avião, rádio, ar condicionado, TV, refrigeradores…] e diz que as mudanças na primeira metade dos 1900s foram gigantescas, comparado com o que aconteceu entre 1950 e 2000.

sob uma certa ótica pode até ser verdade; mas será que não é porque o ponto de partida para as inovações que mudaram o mundo há mais de cem anos era bem perto de um certo zero nas escalas de intensidade e densidade tecnológicas na economia e na sociedade como um todo? isso vai gerar uma longa e complexa discussão. hoje, há até quem diga que enquanto um dos grandes [e recorrentes] exemplos inovação corporativa e de produtos for a procter & gamble… estaremos numa era de pouca inovação. deve ser inveja.

mas carr tem uma ideia muito interessante sobre o que está acontecendo. ele pegou a hierarquia das necessidades de maslow

INNOV MASLOW 640px-Hierarquia_das_necessidades_de_Maslow

…que, segundo a teoria do psicólogo americano explica nossas demandas, desde as mais básicas [fisiologia, sobrevivência] até as mais sofisticadas [criatividade] e, a partir daí, criou uma hierarquia de [ou para inovação], que tem por base o que, na pirâmide de maslow, nos interessa agora, no nosso tempo. resultado?

INNOV carr hierarchy of innovationcarr propõe uma hierarquia de tecnologias que atendem às demandas humanas em todos os níveis "de maslow" e diz que, nas sociedades contemporâneas, que giram ao redor dos níveis de lazer [4] e satisfação pessoal [5] aqui e agora, o que obtemos dos processos de inovação é exatamente o que pedimos. como quem cria uma rede social de sucesso tem mais reconhecimento e remuneração, e mais rapidamente, do que quem propõe e [tenta] implementa[r] um conjunto revolucionário de sistemas de transporte público ou poderia melhorar radicalmente a qualidade de processos de gestão pública [que estão nos níveis 2 e 3 da hierarquia]… é claro que a vasta maioria dos potenciais inovadores [e seus investidores] vai se dirigir para onde estão as maiores remunerações [e, não por acaso, as maiores chances de realizar algo, de fato].

carr reconhece que esta "aproximação" é rudimentar. mas ela serve pra explicar muito do que estamos vendo ultimamente, com parte significativa dos esforços de e para inovação quase que evitando os níveis intermediários e mais estruturais da hierarquia. vale a pena notar que inovações no nível 1, o mais baixo, não exigem estruturas e sistemas como é o caso dos níveis 2 e 3. no nível 2, por exemplo, está o problema do lixo [e dos descartáveis, e…]: apesar da urgência e certamente da sua importância capital para a sobrevivência de muitas espécies, inclusive a nossa, o avanço nesta área depende de mudanças estruturais que, por sua vez, dependem de política, legislação, regulamentações… coisas tão complicadas e demoradas que tendem a desestimular potenciais interessados.

resultado? pode ser mesmo que, num mundo cada vez mais "pessoal", orientado à realização cada vez mais imediata e última dos desejos de cada um, o espaço para as inovações estruturais tenha sido reduzido à sua menor expressão em quase meio século.

solução? tem gente que odeia a ideia, mas aqui é onde entram as políticas públicas. os programas americanos para o espaço e defesa foram os vetores de  grande parte das tecnologias que usamos em casa, empresa e vida pessoal, da internet ao teflon das panelas. ir à lua [antes dos russos] e escapar da destruição total [infligida pelos russos?…] eram  motivos bons o suficiente para se investir trilhões de dólares de recursos públicos em programas de inovação de longo prazo. e deu no que deu.

qual é o problema hoje? todo mundo está esperando pelos chineses? ou por uma nova corrida espacial [ou armamentista]? os EUA não têm mais fôlego para liderar a inovação em escala mundial, especialmente  inovação profunda, de longo prazo? a europa vai se acabar e não adianta esperar nada de lá? seja o que for, se carr estiver certo ou perto, é bom que se faça alguma coisa para retomar o curso da inovação radical.

mas há um detalhe: "licitar dinheiro" como quase sempre se faz nas políticas públicas para ciência, tecnologia [e mais recentemente, inovação] no brasil, para "pesquisa", em função da "demanda qualificada", sem definir uma agenda de problemas, de desafios nacionais ou globais, de amplo impacto econômico e social, vai dar sempre na mesma coisa… uma miríade de artigos científicos da melhor qualidade, publicados nos melhores veículos globais e nenhum resultado empreendedor ou econômico. daí porque um monte de gente acha que políticas públicas não têm nada a ver com inovação. mas têm sim, e muito: só que, para dar resultado, têm que ser, elas próprias, inovadoras.

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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