Dois mil e vinte e um será, para sempre, o ano do Carnaval que não houve. Quem sentirá na alma são os brincantes para quem Carnaval é mais do que um feriado pagão, para quem é uma celebração da alegria do presente e das tristezas do passado nas ladeiras de Olinda, nos blocos de pau-e-corda nas vielas do Recife Antigo e nos maracatus, alfaias a virar em todo lugar. O Carnaval lava a alma, leva a gente para o novo ano; sem ele, é como se continuássemos no passado, como se 2020 fosse, meio século depois, outro ano que não acabou.
O calendário pode não ter passado para o Carnaval, e em 2022, se der, vamos brincar em dobro. Mas ele se acelerou para os negócios, e muito. Pode até aparecer no calendário que o ano é 2021, mas não: é 2025, ou mais. A aceleração digital causada pela pandemia, de acordo com múltiplas pesquisas, é de pelo menos meia década, com quase a totalidade dos líderes sentindo seus negócios severamente afetados pela transformação digital dos mercados. Esse grande passo para a humanidade vem, em quase todos os sentidos, da mudança de comportamento das pessoas. A supressão do espaço físico, por meses na pandemia, catalisou o aprendizado que estava represado por décadas -porque dava para viver sem as habilitações digitais no negócio, na casa, no entretenimento…- e tudo aconteceu em meses, ao invés de muitos anos.
Estamos em tempos de troca de era, e há uma percepção de que o tempo se tornou mais escasso. Porque o futuro, ao contrário do Carnaval que não veio, chegou sem convite, de repente, num presente que continua vivo, junto com os passados das empresas. E o problema de todos, em todas as instituições é… como criar tempo para o futuro? O desafio dos negócios é seguir seus clientes -se ainda os têm- na velocidade das mudanças. Porque os saltos para o futuro não foram pequenos: ecommerce, por exemplo, levou duas décadas, de 1999 a 2019, para chegar a 6% do varejo brasileiro. Em 2020, foi para 10%, entrando decididamente em categorias que nem apareciam nas estatísticas antes, como mercado.
A aceleração digital é mudança de comportamento, em estado quase puro. Passamos a usar o que já tínhamos e não fazíamos ideia de como usar, porque não precisávamos. A necessidade foi a mãe do aprendizado. Rápido, e em tempo de crise. Bem que uma parte do tempo, nas empresas, podia ser dedicado, estrategicamente, para aprender, sem crises. O ano de 2020 causou um grande número de rupturas, mudando de forma radical o comportamento das pessoas, os mercados e o trabalho, talvez para sempre.
Mas ainda há empresas -na verdade, a maioria- sem entender o que se passou e as mudanças que já vinham acontecendo, que a pandemia acelerou muito. Não é mais digitalização, comprar e instalar tecnologias digitais nos negócios; isso era antes de 2010. A década passada já foi de transformação digital, a combinação de inovação digital com transformação estratégica, que vai se acelerar muito nos anos 2020, exigindo o redesenho das teorias dos negócios e de suas capacidades, para dar conta das rupturas nos mercados, do fim de muitos deles e o surgimento de tantos outros. Var dar muito trabalho, esta década.
No ano do carnaval que não houve, este texto é do dia do frevo, nove de frevereiro. Sabendo a gradação da música-essência de Pernambuco, do mais lento (canção) ao mais agitado (de rua), é a hora dos negócios que ainda não começaram sua transformação botarem seus blocos na rua, ao som de frevos de abafo, coqueiro e ventania, porque ainda há tempo para chegar inteiro no porto digital, se a orquestra estiver naqueles dias e a animação, de carnavais passados. Mas, se você não sabia, se ligue: o Bloco da Saudade não sai na Rua do Futuro.
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Uma versão editada deste texto foi publicada no ESTADÃO em 10/02/21.
As imagens, claro, são de carnavais passados, não de 2021.