O HOMO SAPIENS anatomicamente moderno tem ceca de 200.000 anos. Há provas de que tínhamos amplo controle do fogo -talvez “a” tecnologia fundadora da humanidade- há 125.000 anos. É quase certo que temos algo a ver com a extinção dos nossos competidores mais próximos, os Neandertal, há 40.000 anos; nossas interações com eles estão gravadas em DNA, e são parte de nosso sistema imunológico. Há 12.000 anos, no Neolítico, nos tornamos sedentários, domesticamos animais, plantas E pessoas, complexificamos a vida e começamos o que se pode chamar de civilização. Começamos a construir o SUPERORGANISMO HUMANIDADE.
E isso não aconteceu de uma hora para outra. A “primeira” cidade, Eridu, na antiga Suméria, nasceu há 7.400 anos e foi a partir das cidades, da maior aglomeração de pessoas, da necessidade de compartilhar espaços e recursos, que o Crescente Fértil criou, para o Ocidente, normas, regras, transações, administração, sistemas de defesa e… impostos. Para codificar tudo isso, cria-se a escrita entre 6.000 e 5.000 anos atrás, o que possibilita registrar os acontecimentos do presente para o futuro… e daí nasce a história.
Ondas de globalização conectaram a Mesopotâmia, Suméria e vizinhos à Índia; todo o Mediterrâneo e mais durante os mil anos áureos de Roma [500AC – 500DC]; as regiões da Rota da Seda [200AC – séc. XVIII]; o mundo inteiro nas Grandes Descobertas [séc. XV – séc XIX]. A Revolução Industrial redesenhou mapas e rotas, reconectou tudo, acelerou a destruição dos ecossistemas e o aquecimento global a partir do séc. XIX e, por fim, a Revolução da Informação, que começa de fato ao fim da Segunda Guerra e hoje, pela Internet e através de todos os tipos de dispositivos, já conecta ou conectará tudo e todos, o tempo todo, numa economia e sociedade da informação globais, se conseguirmos sobreviver aos problemas que nós próprios criamos nestes últimos 120 séculos.
Todas as globalizações dependeram de novas tecnologias, da roda [4.500AC – 3.000AC] à rede. Tecnologia, nenhuma delas, tem ética, moral ou caráter em si mesma. Mas o uso da tecnologia tem intenção, política e consequências. As grandes transformações criaram um SUPERORGANISMO HUMANIDADE que, analisado à ótica das tecnologias da informação, comunicação e controle, é uma grande rede de HARDWARE, de sistemas físicos, sem que haja um SOFTWARE apropriado para sua articulação global.
É como se fosse um grande emaranhado de partes e peças conectadas e interdependentes, sem o necessário SISTEMA OPERACIONAL para orquestrar seu funcionamento. O que há são fragmentos, aqui e ali, que articulam, mais ou menos, algumas das funções do todo. Exemplo? O grande emaranhado de instituições e organizações globais que tenta fazer com que os países funcionem como uma TERRA e os povos, em conjunto, como HUMANIDADE.
ESTAMOS LONGE disso. Ao invés de agir para melhorar, e muito, e rápido, uma Organização Mundial da Saúde, há países abandonando a organização, como se pudessem viver em outro mundo, só deles. Não podem: não somos, e há muito, nem dependentes, nem independentes uns dos outros. Somos todos interdependentes de todos os outros.
À nossa volta, e por nossa causa, nos acossa um desafio que pode ser terminal, com temperaturas no Ártico perto dos 40 graus Celsius e uma Groenlândia que, na superfície, armazena 100.000 lagos de Itaipu de gelo. Derretidos, podem elever o nível do mar em SETE METROS. Por isso que é preciso redesenhar o pensamento da humanidade inteira, e ARTICULAR O SUPERORGANISMO não só para que ele venha a ter um ANTI-VÍRUS -como os sistemas operacionais dos computadores e redes têm- mas para que, acima de tudo, ele comece a se modificar para tornar-se SUSTENTÁVEL.
Não temos um Planeta B. Nem teremos, neste século. E é nesse século que a humanidade já enfrenta seu maior desafio, de extinção. Para evitá-la, é preciso, e urgente, criar novas formas de pensar em tempos incertos… que era o nome do painel, no Festival OI Futuro, onde discuti esse tema.
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Uma versão editada deste texto foi publicada no ESTADÃO em 29/07/20.