cientistas de quinze instituições em sete países europeus estão trabalhando para criar o que chamam de “cérebro num chip”, uma máquina –a longo prazo- capaz de reproduzir o funcionamento de um cérebro humano a partir de suas características primárias.
não se trata de um desafio menor. um cérebro humano adulto contém cerca de 100 bilhões de neurônios, que podem ser tratados como unidades fundamentais de armazenamento e processamento de informação. e o número de conexões [as sinapses] entre os neurônios é gigantesco: estima-se que um cérebro humano adulto tenha entre 100 e 500 trilhões delas.
se formos comparar, o supercomputador mais rápido do mundo, o IBM roadrunner, tem “apenas” 129.600 processadores, interligados por míseras 10.000 conexões, intermediadas por quase cem quilômetros de fibra ótica. a máquina, usada pelo governo americano, é capaz de realizar mais de um quatrilhão de operações de cálculo por segundo. se a população da terra, munida de calculadoras, fizesse um cálculo por segundo por pessoa, levaríamos [em conjunto] 46 anos pra fazer as contas que roadrunner faz num único dia.
isso quer dizer que roadrunner é muito rápido pra calcular e que nós somos muito lentos neste particular. mas nosso cérebro é capaz de feitos muito mais radicais do que qualquer computador atual. que tal ouvir música, falar ao telefone, ver e ouvir TV, andar e comer, tudo ao mesmo tempo, sem deixar de admirar a lua na janela… estima-se que aqueles 100 bilhões de neurônios de que falamos sejam, em conjunto, 10.000 vezes mais rápidos do que um roadrunner.
acontece que a capacidade dos supercomputadores vem aumentando a taxas superiores a 1.000 vezes por década, e dá pra prever que o primeiro supercomputador capaz de realizar uma simulação completa de um cérebro humano em tempo real [cada segundo de simulação corresponde a um segundo de realidade] estará por aqui em 2018. se você quiser comprar um, prepare-se pra desembolsar de cem a duzentos milhões de dólares.
a rota que uma rede de cientistas europeus está trilhando é outra: o projeto [FACETS, Fast Analog Computing with Emergent Transient States] almeja construir um cérebro, literalmente, “eletrônico”. a primeira versão, que já está pronta e funcionando, é mero brinquedo: são apenas 300 neurônios e parcas 500.000 sinapses em um único chip. apesar de bastante limitado, os componentes eletrônicos envolvidos são 100.000 vezes mais rápidos do que seus equivalentes biológicos no cérebro. isso torna possível, em tese, simular um dia inteiro em um segundo.
a próxima fase do projeto FACETS tem por objetivo usar um wafer [disco onde são construídos os circuitos integrados] de 20cm de diâmetro para implementar 200.000 neurônios e 50 milhões de sinapses, reunindo todas as recentes descobertas da neurociência em um único pacote. espera-se que os computadores “neurais” estejam no mercado dentro de meia década, mas nem pense –ainda- em trocar seu cérebro por um deles.
o primeiro uso de tal capacidade de processamento talvez seja como co-processador em computadores pessoais, para auxiliar humanos em tarefas outras que não cálculo matemático puro e simples. se o problema é calcular, máquinas como roadrunner podem até continuar imbatíveis. mas nem tudo na vida é cálculo. computadores neurais –ou, quem sabe, “cérebros eletrônicos”- serão usados para entender e participar –conosco- de situações complexas, como perguntar, entender e explicar [conceitos, lugares,…], participar de conversações, auxiliar na tomada de decisões nos negócios… tentar controlar nossos medos, afinal, fazer o que nossos próprios cérebros fazem. incluindo, claro, escrever e comentar blogs!…
o esforço do projeto FACETS não é único e pouco menos a única forma de tentar resolver o problema de simulação completa de um cérebro humano. para saber como os suícos da EPFL estão tratando o assunto no projeto blue brain, usando um parente distante e bem menos capaz do roadrunner, clique aqui.
para ver como o problema maior, entender o cérebro humano e construir equivalentes artificiais, é importante e relevante, vá ver um post deste blog, de outubro do ano passado, onde se reporta que a darpa, agência americana de projetos de defesa, resolveu colocar, como primeiro da sua lista de 23 problemas mais importantes do século… desenvolver uma teoria matemática que leve à construção de um modelo do cérebro [humano] que seja matematicamente consistente e preditivo, ao invés de meramente inspirado em biologia…
para saber mais sobre o cérebro, veja o post deste link, neste blog, onde se concluia que…
nosso conhecimento sobre a parte do corpo que realmente nos move ainda é extremamente primário; nas próximas décadas, saberemos muito mais sobre como o cérebro, de fato, funciona. e teremos uma capacidade muito maior e mais precisa para resolver seus problemas, quando ocorrerem. e talvez para construir artefatos que se comportem como se tivessem, digamos, um "cérebro" como o nosso.
alguns sistemas nem tão primários já estão sendo testados em laboratório [veja aqui e aqui] e os resultados são muito interessantes. o objetivo último deste tipo de esforço é construir um sistema artificial consciente, o que gerald edelman considera que seria a notícia mais fantástica de todos os tempos, talvez perdendo em interesse apenas para mensagens de [ou encontros com] extra-terrestres
ao mesmo tempo, e à medida em que as tecnologias associadas começarem a emergir, vamos poder alterar o cérebro, aqui e ali, para tentar fazer com que ele faça coisas de que não é capaz hoje [e não faça outras que julgarmos "desnecessárias"]. e é aí que moram a oportunidade o perigo: reprogramar cérebros, alterando o pool de proteínas das conexões neuronais, por exemplo, não é algo trivial e de conseqüências triviais. mas será possível e, sendo possível, será feito. quem viver verá.