a amazon não descansa. há muito. a máquina de inovar de jeff bezos acaba de atacar o mercado editorial, de novo. e não foi com os novos modelos de tablets, pois hardware, hoje, é nada mais que meio. só a apple que não sabe. a novidade que vem da amazon são “séries”. como assim?
serializar livros é coisa antiga; bezos quer que autores e leitores reaprendam o estilo, como era prática nos tempos de dickens, tolstoy e dostoyevsky. talvez para capturar leitores, porque em quase todo mundo boa parte da população para de ler depois de sair da escola. nos EUA, 42% dos diplomados pelas universidades jamais lerão um livro depois da formatura e 70% dos adultos não entrou em uma única livraria nos últimos 5 anos. aqui pode ser bem pior, pois cerca de 3/4 das cidades não têm livrarias e aí, pra boa parte da população, não dá pra ir mesmo.
como a dinâmica da amazon é tentar, errar e aprender, rápido, a ideia das séries, no lançamento, era que cada capítulo tivesse umas dez mil palavras. teve gente que odiou. até porque, segundo os críticos, um livro de dez capítulos, ou cem mil palavras, seria vendido por míseros US$1.99. calcule o preço por palavra. mas… será que a conta deveria ser esta? quantos livros atingem o status de best seller, que vendem mesmo, em qualquer país?
pra começar, mais de 75% dos livros são publicados pelo autor ou por editoras independentes [nos EUA; aqui, como sempre, não se sabe; este link talvez seja uma pista]; na inglaterra, o retorno médio de um livro independente é perto de R$2.000. não se trata, pois, de um grande negócio. mas imagine que uma série de dez capítulos crie uma comunidade [sim, livros estão passando a ser conteúdo, aumentado, conectado, compartilhado, em rede] de 10.000 pessoas. se você “programar” o sistema, seus royalties podem ser de 70% mesmo para preços muito baixos [apesar de não estar claro como fazer isso para séries].
o resultado seria, para 10.000 séries vendidas a US$1.99, perto de 28 mil reais para o autor. quatorze vezes mais do que a renda de um livro independente na inglaterra. até que não parece tão ruim assim. e isso é o que diz a propaganda dos reis das séries: segundo eles, estão ficando ricos com “livros que parecem TV”. e olha que eles já escreviam “séries” antes da amazon escrever o software que está possibilitando as séries digitais com pagamento único e download automático de material novo.
a máquina de inovar da amazon desaprende e muda, rápido. dois dias depois do lançamento, a regra de palavras por episódio das séries mudou e, pra começar uma série, você tem que submeter… a minimum of two episodes in a Word or text document. We want each episode to be a length that provides a satisfactory read. nada de número de palavras, mas “tamanho que leve a uma leitura satisfatória”. só que os críticos estão fora, ainda assim. e note que o relacionamento para botar qualquer coisa na rua é sempre entre autor e amazon: ela assume o papel de editor, livraria, biblioteca… e ocupa todas as posições da cadeia de valor da literatura, a menos, claro, do assento do autor.
dickens, tolstoy e dostoyevsky não tinha o benefício da internet, redes sociais, de grandes volumes de dados em tempo real sobre suas obras e a relação dos leitores com elas e, muito menos, a capacidade analítica que está se desenvolvendo ao redor do tal conteúdo aumentado, conectado, compartilhado, em rede. o kindle mudou a forma da gente ler. dia destes comprei um livro do meio de um canavial. livrarias pra que? bastou um pouco [e não era muita, mesmo] de cobertura 3G. e não foi só comprar, o livro “chegou” e saí lendo, enquanto alguém dirigia, até meu destino. as séries podem mudar a forma de se escrever, em tempo real, em rede social.
é bom lembrar que as séries digitais são apenas uma das experiências [de formato, processo…] entre tantas que vamos tentar [lembre-se, pra errar e aprender…] nos próximos muitos anos. podem não ser o formato pra escrever livros “de verdade”, por causa do jeito de novela de TV, de episódios [quase] semanais, tendo que manter um ritmo que desagradará muitos candidatos a autor e, certamente, aos já estabelecidos. mas séries digitais já são parte do processo que vai definir o futuro da literatura. experimentalmente, que seja. e só para certos estilos, talvez.
ao contrário do que se poderia pensar, o fecho do parêntesis de gutenberg não é um sinal do fim da literatura, do segredo e arte de contar histórias, de relatar fatos e acontecimentos, de imaginar mundos. como o blog discutiu, logo depois da FLIP…
…o parêntesis de gutenberg, que tem fundações, funcionalidades e formatos simples e universais, é meio de representação de todas as culturas, e precisa de algo muito mais elaborado [e ao mesmo tempo, simples e universal] para substituí-lo. o livro digital é –em suas atuais proposições e formatos- apenas parte do caminho que leva ao inevitável fim do “livro impresso”. o “fim do livro” ainda leva algum tempo, mas já é, só, uma questão de tempo.
pra entender a conversa, vá ler a íntegra, aqui mesmo no blog. e recomende para seus amigos escritores. o fim do livro de papel não é o fim do escritor, mas, talvez, da escrita e leitura linear e isolada. e talvez todos nós, leitores e escritores, tenhamos que desaprender, aprender e reaprender muito, agora, sobre o “livro”.