SILVIO MEIRA

o poder, a “mídia” e as redes sociais

Ao contrário da américa latina, onde boa parte dos governantes e dependentes imagina que a “grande mídia” representa a maior ameaça a suas ações e intenções de curto, médio e longo prazo, aí incluídos o máximo proveito do poder, agora, e sua eternização nele, se der, o primeiro ministro da turquia, recep tayyip erdoğan, no cargo há mais de 10 anos, sabe bem mais: segundo sua excelência, a maior ameaça à sociedade são as redes sociais. onde se lê sociedade, leia-se poder, do tipo de poder que deseja controlar toda a sociedade, até os mínimos detalhes das vidas das pessoas, na rua, em casa ou na fazenda.

erdoğan resolveu detonar um parque no centro de istanbul, na praça taksim, e parte da população, articulada pelas redes sociais, não gostou da ideia: milhares foram à rua, primeiro na capital e depois no resto do país. só em istanbul e ankara, foram 1700 feridos, com 1.750 presos em 67 cidades turcas.

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erdoğan liderou o crescimento e internacionalização da turquia e parece entender que o sucesso de gestão –e a maioria conservadora e silenciosa que o apoia- lhe dá o direito de passar por cima de tudo e todos para fazer o que quer e bem entende. a “grande mídia” turca mal noticiou os protestos país afora… pois já deve estar sob o controle estatal ou quase, o que alguns querem aqui e já é quase o caso na vizinha e falida argentina dos kirchner.

ocorre que, depois de calar a “mídia”, qualquer mídia, os incumbentes do poder se voltam para calar cada grupo dissidente, depois cada indivíduo, cada voz, até que se sepultam, mais cedo ou mais tarde, sob as loas do imbecil coletivo que se forma a seu redor, escondendo a lama com uma peneira. na argentina, oculta-se o índice de inflação desde 2007, e chegou-se ao ponto da cidade de buenos aires criar seu próprio índice inflacionário, que será “auditado pela sociedade civil”. tomara.

estamos vivendo um tempo de transição nos ecossistemas de informação. depois de mais de 500 anos hospedado pela plataforma de gutenberg, a “imprensa”, o ciclo de vida da informação começa a se hospedar na informática, uma mudança tão radical que muita gente –no poder e na “mídia”- não entendeu o que está para acontecer. erdoğan já sacou: talvez tenha aprendido com ahmadinejad e outros menos votados, ou se lembre do egito e de como tahir square deu no que deu. o fato é que o primeiro ministro parece saber muito bem onde está o perigo: o povo, senão unido, mas uma parte dele, os dissidentes, articulados em redes sociais. um perigo danado para quem quer calar a tudo e a todos e fingir que, porque eleito, é supremo. maioria não implica em tirania. a maioria [democrática, claro] tem por obrigação o respeito ao indivíduo e seus direitos e a proteção das minorias. caso contrário, é uma ditadura, que é exatamente do que se acusa o atual premiê turco.

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pra nós, que estamos tão longe de taksim meydanı, tais preocupações parecem literalmente remotas. mas não são: em tempos de crises, recessões e mudanças de grande porte como estão sendo os nossos, sempre há quem ache mais prático fazer tudo sozinho, sem ouvir ou respeitar quem quer que seja, inclusive você que agora está ao lado de quem reclama da [grande] mídia e/ou das redes sociais.

e, nas democracias, governar não é para os fracos, pois há oposição, que está onde está [pelo menos em tese] para defender os pontos de vista de quem não ganhou a eleição mas vive no mesmo ambiente de quem venceu e, em algum futuro, estará no poder. mesmo que nunca esteja, a garantia do respeito mútuo entre situação e oposição é essencial para o futuro de qualquer democracia. e oposição e situação deveriam entender que existem por causa do povo, cuja [re]articulação em redes sociais porá fim não só a mandatos mas a –por exemplo- boa parte da democracia representativa. afinal de contas, quando todos estiverem conectados e as decisões puderem ser online, em tempo real, pra querepresentantes” do povo?

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democracia representativa é o sistema ideal? em considerations on representative government, “o” livro sobre o assunto, john stuart mill não diz que democracia representativa é melhor que direta, mas que esta é impossível. ou era, em 1861. de lá pra cá, muita coisa mudou. nos últimos 20 anos, os anos da web, qualquer um passou a poder escrever e publicar, a custo de sua energia, um jornal. e de alcance imediato e global, como nunca seria possível na plataforma de gutenberg. é isso o que faz yoani sánchez, pedra no sapato da ditadura cubana e, como vimos aqui, de muita gente no brasil. sem a web, como haveria uma yoani, em cuba ou onde fosse?…

mas a web 2.0, dos blogs, fotos e vídeos, onde qualquer um pode publicar e todos que estão em rede podem ler, de qualquer lugar, era só o começo do que iria rolar quando a rede de servidores e sistemas de informação se transformou, usando as conexões, relacionamentos e interações de redes sociais como faceBook, twitter e outros, numa rede de pessoas. twitter, pra falar de um só, sincroniza o mundo. se não estiver rolando no twitter, é  porque não deve estar acontecendo em lugar nenhum [veja um exemplo aqui].

as pessoas, em rede, com a informática em suas mãos, o tempo todo, em qualquer lugar, são tudo o que governos autoritários não queriam: sabem de quase tudo que lhes interessa na hora que acontece, conectam-se com todos os outros que têm e querem dizer ou fazer algo sobre o assunto e podem, a qualquer momento, criar um movimento em qualquer lugar. pense num problema, não só na turquia mas em qualquer lugar onde alguns começam a entender para onde estão sendo levados e espalham tal rastilho para cada vez mais gente, usando arranjos impensáveis no tempo de john stuart mill ou em qualquer época recente onde o povo reagiu, na rua, aos mandantes de então.

as redes, em si, não mudam nada: o barulho social dificilmente mudará governos, pelo menos enquanto houver uma representação mediando a democracia. para mudar um estado de coisas, hoje, a articulação em rede tem que ir pra rua, pois as redes são apenas plataformas de conexão para relacionamento e interação. as estruturas de poder estão no mundo real e é nele que as pessoas precisam agir. e pouco adianta, por outro lado, “desligar a rede”, como o egito chegou a tentar: tudo depende da internet, hoje, do próprio governo às bolsas e quase tudo que há em uma sociedade minimamente funcional. desligar a rede é parar o país, e quase não é mais possível em nações estruturadas, ditatoriais ou não.

pra terminar, uma imagem do poder encurralado: a polícia turca e manifestantes acuados e desarmados que, ainda assim, são pulverizados com spray. exemplo de um governo cercado, talvez, por uns poucos civis articulados em redes sociais?

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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