o futuro da música… na rede

diego assis, do G1, me mandou três perguntas por emeio, dia destes, para uma reportagem que estava fazendo [juntamente com lígia nogueira e amauri stamboroski] sobre o estado da “arte” dos negócios de conteúdo, em particular sobre um certo conjunto de posições de muitos artistas que, no passado, eram “a favor” da rede [leia-se: não estavam muito aí pras cópias de suas músicas circulando] e agora parecem ser “contra” [leia-se: estão se sentindo “prejudicados” pela web].

este blog tem falado sobre o assunto em muitas ocasiões [confira cenas da “mídia” brasileira; pirataria: chegou para ficar; pirataria: a guerra, os lados e os dados; conteúdos e meios: indústria de música vai muito bem e pirataria [digital] chega à literatura [de uma vez por todas], entre muitos outros posts].

e os artistas que reclamam do atual estado de coisas têm toda razão de reclamar, claro; mas sua arenga vai servir de muito pouco, porque não se trata mais nem de ordenar o “modelo mp3” de conteúdo. mp3 ficou velho, vai morrer de morte morrida e o que vamos ter, na rede [na minha opinião] é conteúdo como serviço. parte grátis, parte pago. e pra isso só está faltando infraestrutura: é só termos mais banda larga, mais barata, em muito mais lugares, e música, vídeo, literatura, imagens… e tudo vira serviço. questão de tempo. pouco, tomara.

abaixo, a entrevista que dei pra diego, por emeio, semana passada. se faltar contexto, aqui, pra entender a conversa, leia meus links acima e também o bom trabalho de diego, amauri e lígia lá no G1.

Diego Assis: Nas últimas semanas, duas importantes decisões foram tomadas em favor dos detentores de direitos autorais contra usuários que trocam arquivos protegidos pela internet – uma no Paraná, outra na França. Também recentemente, grandes hubs de p2p como PirateBay e Mininova foram atingidos pela justiça. Nesta briga de pelo menos 10 anos (desde o surgimento do Napster), qual é a importância dessas decisões?

Silvio Meira: as decisões são importantes porque representam uma espécie de "começo do fim" do embate entre o modelo de negócios de mídia que já passou [o das "gravadoras"] e o que está por vir, o de entretenimento como serviço. é curioso, em plena era da internet, que as pessoas ainda tenham que "baixar" arquivos. isso porque este é outro modelo falido. imagine comunicação verdadeiramente banda larga [pense dezenas de megabit/s no seu celular, centenas de megabit/s no fixo]… porque você iria querer "ter", possuir, arquivos? pra que?

o futuro do entretenimento digital pode vir a ser o de serviço, onde se assina uma programação tão ampla quanto se queira, que você decide qual é… e não algum tipo de programador central, que é do tempo das gravadoras… da TV aberta, do rádio FM.

até que este novo modo de entretenimento aconteça de verdade, viveremos, decerto, um embate entre um passado que morreu de velho e um presente que se torna obsoleto à medida em que a rede vai ficando realmente larga, universal, ubíqua.

DA: Não muito tempo atrás, uma fatia significativa dos artistas e músicos estava pregando o discurso da independência, não raro liberando faixas ou álbuns na íntegra para download em seus sites –alegando que a promoção possibilitada pela web era mais importante do que fazer dinheiro vendendo disquinhos de plástico. Agora, alguns desses mesmos artistas – como Lily Allen, que se tornou conhecida no mundo por ter liberado faixas (muitas sampleadas) graças ao MySpace, estão dizendo o contrário. Que é preciso frear a  pirataria na rede, caso contrário os músicos não sobreviverão. Como vê essa mudança de discurso?

SM: acho que sob a ótica da resposta anterior… um número muito grande de artistas se acha sacaneado pela quantidade de faixas suas que circula por aí, tecnicamente pirateada. no contexto atual, estes mesmos artistas têm uma certa dificuldade de entender que artista [médio] nunca ganhou dinheiro com disco, mas com performance. é assim desde que o mundo é mundo. se eu tivesse um monte de coisas minhas na rede, pirateadas e circulando aos montes, iria ter a certeza de que muito mais gente estaria disposta a comprar o ingresso de um show pra me ver cantando os hits da rede.

mas é claro que nem todo mundo pensa assim e ainda há quem pense em "vender" coletâneas [que a gente costumava chamar de "disco", ou "cd"…], onde eu, que comprava tais coisas nas décadas de 60 a 90, nunca vi uma que tivesse metade de suas músicas [por exemplo, no caso de um cd] que valesse a pena comprar. metade ou mais era enchimento de linguiça… porque havia um certo espaço a preencher. a bolacha tinha que sair inteira, os formatos eram padrão, tipo simples, duplo, long play, EP. hoje, não mais. o espaço, agora, é infinito. o problema é o tempo, e um seu correlato, a atenção.

com tanta oferta e tão pouco tempo e atenção, cada música, vídeo, qualquer coisa, corre o risco -e a vasta maioria é só isso- de ser um "flash in the pan"… um momento em que todo mundo se concentra naquilo, que fica irrelevante logo depois, porque a atenção simplesmente se volta para outro flash, e por aí vai.

aberta a caixa de pandora, não há como fechar. as viúvas das gravadoras, da escassez, têm que começar a construir o próximo modelo, um que depende de muita banda, muito barata, em todo canto, com serviços baseados em micropagamentos, para estarem disponíveis para muita gente, para que eles, os autores e intérpretes, sejam remunerados por sua participação percentual no fluxo de atenção.

até lá… vai ser uma longa e penosa batalha para se ganhar… nada, tentando enfiar a rede de volta na caixa, de onde na verdade ela nunca veio. muita tensão, sofrimento, lamentos… para nada. deveríamos gastar nosso tempo construindo, agora, os modelos de negócio para quando tivermos rede, de verdade.

DA: Posso estar engando, e ainda vamos falar com ele [veja a entrevista de fred 04 neste link], mas outro que parece ter mudado significativamente de discurso foi o Fred Zero Quatro. De entusiasta das possibilidades da rede livre ("Dogville" disponibilizada de graça no site; incentivo à criação dos "videoclipes genéricos" da banda), o cantor defendeu em entrevista à Folha semana passada que a "web tem desestruturado quase todas as cadeias", que se não fosse a Sony "o manguebeat teria se limitado a uma coisa de gueto" etc. Sente que está havendo uma mudança de postura aí também?

SM: sim, sim. é o mesmo efeito, em quase qualquer coisa e em todo lugar. claro que a web desestruturou as cadeias de valor. e é claro, também, que outras cadeias de valor vão se reestruturar pela e na web. mas a velha cadeia da sony, que editou, paginou e mundializou o manguebeat… ela não vai se repetir do mesmo jeito, de jeito nenhum. não tem como, porque a arquitetura e as estruturas de criação, produção, distribuição e consumo mudaram para sempre.

as lágrimas choradas por quem veio do passado -das gravadoras- e tem que viver este doloroso presente encherão rios, que correrão todos para o mar da história, com muito pouco efeito prático no presente e no futuro. nós, mesmo os mais inovadores entre nós, temos muita saudade de quando as coisas eram… como eram. no equilíbrio que nossa revolução criou, uma vez revolucionários, quase todos nós queremos manter a "nossa" revolução exatamente como a desenhamos, sem perceber que outros revolucionários estão, o tempo todo, assumindo o papel, no nosso tempo, que no passado foi nosso.

e isso não é uma teoria ou constatação para o agora. é a mais pura e simples história dos tempos, a história da criação humana, das invenções, da inovação, da revolução… de todas as revoluções. pode ser até que a gente não queira, mas o fato é que, a qualquer momento, está começando uma nova revolução, muitas das quais vão dar em nada, mas algumas delas vão mesmo mudar tudo, desestruturar tudo. e criar outras estruturas. como sempre, desde sempre. e ainda bem que este “novo” nunca é “para sempre”…

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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