Pra começar, TV tem futuro? sim, como experiência audiovisual. não, como a TV que a gente vê hoje. a telinha de antigamente, especialmente em geografias onde banda larga é larga [e não 10 ou 20 megabit por segundo…] mudou, no mínimo, de lugar. foi para o laptop, para o tablet, smartphone e até para a TV, a conectada, a TV onde a gente não vê só os canais de TV mas, cada vez mais, a internet.
há alguns anos, o problema era o que iria ser a TV digital. em 2007, tinha jeito de ser a batalha da década. desta década. tivéssemos tido uma política de TV digital, e não simplesmente um padrão e um sistema [público] que acha que regras movem o mundo [e não incentivos, reconhecimentos e renda…] era capaz deste ter sido o caso. mas não foi. em 2007, no G1, escrevi que…
A próxima -para não dizer a atual- plataforma de programação, quer de conteúdo ou de aplicações, é a internet. O lugar onde todos nos encontraremos, é só esperar, será a internet. E meu chute é que nossa TV digital, pra dar certo, terá que ter jeito de internet. Ou estar na internet. Ou trazer a internet pra TV.
Porque a audiência, eu inclusive, vai estar lá, na internet.
Mas ainda há quem ache que a TV, e a TV digital, vai ser mesmo é a "velha" TV.
Que Santa Clara olhe por todos, mesmo os que não crêem.
daí pra isso acontecer, claro, havia uma longa distância, aumentada pelo fato de que no brasil não há governo, mas uma peculiar instância de manicômio político, como diz gustavo krause, autoridade na conversa. quatro anos depois do texto, o que tinha acontecido? nada. hoje, seis anos depois? nada. não dá pra reclamar da consistência do governo brasileiro. e, como a TV digital não foi pra internet, e nós, antigos espectadores [hoje, usuários] mudamos pra lá… o padrão brasileiro de TV digital serviu, só e mesmo, para o interesse dos mesmos [poucos].
muito bem. dito isto, fazer o que? onde estamos, pra onde vamos? a neoTV me convidou pra pensar sobre o assunto e levantei uns dados globais sobre o que é [e não é mais] TV e entretenimento no mundo, hoje.
pra começar a conversa, que tal olhar pra netflix, cujo objetivo é se tornar a HBO antes que a HBO consiga se tornar a netflix? a netflix acaba de passar a HBO em número de assinantes nos EUA [29.2 vs. 28.7 milhões] e responde por 1/3 de todo o tráfego de download da internet fixa americana no horário nobre, mais do que o dobro de youTube e quase três vezes o volume de navegação [ou HTTP]. os dados, da sandvine, parecem mostrar que a TV não morreu, apenas está de mudança para a web, com outros “canais”, serviços, sistemas e possibilidades lá. aliás, já dava pra ver isso em 2007: a “audiência”, tornada comunidade, iria para a rede e, seja lá que serviços quisessem sobreviver, teriam que ir para lá, também.
razões pra isso? um monte. a seguir, algumas das imagens, com dados recentes, globais [ou americanos, como sempre, pois eles têm dados], do debate na neoTV. pra começar, estamos começando a ver o que é a convergência digital de que se falava tanto há 10 anos…
…que é a combinação de todas as formas de conteúdo [B2C e B2B], articuladas, em uma única plataforma [a combinação de infraestrutura, serviços e aplicações], pra todos os tipos de dispositivos, em todas as redes e lugares. a imagem acima vem do relatório opportunity and optimism: how CEOs are embracing digital growth, da ernst & young, neste link, com opiniões de líderes da mídia mundial, inclusive do brasil. vale a pena ler.
a convergência, combinação emergente do digital, conectado, móvel e, em breve, programável [veja mais sobre o assunto neste link], tem consequências:
nada menos que 36% dos CEOs acha que, em 3 anos, a evolução de seus negócios para o digital vai aumentar as receitas entre 10 a 20%; outros 12% aposta em 20 a 30% de crescimento nas receitas e margens. não é pouco não. o gráfico a seguir é ainda mais interessante, pois compara o que aconteceu até 2011 e o que se espera que aconteça daqui até 2015. compare.
olhando só vídeo, a parte digital deste mercado cresceu 38% ao ano entre 2008 e 2011 e se espera mais 16% por ano até 2015, levando a uma participação digital de 21% nas receitas totais. só que, no meio da história, há um efeito conhecido como a maldição de zucker, que foi discutida aqui no blog neste post. jeff zucker, à época CEO da NBC, dizia em 2008 que o grande desafio dos [novos] negócios de mídia em rede era o de monetizar de forma a não trocar dólares analógicos por centavos digitais. e não era opinião, apenas, era o que estava acontecendo.
a preocupação de zucker pode levar a uma pergunta mais ampla: que indústrias [mercados, produtos, serviços, tecnologias, modelos de negócio…] estão prontas para serem revolucionadas por uma transformação em rede, fazendo com que seus reais analógicos virem centavos digitais? que tal a resposta abaixo [reescrita a partir deste link]?
um mercado está sujeito à maldição de zucker quando é possível promover novos níveis de virtualização graças a [novos] usos de [novas] tecnologias, métodos e processos digitais e de conectividade; quando há problemas de acesso e entrega [de produtos e serviços] que podem ser resolvidos em rede; quando é possível agregar mais informação e sua disseminação a produtos e serviços, criando as bases para que o ciclo SFO [S para search, buscar; F para find, encontrar e O para obtain, obter] funcione em rede; onde é possível digitalizar o mercado em rede, no todo ou parte, para que novos valores sejam gerados, transformados, agregados e capturados por produtores, intermediários e consumidores [estas são situações onde é possível, em rede, alterar ou influir no DNA do valor]; onde é possível redefinir o mercado em termos de redes e seus efeitos, reposicionando agentes nas cadeias de valor, de tal forma que a conectividade resultante promova muitos níveis de interação entre fornecedores e consumidores [fluxos P2P, quer sejam f2c, c2c ou f2f], facilitando transações diretas e criando comunidades capazes de [em tese] promover acesso universal às plataformas, produtos, serviços e transações do mercado em consideração.
nem tudo isso, claro, está no lugar, agora. sabe o que parece estar mais perto? olhe o gráfico abaixo…
…que mostra mobilidade e seus dispositivos como um vetor de crescimento dos negócios digitais, citado por todos os executivos. o gráfico, claro, representa uma certa visão de mundo; note que redes sociais não apareceu em primeiro lugar para nenhum dos consultados, o que é um dado muito interessante, especialmente se você conversar com executivos de TV. para a vasta maioria deles, o tempo que as pessoas “gastam” em redes sociais está vindo em parte “da TV” e isso não pode ser bom. seja o que for, veja o último gráfico do estudo da e&y…
…onde redes sociais já aparecia, crescendo a 82% por ano, contra uma queda de 2% por ano, entre 2008 e 20101, no tempo dedicado a TV aberta. e o que eram 82 horas por ano para redes sociais, nos EUA, passou a ser, recentemente, entre 20 a 25% de todo o tempo dedicado ao online, como discutimos neste texto. as redes sociais, nos EUA, para comparação com o gráfico acima, consomem mais de 310 horas por ano, em média, quase quatro vezes o número do histograma. coisa de gente grande, capaz de influenciar, cada vez mais, no consumo de todo o resto. e é isso que vemos na imagem a seguir, do relatório advertising & audiences: state of the media, da nielsen, publicado há pouco. mais de 1/3 de quem está “vendo” TV está nas redes sociais no programa e no intervalo e 1/3 já comprou enquanto estava “na” TV. a segunda tela vai se tornar universal, é social e é por onde a TV está entrando na internet, pra ficar.
mas… telinha pra que? o número de casas sem TV, nos EUA, cresceu de 2 para 5 milhões entre 2007 e 2013. menos de 5% do total de lares americanos, mas se a taxa de crescimento ficar perto do que foi visto nos últimos anos, é capaz de parte considerável das futuras gerações viver em lares onde nunca se “viu” TV. mas “vê” conteúdo em muitas outras plataformas, do velho PC até os mais novos tablets. e sabe o que mais? 48% destas casas vê o conteúdo de TV via internet, o que é mais uma garantia de que não é a TV que vai acabar, mas seu formato atual.
o curioso é que 75% das casas “sem tela” tem, na verdade, pelo menos uma TV. só que ela não é usada no sentido clássico de “ver TV”. pra tudo, menos pra isso…
e o futuro? ah, é muito mais difícil prever o futuro do que criá-lo. cada tecnologia e sua aplicação, cada modelo de negócios e suas versões e implementações, regras que são introduzidas ou retiradas dos mercados por órgãos reguladores… cria um pouco mais do futuro, que não acontece nem em todo canto ao mesmo tempo nem pra todo mundo, de uma só vez, no mesmo lugar.
sim… mas e aqui? como não temos banda larga de verdade, pelo menos na maior parte do país, modelos de negócios intensivos em banda, como é o caso de mídia, vão levar mais tempo do que deveriam para aparecer no brasil. e isso é o mínimo. o pior é que não ter banda de verdade vai dificultar muito o nascimento de novos negócios inovadores de crescimento empreendedor no mercado de audiovisual no brasil. e dos poucos que surgirem, pouquíssimos serão classe mundial. e aí mora o perigo: sem infraestrutura e contexto apropriado para arriscar, errar e aprender, o que espanta empreendedores e investidores, há o risco de ficar vendo a internet passar [hoje, lá fora] e, no futuro, sermos meros compradores de tecnologia [dos outros] e consumidores de conteúdo [idem]. como é o caso agora, por razões bem parecidas com as atuais, lá no passado distante, quando a gente pensava no futuro de então, que é o nosso presente.
em sua consistência, o governo não cria agora as condições pra gente competir no futuro e, lá, atendendo a pedidos, decretará um monte de medidas anticompetição que terão o efeito, no futuro, de tornar ainda mais distante o futuro do futuro. e se você quiser saber porque é que governos têm necessariamente que se envolver em inovações como TV, leia esta série de posts ou pense porque apple, microsoft e google, mesmo com o poder que têm, não conseguem, sozinhas, mudar o cenário.