nada como revelar uns poucos [face ao total, claro] segredos do poder e dos poderosos para que a resposta, feroz e precisa, venha atrás de quem, sabendo ou não das consequências, abriu o bico ou a caixa de pandora.
o blog disse [no último post] e repetiu [analisando o "cableGate" na CBN] que as sociedades e a diplomacia mundial, além da política local e da vida pessoal, estão baseados em –porque construídos sobre- assimetria de informação. isso quer dizer que nunca, em tempo algum, ninguém sabe [ou deveria saber] tudo sobre qualquer outro alguém que lhe interessa, sob pena da ruína relacional imediata. o que sempre leva a processos dolorosos, quando não impossíveis, de reconstrução das ligações perdidas ou interrompidas.
por isso que o cableGate causado pelo wikiLeaks tem impactos tão espalhados e profundos. claro que se sabe que os donos da arábia saudita gostariam muito de fazer sumir o irã atual; mas um diplomata americano dizendo que eles realmente dizem isso?… não tem preço. claro que se sabe que, mesmo aqui, pedaços inteiros do governo não se bicam; mas ler um telegrama do ex-embaixador americano clifford sobel dizendo isso com todas as letras tem outro peso. e um outro conjunto de medidas.
os exemplos são tantos que nem vale a pena citar. e são tão demolidores que a secretária de estado hillary clinton disse que a coisa toda é um golpe nas relações internacionais. se é, e o povo do wikiLeaks deveria saber e sabe que é, sim, desde que o material lhe veio às mãos, ninguém demoraria muito para ligar os pontos e descobrir que o atacado, se tão poderoso, se voltaria contra o atacante.
julian "wikiLeaks" assange está sendo procurado pela interpol, face a uma ordem de prisão emitida na suécia, que quer investigá-lo por estupro e tem gente bem situada no poder internacional [e não só nos EUA] que defende que ele deveria ser, simplesmente, executado. isso é parte [natural, nas circunstâncias] da guerra fria contra wikiLeaks. quer esteja envolvido ou não no incidente do qual é acusado, assange deve ter visto pelo menos uma [dúzia!] de filmes onde tal cenário [o poder, acuado, reage com força desmesurada contra o indivíduo, indefeso] onde se dá tal tipo de situação.
e isso é o de menos, porque o verdadeiro contra-ataque do império foi, na prática, forçar a amazon.AWS, a banda da amazon que provê serviços de informaticidade [veja nossa definição aqui], a não mais servir de plataforma de suporte ao wikiLeaks. aí é onde a coisa pega. veja só:
Sen. Joe Lieberman (I-CT), the chairman of the Senate Homeland Security Committee… said in a statement that Amazon’s "decision to cut off Wikileaks now is the right decision and should set the standard for other companies Wikileaks is using to distribute its illegally seized material."
Committee staff had seen news reports yesterday that Wikileaks was being hosted on Amazon’s servers… Staffers then… called Amazon to ask about it, and left questions with a press secretary including, "Are there plans to take the site down?"
Amazon called them back this morning to say they had kicked Wikileaks off… Amazon said the site had violated unspecified terms of use.
então: um senador americano, não por acaso o presidente do comitê de segurança nacional, perguntou à amazon se "havia planos pra detonar wikiLeaks", que havia saído de seu provedor, na suécia, por causa de ataques ao site. a amazon "cumpriu a ordem" [que deve ter vindo também de muitas outras fontes e causado um imenso debate interno…], anunciando que o site violava seus "termos de uso", que tentam evitar [a promoção de] atividades ilegais. que se saiba, wikiLeaks não está sendo processado por nada e muito menos foi condenado por qualquer coisa.
em debate está muito mais do que a simples suspensão do serviço de suporte a wikiLeaks. no passado, quando os jornais de papel faziam a cabeça do povo, governos de todos os tipos atacaram suas plataformas de redação, impressão e distribuição, restringindo o papel de impressão, invadindo redações, prendendo, espancando e matando jornalistas. basta passear pela história do última hora, de samuel wainer, pra entender parte do contexto.
o problema que nós precisamos tratar daqui pra frente é mais ou menos descrito assim:
se a liberdade de informar e o direito de ser informado são essenciais para a democracia e se tal liberdade e direito dependem, cada vez mais, de informaticidade [ou do provimento de sistemas e informação em rede], como garantir que as infraestruturas, serviços e aplicações que sustentam as fontes de informação de todos as vertentes de política e poder possam ser usadas, livres de pressão e censura, por todos e qualquer um, garantidos os preceitos da legislação vigente?…
forçar a saída de wikiLeaks da amazon não foi uma ação muito esperta, mesmo que não possa ser debitada diretamente ao governo americano. haverá outras formas de armazenar e distribuir o cableGate e, em última análise, a coisa toda pode parar no torrent, até porque a advocacia das grandes empresas, provável próximo alvo do wikiLeaks, não vai descansar enquanto o site estiver no ar.
aliás, se isso acontecer, estaremos vendo a reedição, na era das redes, dos samiztadt que mantiveram viva o que havia de oposição à ditadura soviética. vai ver que é aí mesmo onde vamos parar…