uma tese de quase meio século atrás, proposta por konrad zuse [rechnender raum, 1967] e secundada por muita gente boa, inclusive stephen wolfram [veja entrada na wikipedia para a new kind of science], diz que tudo são computações e que, por conseguinte, tudo é programável.
onde você leu tudo, leia tudo mesmo: animais, plantas, coisas, o universo inteiro. ouça seth lloyd, do mit:
It is absolutely obvious that the universe is performing a computation. Every physical system registers information, and just by evolving in time, by doing its thing, it changes that information, transforms that information, or, if you like, processes that information. Since I’ve been building quantum computers I’ve come around to thinking about the world in terms of how it processes information.
…é óbvio que o universo está realizando uma computação. todo sistema físico registra informação e, evoluindo no tempo, fazendo seja lá o que for, muda aquela informação, a transforma ou, se você quiser, processa a informação. desde que comecei a construir computadores quânticos que comecei a pensar sobre o mundo em termos de como ele processa informação.
computacionalidade, a tese, está longe de ser universalmente aceita, especialmente por quem defende um grande número de resultados da física [por exemplo] que depende de continuidade do espaço-tempo, ao invés do caráter discreto da computacionalidade.
mas deixe isso prá lá [pelo menos por enquanto] e olhe esta notícia aqui, que dá conta de um site de encontros onde você pode escolher parceiros também pelo DNA, baseado na idéia de que as pessoas sentem atração por quem tem os genes HLA diferentes dos seus. HLA é parte do complexo imunológico e pode estar relacionado aos odores pessoais envolvidos da seleção ou rejeição de pares entre humanos e animais, já que HLA é a versão humana de um sistema que ocorre em todos os vertebrados.
então, em tese, você entra num site, se registra, passa por um teste de saliva e pronto, dentre um grande número de alternativas aparece sua alma gêmea? não, os proponentes do teste que compara uma parte de seu programa [computacionalidade implica em você e eu somos programas, HLA é um trecho dele…] com a de outros dizem que isso é parte do processo; valores e preferências pessoas também são levados em conta.
será que funciona? se funcionar, será que entregar a sorte conjugal a um exame de partes de nosso programa não nos torna mais parecidos com milho transgênico? e que implicações isso terá, ou teria, se fosse usado em escala, na vida das pessoas e na sociedade como um todo? será que processos de seleção artificial como os baseados em redes sociais de relacionamento são mais ou menos naturais do que aqueles que nos levam a relacionamentos ao vivo? será, num mundo que está cada vez mais conectado por redes sociais virtuais, isso vai fazer alguma diferença? se sim, quanta? para melhor ou para pior? e o que é, ou seria, neste caso, melhor ou pior?…
falando nisso, a programação de coisas vivas avança a largos passos no brasil: 19% do milho brasileiro veio de sementes reprogramadas [ou transgênicas] em 2008; em 2009, a safra de verão será 30% transgênica e a de inverno terá 53% de procedência reprogramada. e a safra de soja já é mais de 70% transgênica.
levando em conta a computacionalidade como base para tudo e voltando ao seu próximo namoro, não só é possível analisar seu DNA para descobrir um HLA compatível com o seu, mas dá pra reprogramar [partes do] seu DNA pra fazer você, por exemplo, brilhar no escuro ou ficar verde na luz azul. vai ver, isso tem algum apelo sexual. os “serás” do parágrafo lá atrás vão ficar cada vez mais interessantes, disputados e discutidos nos próximos anos, quando a tese computacionalidade poderá vir a ser testada e usada em larga escala, na prática, senão no processo de reprogramação do que já existe [como nós, que já estamos aqui], mas na construção dos vivos que ainda estão por vir.
mas o acaso lá do título não vai desaparecer. é impossível garantir a corretude de “todos” os programas. e a própria noção de corretude, no caso de programação de coisas vivas, que necessariamente evoluem dentro de um contexto diverso e mutante, não se aplica no mundo real da mesma forma em que se pode aplicar aos programas de computador “normais”.
de qualquer maneira, pra quem achava que já viu tudo em matéria de computação e programação, pode esquecer: o melhor e muito mais interessante ainda está por vir. e este negócio de testar e comparar trechos de DNA é coisa de criança, comparando com o que vai ser possível fazer dentro de 20, 50 anos. e com uma comunidade de biological hacking no processo, como não poderia deixar de ser.
o leitor pode até estar pensando que isso pode levar muito tempo pra acontecer. mas não, já existe uma competição internacional de “máquinas” construídas através de engenharia genética; este ano, 110 times do mundo inteiro estavam atrás do primeiro prêmio, inclusive um brasileiro, da unicamp. os ingleses de cambridge foram os campeões, com dois projetos, um dos quais domina a arte de expressar uma gama de cores na bacteria e. coli, como mostra a figura abaixo [veja a cor normal da coisa neste link].
é só esperar mais um pouco e qualquer um vai poder programar a cor dos olhos, por exemplo. nem que seja de seus descendentes, pra começar. o resto, com todos os riscos, a gente tenta depois. incluindo reprogramação pra namorar. mas nem pense que o acaso nos abandonará, pois uma coisa é certa: sua [re]programação vai ter “bugs”…