[este post foi provocado pela notícia de que a nokia, depois de ver vários fabricantes de computadores entrarem no mercado de celulares, está pensando seriamente em fabricar… computadores.]
PCs, laptops e celulares são meros instrumentos pra “sintonizar” a internet. sintonizar pra produzir, consumir e relacionar informação e seus produtores e consumidores. isto posto, o que diferencia os três “instrumentos”?
olhando a partir de um referencial mais ou menos padrão, o balcão de uma loja [ou sua mesa, se for em casa], PCs são representantes de computação NO balcão, em relação a que os laptops e celulares ficam DEPOIS do balcão. se o referencial formos eu e você, laptops e, bem mais apropriadamente, celulares, representam computação e comunicação CONOSCO. básico. ninguém sai por aí carregando um PC como se fosse um celular, um celular não parecia com um laptop e até pouco tempo não dava pra fazer num celular quase nada do que era possível em um PC ou MAC.
o problema –ou a solução- começou com os netbooks, laptops que começam a se aproximar de um celular [pelo volume e peso, mais do que qualquer outra coisa] e tomou forma e ganhou nome com a gama de celulares representada pelo iPhone, android e pela próxima geração de windows mobile, cujo propósito final é levar a mesma experiência de uso dos PCs, MACs e laptops para o celular. ou vice versa.
quanto mais rápido isso acontecer –inclusive o vice-versa- mais teremos chegado no que poderíamos chamar, de fato, convergência digital. que não é nada mais do que reduzir todos os processos que tratam informação a aplicações sobre a infraestrutura e serviços da internet. feito isso, SMS, chat, telefonia, web, transferência de arquivos, publicação de fotos… controlar o portão da sua casa, abrir seu carro, sua identidade [pra entrar no estádio]… e mais rádio, TV, vídeo, jornal, cinema e, se você quiser, dinheiro, tudo será aplicações sobre a mesma infraestrutura e serviços. simples assim.
pouco importa se toshiba, dell, hp, lenovo, positivo, acer [e todos os outros fabricantes de PCs] também vão fabricar smartphones, se a apple faz iPhones ou se a nokia, agora, vai fazer laptops. façam o que fizerem, o que nós usuários queremos, do lado de cá, é que as coisas que eles fabriquem “sintonizem” a internet usando padrões mundiais e abertos e que os provedores de infraestrutura e serviços [as companhias de rede, “telecomunicações”, TVs…] não atrapalhem o que estamos querendo fazer, aleijando os dispositivos às nossas mãos com dificuldades inventadas em seus sistemas.
e o que nos impede de chegar lá mais rápido, ou tão rápido quanto a disponibilidade dos “sintonizadores”? os modelos de negócio legados [ou seja, do passado] da maior parte dos agentes que intermediam nosso acesso à informação. as TVs ainda querem ter espectadores [quando audiência já virou comunidade], as teles querem vender minuto de conexão [quando estão totalmente implementadas em termos de pacotes digitais…], as companhias de infraestrutura de rede querem controlar o tráfego, habilitando mais isso e menos aquilo… ou seja, mesmo tendo uma convergência de dispositivos cada vez mais clara e imediata, ela vale muito pouco se, por trás, onde o bicho pega, o sistema como um todo não levar em conta o que que a população da rede realmente é e quer fazer. somos indivíduos, produtores e consumidores de informação, em rede. simples.
mas muito difícil de se chegar lá. para tal, é preciso muita gente se envolver, incluindo múltiplas instâncias reguladoras… passando [no caso brasileiro] por anatel e congresso, entre outros, pra gente ter uma rede bem… simples. e não é de hoje que se discute o problema. a seguir, um texto que publiquei em dezembro de 2006 no G1, chamado confusão digital… leia com cuidado e note que, de lá prá cá, pouquíssima coisa mudou:
O noticiário mundial anda cheio de notas, reportagens, entrevistas e promessas de convergência digital, com cada empresa prometendo mais do que outra. Teles prometem YouTube em seus celulares, TVs a cabo entregam telefonia como parte do pacote, provedores de acesso querem fornecer TV via protocolo IP e, claro, quando houver, TV digital há de ser, segundo quase todos, interativa. A ponto de o espectador poder receber uma chamada telefônica, pela TV, bem no meio daquele capítulo intenso da novela.
Convergência digital, visto pelo lado da maioria das empresas de mídia ou do que costumava ser chamado de telefonia, parece ser um fazer tudo (todas as formas de mídia e comunicação) sobre sua plataforma física, qualquer que seja, para todos os públicos, desde que eu — a empresa — tenha controle sobre o que eles — os usuários — fazem.
Mas isso não vai dar certo, em último caso, porque não irá satisfazer justamente o tal do usuário, responsável pela renda e negócio da empresa. Por que não? Primeiro, talvez devêssemos concordar com uma definição de convergência, à qual podemos chegar através de exemplos. O que é um telefone? No passado, era um equipamento com um dial, microfone e fone de ouvido, conectado por fios a uma central telefônica. Bem no passado, era analógico e vez por outra funcionava. Hoje, é uma aplicação, responsável pela transferência bidirecional de áudio entre dois pontos, à qual podem ser agregadas funcionalidades de tantos tipos que, em muitos casos, escondem o tal telefone.
Esta aplicação, tanto como emeio, transferência de arquivos, interação com páginas web, rádio e TV, é possibilitada porque um conjunto de serviços — protocolos específicos para suportar cada tipo de aplicação — construído sobre uma infra-estrutura (processadores, roteadores, cabos, redes sem fio, satélites) que, em última análise, realmente movimenta os bits que tornam possível nossas conversas. Então, por trás da convergência, está uma rede estruturada em camadas: infra-estrutura, lá embaixo, serviços essenciais sobre ela e, no topo, as aplicações que usamos e pelas quais queremos – eventualmente — pagar. Convergência digital é transformar em infra-estrutura, serviços e aplicações, usando padrões abertos e inter-operáveis, o que antes eram sistemas particulares, fechados, cada um de um operador diferente.
E onde entra a confusão digital? Na hora em que uma operadora de celular (Verizon, nos EUA) avisa que vai prover YouTube a seus usuários, ao invés de convergência, é confusão. Por quê? Se fosse convergência, como o celular é um dispositivo que deveria estar funcionando sobre uma rede aberta, a operadora nunca precisaria dizer que vai — ou não — oferecer uma aplicação na telinha do meu celular. O problema seria somente meu: YouTube é um site, tem um endereço, eu vou lá e vejo o que quero. Como nós fazemos com nossos browsers. A menos que o leitor esteja na China, Irã, Cuba e outros países que censuram a internet, a escolha do que ver é livre. A internet é, por definição, convergente. A rede das teles, ainda pensada como telefonia, não é.
As operadoras, de fato, controlam o padrão de experiência que seus usuários têm na rede, deixando-lhes, na prática, pouca escolha. Para que tivéssemos convergência digital real, lá, era preciso primeiro “abrir” as operadoras para a rede. Em outras palavras, seria preciso que elas se vissem como as provedoras de infra-estrutura que realmente são. Compare, por exemplo, com as empresas de eletricidade: nenhuma delas tem a coragem, hoje, de dizer o que nós podemos ligar ou não nas tomadas. Fazemos o que queremos. Num passado distante, até que tentaram. Mas não deu, como não vai dar, no longo prazo, para as empresas de telecom.
O mesmo acontece com as redes de TV a cabo: apesar de ter alguma escolha dos canais que posso assistir, não tenho (pelo menos aqui em Recife) nenhum canal de Angola ou Senegal. Por quê? O distribuidor controla os sinais (digitais) entram em sua rede… de tal forma que só posso escolher entre os canais que já pré-escolhidos. Haveria uma grande audiência para uma TV do Senegal no Brasil? Provavelmente não. Mas se o mundo fosse mesmo convergente — e não confuso como os operadores o tornam –, um pequeno número de espectadores, poucos milhares, tornariam lucrativo ver o Senegal, via IP, no Brasil.
Olhando para as atuais infra-estruturas e serviços (teles e outros) de entrega de aplicações (de telefone a TV e internet) em nossas casas e empresas, não só cada ator que fazer tudo, mas quer, também, controlar tudo e, especialmente o que, como e quando o usuário vê, ouve ou tem acesso. O mesmo pode acabar acontecendo com TV digital, dependendo do caminho que escolhermos: os “operadores” de TV digital, os canais, podem querem ter o mesmo grau de controle que, hoje, as teles e os operadores de cabo têm, ou gostariam de ter, sobre seus espectadores.
É bom lembrar, e saber, que os espectadores, clientes e usuários estão fugindo das infra-estruturas e serviços fechados para sistemas abertos, onde podem definir, escolher e usar o que querem e bem entendem. As experiências que os usuários querem ter os incluem não só como atores, mas, muitas vezes, como diretores e até como construtores de seus serviços. Foi assim que surgiram Skype, YouTube, blogs e as muitas redes sociais que, hoje, ameaçam a mídia clássica e as velhas redes de telecomunicações.
Pode ser que a confusão digital continue ainda por muito tempo. Mas ela não há de durar para sempre. Mais hora, menos hora, teremos um mundo convergente sobre a mesma plataforma de computação, comunicação e controle, estruturada em termos de infra-estrutura, serviços e aplicações que podem ser usadas como, quando e por quem queira, sem interferência de “programadores centrais”. Se as teles algum dia pensaram que poderiam ser redes de TVs e vice-versa, cada um e todos controlando os usuários de suas “convergências”, parece que não vai dar.
Se alguém vai programar o futuro do usuário-espectador, é ele mesmo. E cada operador vai achar, breve, seu novo lugar na convergência de negócios que será criada pela convergência tecnológica. Afinal, confusão não é um bom negócio para ninguém.