como já dissemos num post anterior, dia 19/06 começa a robocup 2010, o torneio mundial de futebol de robôs cujo objetivo [até 2050] é criar um time humanóide autônomo capaz de bater os campeões humanos de ludopédio.
o representante do blog no certame, em cingapura, é marco simões, bacharel em processamento de dados pela ufba, mestre em ciência da computação pela ufpe e doutorando em ciência da computação pela ufba. marco é professor assistente da universidade do estado da bahia, UNEB, e coordena a pesquisa em robótica inteligente do núcleo de arquitetura de computadores e sistemas operacionais [ACSO] daquela universidade.
marco lidera um dos dois times brasileiros no evento [o outro é o da FEI], é o cara [cansado e] agachado na foto acima –junto com o time da UNEB, chegando no aeroporto de cingapura- e topou responder uma série de perguntas deste blog sobre a robocup e o que é que o brasil está fazendo por lá.
as respostas abaixo foram enviadas via emeio e são repetidas, aqui, ipsis litteris.
meira: marco, qual a importância da robocup?
marco simões: A RoboCup é uma das mais importantes iniciativas científicas da atualidade. Surgiu de sucessivas discussões entre cientistas da área de inteligência artificial no início da década de 1990, quando se buscava um novo desafio para a inteligência artificial [IA], considerando que um dos grandes desafios que dominou a área na segunda metade do século XX – o xadrez – estava prestes a ser vencido (como aconteceu em 1997 com o episódio Deep Blue vs. Kasparov).
O novo desafio precisava representar a mesma complexidade dos diversos problemas não resolvidos no mundo real, como os veículos autônomos não tripulados (terrestre, aéreos e aquáticos), o planejamento da geração e distribuição de energia elétrica, o controle de tráfego urbano, o controle de tráfego aéreo, a automação doméstica, etc.
Estes problemas caracterizam-se por sua natureza eminentemente distribuída e por demandar o uso de métodos avançados de inteligência artificial para lidar com a imprecisão e/ou pouco conhecimento do ambiente e requisitos nos quais estão inseridos.
Foi aí que o futebol de robôs apareceu como grande desafio para a IA. O jogo de futebol, além de ser um forte atrator -inclusive do público leigo- pela própria popularidade do esporte, reúne as características dos problemas citados, além de ser, naturalmente, um ambiente de tempo real e dinâmico onde os robôs precisam tomar decisões rápidas e, enquanto decidem, o ambiente está em constante mutação.
A grande vantagem de se utilizar um desafio padrão lúdico como este é a grande redução de custos e riscos que se ganha nos experimentos. Quando um experimento em futebol de robôs falha, o pior que pode acontecer é um time perder o campeonato ou uma partida. Mas quando um experimento com um carro autônomo falha, pode até gerar acidentes de maiores proporções ocasionando grandes perdas financeiras ou mesmo riscos à vida humana.
Desta forma, resolver o problema de futebol de robôs equivale a resolver grande parte dos desafios científicos da Inteligência Artificial e Robótica no século XXI. A RoboCup Federation é uma organização científica sediada na Suíça que reúne estudantes e pesquisadores de todo o mundo interessados no problema descrito acima.
A grande meta é, até 2050, construir um time de robôs humanóides capaz de vencer a última seleção de humanos campeã da Copa do Mundo da FIFA. A RoboCup organiza anualmente sua Copa do Mundo com sede intinerante que reúne diversas modalidades de competições entre robôs, associadas a simpósios científicos que vêm contribuindo fortemente para o alcance das metas estabelecidas.
SM: e para o brasil, porque a robocup é importante? temos chances reais em alguma das categorias em que estamos competindo?…
MS: Para o Brasil, estar integrando a iniciativa RoboCup significa participar de um dos maiores projetos científicos em andamento neste século.
E isto significa a oportunidade de dominar o conhecimento que estará por trás da tecnologia que fará funcionar grande parte dos inventos que estão por vir nos próximos muitos anos. Se nosso país conseguir ser competente em acompanhar esta iniciativa de forma ativa e relevante, poderemos entrar no grupo de grandes países criadores e exportadores de tecnologia de ponta, saindo da posição de meros consumidores tecnológicos.
Infelizmente, não se valoriza iniciativas e empreendimentos científicos deste porte no país. O Brasil entrou tarde na RoboCup e, apesar de algumas participações esporádicas de equipes brasileiras nas primeiras edições, só passamos a ter a presença brasileira de forma mais frequente a partir de 2006.
Deste então, todos os anos tivemos equipes brasileiras participando do mundial da RoboCup. Apesar disto, a presença brasileira é em boa parte resultado do esforço pessoal de pesquisadores-professores e estudantes que acreditam na importânicia da participação brasileira nesta iniciativa. Ao contrário de vários outros países, não há financiamento público ou privado de porte que possa solidificar esta presença brasileira.
Mesmo com as dificuldades, nossa presença vem crescendo em quantidade e qualidade, o que nos dá a esperança de poder atrair investimentos mais relevantes para os projetos e equipes brasileiras.
Quanto às chances brasleiras no mundial deste ano, eu diria que há boa expectativa em duas modalidades. Na Realidade Mista – única categoria em que uma equipe brasileira (BahiaMR do grupo BRT) já chegou ao pódio com a conquita do 3o lugar no mundial 2009 – há uma boa expectativa de poder conquistar o primeiro título mundial para o Brasil. Mas não será fácil, pois existem concorrentes bem fortes de Portugal, Irã e Alemanha que inclusive já protagonizaram excelentes duelos com a BahiaMR em edições anteriores.
Outra boa expectativa é quanto à participação da equipe RoboFEI na categoria Small Size. Em 2009, eles conseguiram fazer um excelente papel avançando até a 3a colocação no seu grupo, ficando próximos da qualificação para as quartas-de-final. Sei que este ano trazem com robôs mais competitivos e poderão disputar em condições mais próximas com os demais times; então há a expectativa que possam avançar além da fase de grupos e quem sabe não chegam também ao pódio ficando entre os três primeiros?
As outras duas equipes do BRT que participam na liga de Simulação – Bahia2D e Bahia3D – têm perspectivas diferentes em função do próprio status desta liga. Na Simulação 3D, atualmente é simulado um robô real – o NAO fabricado pela francesa Aldebaran Robotics – que também é usado na liga Standard Platform da RoboCup. Este é um robô humanóide que traz um aumento considerável de complexidade à liga de simulação, uma vez que além das questões de IA, os desafios de controle também estão presentes.
A adoção deste modelo de robô é bem recente (deu-se em 2007) e de lá para muitas mudanças relevantes vêm sendo feitas no simulador visando tornar o desafio gradativamente mais realista e alinhado com as metas globais da RoboCup. Por isto, a versão oficial do simulador vem sendo sempre anunciada poucas semanas antes da competição mundial. Esta variação faz com que o desempenho das equipes seja uma incógnita.
Por vezes, equipes que foram muito bem numa edição mundial podem ir muito mal na seguinte, devido à dificuldade em adaptar seus agentes às mudanças no ambiente de simulação. Outro fator a considerar nesta competição é a existência de times relativamente novatos participando, permitindo um maior nivelamento entre as equipes.
A equipe Bahia3D teve a primeira participação no mundial em 2009 e conseguiu classificar-se na primeira fase, sendo eliminada na segunda fase. Ficou à frente de 8 equipes no rannking final. Se ainda não é uma colocação de destaque, foi um bom resultado considerando o pouco tempo de trabalho. Para este ano, o agente está mais robusto e com melhor nível de IA que em 2009, mas não há como fazer previsões. É torcer por um bom resultado e um avanço em relação ao ano anterior.
Na simulação 2D, o cenário é outro. Trata-se de uma das mais antigas categorias da RoboCup, possui um ambiente bem estável e conhecido pelos times. Há grandes equipes que detêm uma certa liderança mundial, o que resulta em poucas mudanças drásticas no pódio 2D. Equipes mais recentes como a Bahia2D têm ainda muita dificuldade em acompanhar o nível da maior parte dos competidores.
A grande meta da equipe Bahia2D neste ano é tentar ao menos classificar-se na primeira fase, o que já será um resultado muito bom, dado o alto nível das equipes nesta competição. Mas é uma meta ambiciosa, pois na 2D é onde se joga um dos melhores níveis de futebol dentre todas as ligas da RoboCup. Vale ressaltar que esta liga desafia exclusivamente as questões da IA, já que os desafios de controle são abstraídos pelo simulador. Os times têm um robô "ideal" sem ter que se preocupar com os desafios de controle e engenharia presentes em outras ligas.
Em resumo, existem boas expectativas de avanço da posição brasileira nas ligas em que vamos participar… e nos próximos dias saberemos se isso irá se confirmar ou não.
a entrevista continua. amanhã tem mais. e a copa começa no sábado, e nós vamos acompanhar. fique na linha…