O texto abaixo foi encomendado pela Folha de São Paulo e publicado no sábado de Zé Pereira de 2015,
com a edição e limites de espaço do jornal, com o título
Leva uma vida para entender (e brincar) o Carnaval pernambucano.
Esta é a versão original, anotada e com links para alguns dos Blocos, Maestros e Orquestras citados e com fotos no Carnaval do (como frisam os Mestres Nelson Cunha e José Paulo Cavalcanti Filho) Recife e Olinda.
EVOÉ!…
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“Não deixem não, que o bloco campeão/ guarde no peito a dor de não cantar/ Um bloco a mais é um sonho que se faz/ dos pastoris da vida singular…” diz Getúlio Cavalcanti, cantado pelo Bloco da Saudade, em Último Regresso, frevo-de-bloco quase epitáfio para um carnaval lírico que ia acabar e não acabou jamais. Até porque o Bloco, fundado para lembrar um carnaval passado, foi um dos catalisadores da renovação do carnaval de rua do Recife e Olinda, dos anos 90 pra cá. Pra quem não é daqui, é quase inimaginável uma orquestra de pau e cordas (violinos, clarinetes, violões e bombardinos…) e um coro, fantasiado, nas ruas, cantando de cor, um “frevo” como Recife Manhã de Sol, de J. Michilles (ouça a versão com Maria Betânia aqui). Mas o Regresso e a Manhã, atrás do Saudade, são só pequena parte da folia.
Imagine o Siri na Lata na quinta pré-carnaval (porque carnaval aqui começa em janeiro, seja lá quando for o carnaval) com uma orquestra, do Maestro Oséas, com quatro tubas que solam Vassourinhas, mais trompetes, trombones (tantos, nem contei; dez?) saxofones, uma requinta (sabe lá o que é isso?) e uma percussão assustadora, puxando o frevo Envenenado. Seguido por Gostosão, Freio a Óleo, Pilão Deitado e Três da Tarde. Procure no YouTube (ou SoundCloud) e você vai ouvir que o carnaval de Recife não se toca com bandas, mas orquestras, na rua, com o mundo frevando ao redor, aperto e calor danados, e todos se achando regentes. Pense na confusão para os maestros, Oséas, Mendes, Lessa, todos. E olhe que não estamos falando das orquestras “de palco”, como Spok e Forró, que estão em outra categoria instrumental, onde cada músico é um maestro.
Mas nosso Carnaval não é “só” frevo, por mais frevos, clubes e passistas que haja. Afoxés, Caboclinhos, Cocos, Ursos, Bois, Troças, Bonecos, Escolas de Samba (sim!)… e os Maracatus, de baque solto (dos caboclos-de-lança) e virado (dos cortejos reais). Maracatus são coisas daqui, que só havia aqui até dia destes. Quase acabaram, também. Foram salvos pela combinação do armorial (de Ariano Suassuna) e mangue (de Chico Science), que reviveram a tradição dos batuques. Hoje, tem tanta gente nas caixas, alfaias, gonguês e agbês que os corações, em Momo, marcam passo pelas viradas das Nações do Carnaval.
E isso é só Recife e Olinda. Bezerros tem Papangus, Pesqueira Caiporas, Triunfo Caretas… Pernambuco tem uma diversidade cultural de carnaval única. Que leva uma vida inteira pra entender. Ou brincar. No Eu Acho é Pouco, que é onde eu estou brincando enquanto você está lendo este texto… Evoé!