Nos processos de inovação e empreendedorismo há quatro palavras que ocorrem com muita frequência: perguntas, problemas, respostas e soluções. as primeiras e as últimas são usadas de forma intercambiável, o que dá a falsa ideia de que quem tem a resposta a uma pergunta tem a solução para um problema. e isso não chega perto da realidade, o que dá a falsa, logo antes de ideia, acima, um sentido muito especial. é sobre estas quatro palavras que vai girar a nossa conversa de hoje.
pra começar, perguntas e respostas estão no mesmo universo [por assim dizer]. se você faz uma pergunta [a alguém] ela pode ou não ter uma resposta, no sentido em que a pergunta pode ou não –em teoria- ser passível de ser respondida. quando se dá uma resposta a uma pergunta para a qual há respostas possíveis, ela pode estar certa ou errada. um exemplo? qual é o valor que corresponde a 132*879? se você respondeu 116.028, acertou. se a pergunta é multiplicação de inteiros, sempre há uma resposta, dependente de um método que, executado à risca, resulta em valor indiscutível, tanto quanto 2*2=4.
perguntas e respostas são abstrações. uma e outra abstraem conceitos muito mais complexos; são parte do virtual e representam, lá, problemas e soluções.
antes de tentar estabelecer alguma relação entre as palavras-chave acima, é bom dizer que o real [como universo de preocupações] não é oposto ao virtual, como vez por outra se ouve; o real engloba o concreto e o virtual. o primeiro é o mundo imediato, talvez físico, ao nosso redor; o segundo são as abstrações dele, muitas vezes representadas digitalmente, na internet. para bem estabelecer os conceitos, pense que você sempre esteve em rede social; mesmo antes da web e faceBook, a sua família era uma rede social –offline; equipare este offline ao concreto [claro, redes sociais são, todas, virtuais, mas viaje comigo, por enquanto…] e, aí, todas as redes sociais “online” se tornam abstratas, inclusive o “grupo” da sua família no FB ou what’s app. notou a diferença? sua família é concreta, quando comparada à sua família em rede social [online]. não sacou? volte, leia d-e-v-a-g-a-r, compare com o que acontece na sua família [de verdade, carne, osso e conversas face a face] e o que rola na “rede social online da sua família”.
passou pelo parágrafo anterior? agora, leia a definição do que é um problema e sua solução.
um problema pode ser tratado como uma situação em que é necessário [mas não suficiente] intervir para atingir um [novo e desejado] equilíbrio. se essa é a definição de problema, uma solução é a tal intervenção necessária. resolver um problema significa intervir no seu espaço e construir, a partir de uma situação que existe, no momento da intervenção, a que se quer que exista depois. perguntas têm respostas [se há], certas ou erradas. problemas, não: possíveis soluções para um problema qualquer são apenas mais ou menos apropriadas. a dualidade entre certo e errado não se aplica, não cabe para o par problema-solução.
[NB: há muitas definições para problemas e soluções; mas como a discussão, aqui, é sobre inovação e empreendedorismo, as que nos interessam estão associadas a tal cenário; daí a definição acima].
agora… como é que problemas viram perguntas? simples de dizer, difícil de fazer. o método [sempre do ponto de vista de inovação e empreendedorismo] é abstrair as características de um problema [uma situação, em um contexto] e transformar tais características em perguntas, tal qual preparar uma prova pra descobrir como alguém vai resolver aquele problema. pra que tal mágica aconteça, os agentes que estão no cenário do problema devem ter um objetivo… um propósito, que não deve ser, simplesmente, resolver o problema. fosse isso, nos transformaríamos em máquinas genéricas de resolver problemas… a maioria dos quais, certamente, sem qualquer demanda por uma solução, ou seja, completamente irrelevantes.
um propósito [a razão, motivo para fazer algo], um objetivo [em tese, o resultado de fazer o que tem que ser feito] agenda um problema para quem precisa ou deve resolvê-lo, agregando relevância e quase certamente impondo um prazo. é quase como se o problema passasse a existir depois de agendado. é aí que a gente volta pra multiplicação que vimos lá atrás, pra entender mesmo como é que problemas são transmogrified em perguntas e respostas… e daí pra soluções.
imagine que o problema relacionado à multiplicação do começo do texto poderia ser transformado na pergunta… se um carregador pode transportar o equivalente a 132 laranjas por vez, quantas viagens serão necessárias para mover 116.028? caso você tenha feito as contas direitinho e respondido 879 viagens, sua nota é 10. qualquer garoto do ensino fundamental deveria saber disso [e olha que este ainda não é o caso no brasil!]. mas, ao responder 879, estamos nos mantendo nos limites da pergunta, respondendo exatamente o que foi exigido [e passando de ano ou no vestibular, ou defendendo um mestrado ou doutorado…]. a pergunta, já se disse, abstrai o [um, ou abstrai parcialmente, quase sempre] problema. e se… a pergunta fosse …qual é a maneira mais rápida de transportar 116.028 laranjas entre dois pontos? a pergunta em vermelho e azul, acima, é uma das infinitas perguntas que se pode fazer sobre o problema, abstraindo-o. e pode ser que a pergunta em roxo e azul, logo acima, seja uma das que melhor representaria [abstrairia] o problema.
se esta [última] é a pergunta… cabem outras como resposta, não? tipo quem posso chamar pra ajudar? será que haveria capital para comprar carrinhos de mão? se sim, quantos? e quantas vezes [por dia, semana, mês] tal trabalho seria realizado e que parte dele eu poderia fazer, com uma probabilidade maior do que x%?…
o processo de abstração do problema em termos de perguntas gera mais perguntas que, por sua vez [e se o ambiente de resolução do problema permitir] redefinem o problema. no caso das laranjas, perguntar …por que 120 mil laranjas estão vindo pra cá [de caminhão?] só pra ir pra lá [na mão?]… se poderiam ir pra lá, de uma vez?… pode muito bem transformar o problema de transporte daqui pra lá [seja o que os dois forem] no desenvolvimento [e não construção!…] de um processo de distribuição lá, ou a partir de lá… ou bem mais perto de lá do que daqui.
recapitulando: problemas são abstraídos por perguntas. se quem ouve e tem que responder as perguntas pode fazer perguntas sobre as perguntas originais [e, por conseguinte, sobre o problema] é bem capaz que o problema seja redefinido e, na melhor das hipóteses [acontece, acredite!] deixe de existir. boa parte do processo de inovação ocorre aí, nas interações entre quem tem o problema e fez a primeira pergunta sobre ele, e quem tem que responder [e liberdade para perguntar mais, talvez demais].
este seria o mundo ideal: quem tem problemas sabe fazer perguntas sobre o que os aflige e quem ouve tem liberdade e sabe fazer mais perguntas ao redor. na prática, na maioria dos casos, a pergunta vem quadrada e sem relação, às vezes por menor que seja, com o problema que tem que ser resolvido. o resultado é um universo de perguntas e respostas paralelo ao de problemas e soluções.
exemplo? como perguntar, perguntar, perguntar… sobre qualquer problema, dá trabalho, precisa de envolvimento e gasta um tempo precioso, que é investido no relacionamento e contexto para entender um problema concreto… há acadêmicos que inventam problemas a partir de perguntas para as quais já têm –na maioria dos casos- uma ou mais respostas. consequência? uma baixa correlação entre as respostas encontradas em certas pesquisas acadêmicas com soluções demandadas por problemas reais, especialmente no campo da tecnologia… porque tecnologia é parte da solução de problemas intensivos em tecnologia, e não solução. soluções, no mundo real, dependem de alguém empreender respostas… e não da resposta em si ou de suas propriedades intrínsecas, como a história da inovação demonstra, há séculos.
se problemas e soluções estão num universo paralelo ao de perguntas e respostas, o que é que a engenhosidade humana aprontou para conectar estes espaços? bem mais de uma coisa, como não é difícil de imaginar. boa parte do que dá certo, do ponto de vista de soluções para nossos problemas, depende de algo parecido com o diagrama abaixo…
…onde problemas são abstraídos em termos de perguntas [muitas], que levam a respostas [outras tantas…] que podem ser concretizadas em soluções… que por sua vez resolvem os problemas de onde partimos, lá no começo da conversa.
imaginando que o que interessa, do ponto de vista prático, é resolver problemas, é possível partir de qualquer ponto do diagrama e… resolver problemas. dada uma resposta [42?], que soluções, a partir daí, resolvem que problemas? isso dá uma ideia, também, de que começar a partir de outro ponto que não seja o problema a resolver aumenta, e muito, o grau de dificuldade do diagrama acima fazer sentido [econômico, prático] e, efetivamente, de que algum problema seja resolvido.
dito isto… e pra terminar, como é que problemas são resolvidos?… bem, dado um ou mais problemas agendados… criatividade é o que vai nos ajudar a transformar problemas em perguntas… que vão ter respostas mediadas por educação [o caso simples, que nunca o é…], por tecnologia [quando se sabe o que fazer, mas falta o como] e, por fim, ciência, quando nem se sabe o que fazer. simples demais pra ser verdade? decerto. trata-se de uma abstração de um processo complexo, que ainda por cima é iterativo [feito muitas vezes] , interativo [entre muitos agentes] e quase sempre aproximado [porque o mundo está em modo beta, tá ligado?]…
isso feito, você só chegou nas respostas, se tanto; delas para a solução, o problema é de inovação, ou da mudança do comportamento de agentes, no mercado, como fornecedores e/ou consumidores [de qualquer coisa]. há uma distância [infinita?] entre uma resposta e uma solução, se não houver um processo de inovação para transformar o primeiro no segundo. se isso ocorrer, estamos quase lá, porque, aí, é “só” empreender a solução como negócio, no mercado [ou como mudança, num negócio corrente]… pra resolver o problema lá do começo da história, desatando, de quebra, o nó que amarrava problemas, soluções, perguntas e respostas… tudo junto, que é o que tenta mostrar o diagrama abaixo.
claro que há um grande número de conceitos, interações, contextos [e mais!] não mencionados aqui; de liderança a estratégia, de posicionamento a análises de todo tipo, mercado e riscos inclusive. mas leve em conta que este é um post, num blog, e não uma tese sobre o assunto. e pense nas implicações do que você acaba de ler.
será que, no seu negócio ou startup, você está respondendo perguntas ao invés de resolver problemas?… se a resposta for sim ou talvez, corra, mude, vá atrás. não sei de muitos casos onde o mercado, senhor de suas receitas, costuma perdoar tal tipo de confusão…