O Risco dos Manifestos

Um manifesto é sempre algo [muito] arriscado.

Porque um manifesto expressa uma insatisfação com a realidade estabelecida, imediata, ao nosso redor.

Um manifesto  não é uma negação da realidade, pois ela está lá, aqui; um manifesto é uma proposição de outra realidade.

Toda vez que de um manifesto, com o tempo, nasce um método ou um conjunto de mínimo de manifestações que podem ser realizadas na prática, as pessoas que não acreditam no futuro [anunciado pelo manifesto] atravessam uma espécie de luto.

A primeira fase é o choque, porque o manifesto anuncia um fim, o fim do passado, consolidado entre lá e cá e, agora, ruindo no presente. Depois vem o estágio da negação, da perda do conforto acomodado do passado no presente e da rejeição do futuro anunciado, porque não deveria ser possível “acabar” com o presente… ao que se segue a ira, dirigida quase sempre ao manifesto em si, às vezes [também quase sempre] aos seus autores, “culpados” pelo [ou por anunciar o…] óbito incontornável do presente.

Mas o presente, que era um passado continuado, não resiste mais aos fatos representados nos dados que demonstram sua inapropriedade, e o luto paulatinamente se transforma em depressão, por não se conseguir, ao mesmo tempo, manter o presente e  controlar o futuro, como se fosse possível assumir o controle do espaço-tempo. Não é.

Mas há esperança, e o mundo, o espaço-tempo, evolui: a quinta fase é a de integração, de abandonar o passado e assumir a inevitabilidade do futuro e a sexta, finalmente, a de transformação. É quando se descobre que é preciso participar de um novo mundo, reinterpretar as próprias bases, refundar os entendimentos de mundo, reescrever a própria história, sem esquecer que o passado nos trouxe até o presente, mas que, ao fim e ao cabo, acabou aqui e agora.

O mundo muda, sempre. Mas sempre parece haver mais quem perde a mudança do que quem aproveita a janela de oportunidade. Quando carruagens estavam sendo substituídas por motocicletas e automóveis na transição entre os séculos XIX e XX , as empresas que fabricavam carruagens, carroças e selas não conseguiram se transportar para o mercado de carros. Muitas, quase todas, não quiseram, não acreditavam que aquelas coisas barulhentas, sujas e inseguras iriam substituir os lentos, confortáveis e familiares landaus dos anos 1750.

Mas o mundo não ficou como era só porque elas queriam. O futuro vem do futuro. E ele tem um endereço e uma ação. O endereço do futuro é o presente. O que ele vai fazer é destruir o presente. O presente que estamos vivendo é resultado da destruição criativa de presentes que estavam aqui. Do contrário, até hoje estaríamos colhendo e caçando, nus, em alguma floresta em algum lugar.

O risco dos manifestos, talvez o único e maior risco, é quando eles acertam o alvo e os futuros que anunciam substitui, no presente, os passados que denunciam. Em tempos de transição, como os atuais, sempre há um grande número de manifestos, e um [bom] número deles vai, sem dúvida, acertar o alvo.

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