quem disse que a revolução não ia passar na TV enganou-se pelo menos um pouco, ontem. de mais de uma forma, as imagens [pra mim, na web] da tomada de trípoli pelas forças populares foram momentos únicos.
passei horas trabalhando num laptop e vendo a alJazeera noutro. direto de tarābulus, binġāzī e mişrātah, a transmissão ao vivo da emissora árabe fez, em si mesma, história. e direto da confusão: repórteres no meio da multidão, parte dela armada, senhoras comemorando a tomada da capital a disparar AK-47 dos terraços… difícil acreditar que não morreu gente por acaso, feliz com o fim de mais uma ditadura árabe.
as patéticas mensagens do ditador, transmitidas pela TV estatal que ele, de alguma forma, ainda controlava, eram o contraponto à festa na rua. contra multidões na praça dos mártires, a máquina de propaganda governamental mostrava uns poucos gatos pingados agitando uma bandeira que não era mais a da líbia, pois que o povo tinha restaurado a antiga, que era de todos antes do ditador ter decretado a sua.
qual foi o papel da internet e das redes sociais na tomada da líbia pelas forças populares? difícil dizer agora, pelo menos com certeza. mas o fato é que o governo de lá desligou a rede entre o fim de fevereiro e começo de março, e só ontem o mundo começou a "ver" o país de novo em seus roteadores, e de forma esporádica.
isso dá uma ideia do que move –verdadeiramente- o mundo. nas outras viradas árabes, a rede não desapareceu completamente ou, quando sumiu, foi por pouco tempo. o papel das redes sociais na articulação das pessoas, comunidades, resistência… foi enorme. mas, ao fim e ao cabo, não foi no mundo virtual que os "mubaraks" caíram, foi nas ruas, pela pressão ou, quando não foi possível, pela força popular.
o que nos leva ao brasil e dois marcos da nossa história: o fim da ditadura mais recente e as eleições diretas e o "fora collor". nos dois casos, ainda não havia a conectividade e a capacidade de mobilização da internet e do espaço social. o que mudou o rumo da história e das nossas vidas foi gente nas ruas, a pressão popular e insustentável, na época tanto provocada como ecoada pela grande mídia.
hoje, nas nossas redes sociais, vemos movimentos tênues "contra a corrupção", pela moralidade, como se um "trending topic" mundial feito no brasil fosse mudar o mundo. pelo menos o nosso. como se um país, uma sociedade inteira, fosse um produto. do ponto de vista social, amplo, não é um "pônei maldito" que vai nos redimir, resolver os grandes imbroglios nacionais, da nossa incompetência histórica para tratar os problemas essenciais [como a educação, fonte de quase todos eles] à nossa indisposição para mudança: queremos que tudo mude, desde que a mudança não nos afete pessoal e diretamente.
na líbia, a partir de hoje e dos próximos muitos meses, muita coisa vai mudar. uma grande rede humana e institucional vai determinar novos e emergentes comportamentos, criando novos arranjos nacionais que vão afetar a vida de quase todos, ao ponto de piorar [talvez muito] a vida de muitos que lutaram pela mudança. e que talvez, em alguns meses, estejam desiludidos, arrependidos e se tornem contra o novo tempo, saudosos de um passado que era ruim mas, de certa forma, melhor que um certo presente objetivo, prático, real, do seu dia a dia.
assim caminha a humanidade. no egito, líbia e outras geografias, ditaduras sanguinárias ficaram no poder por décadas a fio, suprimindo opinião e toda oposição, até que, com ou sem internet e rede social, não deu mais pra segurar. e tudo começou a mudar, em alguns lugares até para não mudar muito, talvez. no resto do mundo, para todas as outras mudanças, não será diferente.
se as pessoas físicas, no mundo concreto, não se movimentarem de verdade, a história recente mostra que não acontece… nada. mesmo que seja muito interessante e animado participar dos movimentos sociais virtuais, são os concretos, nas ruas, nas urnas e, quando elas não estão disponíveis, na força, que mudam o mundo.