21 anotações sobre 2021

1 pode até aparecer, no seu calendário, que o ano que vem é 2021. mas não: é 2025. a aceleração causada por covid19, segundo múltiplas pesquisas [1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15…] é de pelo menos meia década, com quase a totalidade dos líderes de negócios em todo o mundo sentindo, na prática, que seus negócios estão sendo severamente afetados pela transformação digital nos seus mercados. esse grande passo para a humanidade vem, em quase todos os sentidos, da mudança de comportamento das pessoas. a supressão do espaço físico, às vezes por meses durante a pandemia, catalisou todo o aprendizado que estava represado por talvez uma década -porque dava pra viver sem as habilitações digitais no negócio, na casa, no entretenimento…- e tudo aconteceu em meses, ao invés de anos, ou nunca.

estamos em tempos de troca de era, e há uma clara percepção de que o tempo se tornou mais escasso. porque o futuro -sem convite- chegou, de repente, no presente, que continua vivo, junto com o passado. o problema de todos, em todas as instituições é… como criar tempo para o futuro? o grande desafio que os negócios têm que enfrentar é como seguir seus clientes -se ainda os têm- na velocidade das mudanças.

no começo da pandemia 12,3% das pessoas compravam no ecommerce nos EUA. em setembro, eram 41,9%, um crescimento de mais de três vezes; e 83,9% dizem que vão reter todos ou parte dos hábitos mesmo quando covid19 se resolver. figital -por causa da mudança de hábitos- é uma tendência irreversível e base para os novos normais.

até porque não se lançou novas tecnologias na pandemia: a aceleração digital é mudança de comportamento, em estado quase puro. passamos a usar, e muitos de nós muito bem, o que já tínhamos, e não fazíamos ideia de como usar, porque não precisávamos. a necessidade foi a mãe do aprendizado. rápido, e em tempo de crise. tipo faça o que for possível, com o que souber e puder aprender. do jeito que der. bem que uma parte do tempo, nas empresas, podia ser dedicado, estrategicamente, para isso, sem crises. 2020 causou o choque cultural de uma transformação digital em velocidade de crise, mudando de forma radical o trabalho e as pessoas, e talvez para sempre. e não só por 5 anos, como os mercados.

2 independentemente dos mercados terem dado um salto de 5 anos, muitas -senão quase todas- as empresas continuarão em 2021 ou antes. porque há quem acabou de colocar um ecommerce no ar [com o provedor do serviço se tornando sócio, quando é um varejo de alimentos, por exemplo…] e acha que já fez sua transformação digital. nem pensar: ecommerce tem 25 anos de história. quem acabou de instalar um -e está simplesmente vendendo seu estoque, com um catálogo online, como se fosse na loja física… acabou de chegar em 5 de julho de 1994. e tem de tudo: tem quem, depois de ter anunciado um número de whatsapp que nem responde direito [uma pesquisa mostra que 58% das mensagens do zap são respondidas, pelas pessoas, em menos de um minuto…] acha que agora é omnicanal, sem nem ter lido direito -ou nunca- o que o termo significa.

há muitas empresas achando que… “agora que pandemia vai passar, bora esquecer essa coisa de digital e trazer os clientes de volta pras lojas”. vale a pena repetir que dados globais mostram uma aceleração digital de anos nos últimos meses. vai dar muito certo, mesmo, para quem achar que haverá uma volta ao normal de antes. quem acordou para digital em 2020, agora é correr para, em 2021, fazer cinco anos ou mais em menos um e chegar pelo menos em 2000. lembrando que 2021, claro, é 2025. faça as contas. pense no salto.

ao mesmo tempo, estudos em grandes empresas [dados de 2007 a 2013] já mostravam uma inflação de funções corporativas e um aumento da insatisfação com performance das funções. agora, em tempos de transformação digital, será que teremos [ou será que já temos?] uma inflação de funções digitais? depende. da estratégia. sem estratégia, cargos são condecorações sem função, funções sem noção. os planos [ditos] estratégicos da maioria dos negócios provavelmente não são estratégicos. nem planos são, quase sempre. a vasta maioria é só uma lista de aspirações. porque estratégia é o processo de transformação de aspirações em capacidades, levando em conta o tempo, espaço e escala da jornada. sem estratégia, cargos fazem o que querem. ou nada.

3 as empresas que continuarão em 2021 ou antes estão digitalizando seu negócio. e correm o risco de perder competitividade a ponto do seu modelo de negócios deixar de ser sustentável. e isso está acontecendo porque boa parte de suas lideranças não entendeu o que é preciso mudar, rápido, para continuar competindo. e que mudar, aqui e agora, não é digitalizar. mudar é se transformar. é ter uma estratégia para se adaptar e evoluir para passar a competir em ecossistemas figitais. é saber que o negócio que existia -antes- tem que passar a ser uma aplicação sobre uma plataforma digital ou mais -e agora. pesquisa anterior à pandemia mostra 63% das empresas em mercados que passam por ruptura e 44% correndo alto risco de ruptura elas próprias, mas só 3% têm progresso real na sua transformação estratégica.

por que? transformar é assunto de e para a liderança, e as lideranças estão perdidas. e isso porque transformação digital é mudança radical -do tipo que só é realizado por lideranças- dos fundamentos de suporte aos processos de criação, entrega e captura de valor em todos os tipos de organização, com as bases analógicas [ou analógicas digitalizadas] do negócio sendo trocadas por plataformas digitais, em rede, que redefinem a vasta maioria dos mercados. e a redefinição é para figital, com digital first.

nas redefinições, um mito e uma realidade: o primeiro é que há um líder heroico tentando mudar o negócio, travado pela média gerência que está na casa há muito tempo; o segundo, a realidade, são gestores heroicos, fazendo mais do que deveriam, porque os líderes não fizeram -e não fazem- sua parte a contento. tem jeito? dá trabalho, mas tem. e vai dar muito trabalho: só 9% dos gestores diz que realmente acredita que seus líderes têm a capacidade de conduzir a organização numa grande transformação figital. e o problema que já está posto é criar e executar visão e estratégia de forma transparente, inclusiva e colaborativa. simples, de dizer. difícil, de fazer.

4 figital será uma das palavras-chave -e uma das chaves- de 2021. uma tendência irreversível de pelo menos duas décadas que 2020 tornou óbvia e acelerada é que tudo será FIGITAL: mercados, empresas, times, pessoas [e cidades, países, governos…] estão na transição do FÍSICO [ou analógico] não para o digital, como muitos esperam. mas para uma articulação do FÍsico, que passa a ser habilitado, aumentado e estendido pelo diGITal, ambos orquestrados no espaço sociAL, em tempo [quase] real. quando os usuários começaram a mudar para o mundo figital, especialmente de 2010 pra cá… passou a ser imperativo, e não mais alternativa, para as empresas, descobrir algum caminho entre físico e figital. uma parte significativa dos comportamentos de todos os agentes do mercado, de trabalhadores a clientes, deixou de começar, ou de se realizar mais intensamente, na dimensão física do espaço competitivo e passou a se iniciar, quase sempre, no domínio digital.

mas a maioria dos líderes de negócios de hoje se formou –na prática ou num MBA analógico– para uma competição que ficou no passado. quase nenhum se preparou para competir [por exemplo] em velocidade [ou taxa real] de aprendizado. nesse contexto, a empresa é um laboratório. mas não só…

um estudo diz que 77% dos CIOs definiram transformação digital como maior prioridade orçamentária de 2021, seguida de perto por 75% afirmando que segurança digital também está no topo da agenda E dos recursos. as duas -que são caminhos e fundamentos para o figital, dependem de estratégia da informação. e toda estratégia de informação do e para o negócio deve se basear nas duas leis fundamentais do espaço figital: primeiro, deve-se proteger os dados das pessoas; segundo, deve-se proteger as pessoas dos algoritmos. a LGPD, sob vários aspectos, é só um detalhe legal.

5 boa parte do comportamento no espaço figital será digital first. e a gente não precisa nem ir para 2021 -que já é 2025- para capturar as evidências dessa mudança. o salto do ecommerce em todo mundo, avançando meia década na maioria dos países, inclusive no brasil, é só uma das facetas da mudança de comportamento das pessoas para digital first. aqui no brasil, dependendo das fontes que se considera, as vendas online cresceram entre 50 e 100% no ano; se ficarmos com a média, vamos para 2025 de novo: antes da pandemia, o ecommerce crescia entre 10 e 15% por ano. e a expectativa é de mais de 20% de crescimento em 2021 -que é 2025-, fazendo com que 2022 já seja 2027.

em um cenário para o mundo em 2030, especialistas dizem que teremos educação sobre plataformas digitais, com programas universais de alfabetização digital e muito mais foco em ciência, tecnologia, engenharia e matemática [STEM]. todos os sinais são de que a década que vem vai passar rápido. a loja do século XX -seja ela varejo, consultório, escola, oficina ou fábrica…- irá quase certamente se transformar gradualmente, primeiro e, a partir de um certo ponto, de repente, numa metamorfose de cauda longa [no espaço-tempo]. e levará um tempo para avaliar o que aconteceu e seus efeitos. mas já em 2021-2025 nós veremos esse processo se acelerar, e muito.

6 digital first não é um comportamento só do varejo. em saúde, mais de dois milhões de consultas digitais terão sido realizadas em 2020 no brasil, na avaliação do setor. num país de mais de 200 milhões de habitantes, dois milhões de consultas parece pouco. mas não é, porque o congresso autorizou a prática, no país, em abril. e só até quando durar a pandemia e seus efeitos. médicos e pacientes, por tudo o que se sabe, fizeram bom uso do modo digital de relacionamento, que de resto já usam para quase tudo. mas o que foi feito -de digital, em 2020- estava no passado, só veio para o presente por causa da emergência. saúde 5.0 não é tratamentos com super tecnologias, não é nem sobre cuidados de saúde centrados no paciente; é sobre bem-estar, e envolve parcerias, articulações e redes de longo prazo com as pessoas -enquanto ainda não são pacientes, e depois. depende muito de tecnologia, mas não é tecnologia, que habilita o trabalho e a ação humana.

e aqui há um aviso que vem do futuro: os médicos não serão substituídos por inteligências artificiais… mas os médicos que não usam inteligência artificial serão substituídos pelos que usam. é só estudar as mudanças que os futuros causaram, no passado… e pensar. mas as forças do passado, em especial um certo setor que teme a substituição de médicos por sistemas de informação, estão trabalhando contra e telessaúde pode, de novo, ficar no futuro do brasil. o que nos diz uma coisa muito simples: inovação social, em grande escala, depende do espaço regulatório, sempre. no brasil, os reguladores de muitos mercados são essencialmente analógicos e, a depender deles, continuaremos na idade da pedra digital.

7 mas a boa notícia é que há reguladores trabalhando para criar futuros figitais. depois de um falso começo do que seria um meio de pagamento móvel, digital, fechado, provido por uma plataforma digital global, o banco central anunciou PIX, o meio aberto -mas centralizado no BC- de pagamentos digitais em tempo quase real do brasil. os velhos TED e DOC, que são analógicos com capas digitais, estão sendo substituídos muito rapidamente pela nova forma de mover moeda: lançado em 16 de novembro, PIX já responde por 30% das transferências bancárias. inovação no mercado financeiro como um todo, liderada pelo regulador -que também opera parte do sistema, como vez por outra acontece no brasil- e rapidamente pelo mercado, até porque todo mundo estava esperando que alguma coisa parecida com PIX acontecesse o mais rápido possível.

um outro salto que o brasil dará em 2021-que-é-2025 será open banking: de novo, uma inovação movida pelo regulador, que deverá ser integralmente implementada por todo o sistema financeiro no ano que vem… e poderá causar uma explosão cambriana de inovação em produtos, serviços e negócios. e mais competição, mais e melhores opções para os usuários e, se tudo der certo, menores custos. aliás, seria muito bom a gente ver se isso vai acontecer mesmo. uma promessa recorrente de fintechs, desde o século XIX, é superar os atritos de contratação financeira e reduzir o custo dos serviços correspondentes, para melhorar o bem-estar do consumidor. mas há um estudo mostrando que o custo da intermediação de serviços financeiros esteve sempre ao redor de 2% nos últimos 130 anos. pois é.

8 não há sinal de que bitcoin será muito mais relevante no 2021 -que é 2025. doze anos depois de “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”, até os debates entre experts em criptofinanças e criptoeconomia deixam claro que o futuro das criptomoedas ainda é um mapa de longas e difusas estradas, cheias de encruzilhadas. bitcoin está no pico de valor contra o dólar de todos os tempos -na hora em que escrevo, tinha subido nada menos de 234,73% em 2020; dois em cada três dos que têm bitcoin acha que ela vai subir ainda mais… até alguma coisa como US$200 a US$300 mil ali em 2022 [que como já sabemos é parte de 2021]; otimistas dizem que a metade das grandes empresas de todo mundo terá reservas em bitcoin e há pelo menos uma previsão que aponta para um valor de mercado de US$1 trilhão em 2022.

com 88.4% dos bitcoin já em circulação, e com o volume global de “dinheiro” da ordem de US$100 trilhões, é claro que, como investimento, e pra quem teve nervos e segurou a onda em 2019 e em março passado, é um grande negócio. mas, muito antes de moedas digitais distribuídas afetarem os mercados -e nem pensar em subsituir as velhas moedas nacionais, que os bancos centrais podem e estão imprimindo-, é quase certo que haverá um grande impacto de moedas digitais centralizadas. moedas digitais de bancos centrais, ou CBDC -como a DPEC chinesa-, podem dominar o mercado de transações financeiras. no brasil, PIX é só o começo. é tudo é muito mais complicado do que parece à primeira vista. capaz de 2021-2025 aclararem o cenário.

9 e todo mundo continua procurando as killer apps para blockchain fora de finanças. sistemas de registros distribuídos [DLTs] são associações de estruturas de dados e algoritmos “como quaisquer outros” -e, como os outros, com propriedades especiais. da mesma forma que dá para armazenar dados numa estrutura de listas ou árvores e usar algoritmos que -por exemplo- ordenam conteúdos destas estruturas, dá para usar as estruturas do tipo DLT -e muitas outras- para resolver problemas que muitos dizem ser os casos em que DLTs fazem a diferença.

mas o caminho é longo. e cheio de desafios: dos mais de 86.000 projetos que haviam sido lançados desde que blockchain fez seu debut, 97% tinham sido abandonados até o fim de 2017 e boa parte do que sobrou não usa nenhuma das características que torna blockchain único para fazer nada de significativo no projeto. a estônia tem 99% dos serviços públicos disponíveis em formato digital, o que tornaria o estado, lá, o mais digital[izado] do planeta. mas só 54 dos 925 bancos de dados locais estão conectados à plataforma e-estonia… e não, eles não usam blockchain.

apesar disso, blockchain já é um mercado de bilhões de reais anuais em serviços, consultoria e plataformas. e, com tanta gente pensando, alguma hora alguma coisa vai acontecer. pode ser que comecemos a ver DLTs, e não necessariamente blockchain, nos anos 2021-2025, na solução de problemas que exigem garantia de identidade, consistência e preservação de registros individuais, para pessoas e objetos, em saúde, propriedade, logística e internet das coisas. tomara.

10 falando em internet das coisas, será que 5G vai criar o mercado de coisas conectadas de vez? em 2020, por causa da pandemia, o governo federal levou os dez primeiros lugares no campeonato nacional de ideias [e propostas, declarações, escaramuças…] de jerico. inacreditável. além da classe pandemia, também levou o troféu na categoria política tecnológica e de comunicação, ao se aliar, sem qualquer necessidade ou possibilidade de quaisquer benefícios para o brasil, a uma política demente e delirante de conflito tecnológico com a china sobre as tecnologias de quinta geração de comunicações móveis, promovida pelo idiota que governa os estados unidos até janeiro. e isso sem que haja qualquer benefício possível para o brasil em tal conflito, porque quem está provocando a confusão não tem uma oferta competitiva de infraestrutura 5G em nenhum contexto.

na inglaterra [PISA, ciência, 505, max. 590], mais ou menos 21% da população crê -pouco, mais ou menos, muito ou totalmente- que 5G é culpado pela pandemia de covid19; a mesma porcentagem diz que é uma arma alienígena  para destruir a humanidade. imaginem o que não passa em certas cabeças no poder, no brasil [PISA, ciência, 404; 85 pontos abaixo da média da OECD] inclusive.

mas, de um jeito ou de outro, 5G deve acontecer no brasil a partir de 2021-2025, e seu principal efeito não será maior velocidade para dados móveis: o pico de velocidade de 5G [20Gbps, ou 2,5GBps] consome um pacote de dados de 10 gigabytes [que custa cerca de R$50] em 4 segundos e ocupa os 256GB de memória dos celulares mais caros em meros 103s. caso de uso pessoal é raro -e caro-, pois. mas por que investir na tecnologia? porque, se ela for apropriadamente implementada, vai prover 100Mbps móvel confiável, com 1ms de latência -o que quer dizer interações pessoais e físicas muito melhores- e 1 milhão de coisas conectadas por quilômetro quadrado.

todos os sinais de trânsito, ambulâncias, táxis, ônibus, freezers, câmeras e portas ao seu redor, online, de uma vez por todas, para sempre. pense nas consequências. se possível, pense em modelos de negócios, porque a oportunidade será única e gigantesca: prevê-se que 5G vai ter um impacto de US$13,2 bilhões por ano nos mercados lá em 2035, e uma boa parte disso na internet das coisas.

11 as coisas, conectadas, vão mudar a fábrica, que vai lidar com seus produtos como serviços. a fábrica que só faz produtos e envia para um distribuidor ou direto para um varejista é o passado da fábrica. o futuro da fábrica está no espaço físico aumentado pelo digital, orquestrado pelo social e em tempo quase real. a fábrica figital sai do prédio analógico da fábrica e ganha o mundo. além das coisas, cujas conexões não só entre si mas com a fábrica, são óbvias, as pessoas, de dentro e de fora da fábrica começam a ser conectadas em redes e orquestrar a dinâmica da fábrica: uma das ideias por trás dos modelos de negócios C2M [client-to-manufacturer] é trazer dados dos clientes usando produtos para a fábrica, onde serão usados para gerar insights sobre produtos novos ou atuais.

mais que “só” conectar produtos, as plataformas digitais da fábrica figital conectam tudo. e têm o potencial de fazer da fábrica o sistema operacional não só dos seus produtos, mas do contexto onde eles são usados. mas do que olhar para esse cenário e possibilidades como processo industrial, como é típico no pensamento fabril [especialmente no brasil], a indústria deveria pensar seriamente em como usar as possibilidades combinadas da internet das coisas e das plataformas digitais para criar, operar, manter e evoluir ecossistemas digitais.

até porque a transformação de produtos em serviços é óbvia, como imaginação, mas extremamente complexa como transformação. só que é, ao mesmo tempo, inevitável, como futuro, e de imenso potencial como negócio. logo ali em 2012-2025, o motorista de carros autônomos não é um produto, mas um serviço, com assinatura e pagamento, recorrente, mensal. na fábrica figital do carro, há um digital twin do veículo que ela própria dirige, faceta de negócio que vai gerar suas maiores margens. porque o carro, a lata, é só o suporte para performance, para a mobilidade conectada, onde tudo é software. aliás, tudo é software -como serviço, que cria resultados para os clientes- em todas as fábricas. indústrias que não entenderem isso vão ter dificuldade para sobreviver em 2021-2025 e, principalmente, depois.

12 se tudo se conecta… tudo é atacado. segurança da informação se torna crítica. carros, aviões, marcapassos, lâmpadas, casas, escritórios, fábricas, usinas nucleares, redes elétricas, bonecas, babás eletrônicas. se alguma coisa está ou puder ser conectada, estará na IoTeRP, a internet das coisas em risco permanente. pense num problema de segurança da informação. e novos métodos, técnicas, sistemas, plataformas, fundamentos teóricos e ferramentas cada vez mais complexas se tornarão parte do arsenal para lidar com ameaças que nunca pensamos que fossem se tornar parte de nosso dia a dia. e não é só as coisas que estão a perigo; com “tudo” online, e ainda mais agora, como muito mais gente e artefatos de negócio na rede, agências de segurança do mundo inteiro notam que o crime digital aumentou significativamente. até porque os criminosos são humanos e percebem as tendências e mudanças e estão evoluindo -de certa forma até, ou muito, mais rápido do que as empresas e governos.

segurança é parte dos problemas estruturais dos sistemas de informação -e incluído em “sistemas” estão as pessoas e a cultura de gestão da informação dos negócios. para surpresa de exatamente zero pessoas, soubemos no começo deste mês que 243 milhões de registros de pacientes [vivos e mortos, com cadastro no SUS ou plano de saúde] foram expostos online. isso é o brasil inteiro. segundo o ministério da saúde, guardião dos dados, “protocolos de segurança e proteção são constantemente avaliados e aprimorados” para cuidar da nossa informação em sua guarda. é complicado.

o protocolo de segurança de muita gente é confiança cega no fornecedor. por isso é bom saber que 91% “das nuvens” não criptografa os arquivos “parados” e 87% não apaga os arquivos ao término da conta. então, das nuvens, chovem dados. com a preciosa ajuda de terceiros, muitas exposições e vazamentos têm origem na inexistência de uma estratégia de informação para o negócio, privado ou de estado. em qualquer caso, a regra zero seria a primeira lei fundamental do espaço figital… deve-se proteger os dados das pessoas. não é o que estamos vendo em 2020, não sei se veremos lá em 2021-2025… mas será cobrado das empresas -e, espero, do estado-, e o preço será alto.

13 segurança da informação é um problema de estratégia, mais do que legal. é certo que as multas da LGPD vão chegar às empresas em agosto de 2021. mas essa -por incrível que pareça, não deveria ser a principal razão pela qual os negócios de todos os tamanhos e mercados deveriam incluir uma estratégia de informação em suas agendas. quando os comportamentos são digital first, entender e acompanhar a jornada e experiência dos usuários de todos os tipos passou a ser vital para lidar com as demandas e exigências dos clientes e usuários. e isso não se faz à mão, nem só com base em intuição. depende de dados, informação, da qual é preciso cuidar desde a aquisição até a terminação, durante todo o ciclo de vida de informação no negócio. quem não aprender a tratar, devidamente, os dados essenciais para o negócio não vai sobreviver.

não caia na história de capa de revista dizendo que dados são o novo petróleo. é bem mais complicado: comparando com fontes brutas de energia, dados seriam o novo urânio. têm que ser minerados, refinados para separar o que se quer do que não serve, têm que atingir massa crítica e serem processados para gerar energia [valor!] e o descarte é um perigo, para o negócio e o ecossistema. e ficar com dados que não geram mais energia -valor- é problema garantido, e talvez dos grandes.

e um lembrete: o problema de gestão estratégica do ciclo de vida de informação dos negócios não começa na advocacia, mas no design e engenharia, que precisa entender estratégia como o processo de transformação de aspirações em capacidades, levando em conta o tempo, espaço e escala do que se quer fazer… no caso, gerir o ciclo de vida de informação na organização.

para saber se a sua organização tem um mínimo de controle sobre a informação no negócio, pergunte, um dia, para quem é responsável [se houver] por eles, três coisas: dos dados deveríamos ter, quais temos… e que outros temos que não deveríamos?… onde os dados ficam, exatamente, e que sistemas usam que dados e para quê?… e, finalmente, o que podemos apagar, entre todos os dados que temos? sem respostas a estas três perguntas básicas… não só a sua organização tem um problema radical de segurança de informação, mas ela ainda nem começou a tratar dados, a sério, como criador de valor para o negócio. se eu fosse você, me preocuparia. muito.

14 os desafios da engenharia de software e computação, com os negócios em rede e tempo quase real, só aumentam. nos últimos meses, múltiplas nuvens computacionais entraram em colapso parcial. sistemas e organizações inteiras saíram do ar. as pessoas começaram a aprender que tudo falha. no mundo real, sistemas projetados, construídos e operados para ter 99,99999% de confiabilidade podem sumir por 3 segundos por ano. isso é muito pouco, a menos que seja exatamente no meio daquele boleto que você estava pagando, a transação não fechou… e pronto, danou-se.  mas as nuvens onde estão quase todos os sistemas que usamos têm parâmetros bem mais modestos, e querem atingir “só” 99,999 de confiabilidade, o que em tese seria o equivalente a 5m15s de queda por ano.

mas, na prática, grandes sistemas como as nuvens caem, parcialmente, muitas vezes por ano, com episódios que duram horas, às vezes muitas. parte do dano é compensado replicando serviços em múltiplos pontos que não dependem das mesmas infraestruturas de suporte… mas mesmo assim os problemas não só existem mas vão continuar existindo. enquanto os engenheiros, por um lado, terão que lidar com arquiteturas e implementações cada vez mais sofisticadas para garantir escala, resiliência e confiabilidade, os usuários terão que se adaptar a situações onde, vez por outra, vai faltar informaticidade. uma coisa é certa: coisas vão falhar. mas não é por isso que a gente deixará de construí-las e usar o que é possível fazer, porque tecnologia é o domínio das possibilidades, e não das certezas.

pra fazer mais tecnologia, e entre as que serão feitas, tratar desafios cada vez mais complexos, vamos precisar de muito mais engenheiros de software depois de covid19 do que precisávamos antes. mas a pandemia nacionalizou o mercado de trabalho em software, design e muito mais. mais: globalizou o mercado de trabalho de conhecimento, para quem fala inglês. e a deslocalização e dessincronização de parte do trabalho em conhecimento foi acelerada [na minha opinião] por 5 a 10 anos. aí, 2021 é quase 2030. se já era difícil encontrar especialistas nas áreas críticas de TICs, imagine daqui pra frente, pra cuidar de informaticidade.

e tudo é mais trabalhoso porque, na sociedade do conhecimento, empresas competem, na verdade, por capital humano. ainda mais agora, em tempos figitais, quando estão passando a ser agregadoras de demanda por habilidades, num contexto fluido de carreiras mutantes e evolução contínua e rápida do conhecimento. prepare-se.

15 informaticidade é a energia do figital, se tornará cada vez mais relevante em 2021-2025. informática, há mais de meio século, é um espaço de tridimensional: um domínio de computação, que trata da transformação de informação; um outro, de comunicação, onde se cuida de transmitir informação; um terceiro, de controle, que trata objetos do mundo exterior aos processos intrínsecos de computação e comunicação e faz uso deles -ou os comanda- para levar tais sistemas a atingir ou manter um certo estado. dependemos de tais sistemas cada vez mais. veículos básicos têm de 30 a 50 computadores e os de topo de linha, 100 ou mais. em rede. sensores, atuadores e a informática destes carros -sua informaticidade- já os dirigem em todas as situações e, quando não, podem substituir o controle humano em situações de perigo.

a energia e a água que chegam às casas, da produção à distribuição e consumo, já são mediadas por informaticidade em muitos estágios da cadeia de valor. mas o que todos vamos perceber, cada vez mais, é que informaticidade vem da nuvem, e vez por outra vai faltar. o que implica no redesenho de sistemas e aplicações, porque “elevar” aplicações vitais -como o controle de equipamentos médicos- para a nuvem, pura e simplesmente, pode aumentar muito o risco de seu uso.

tudo isso demandará novas teorias, teses, protótipos, aplicações, sistemas e novas formas de fazer sistemas. e educação para tal. é bom repetir que vai faltar mais gente em 2021-2025 do que já está faltando agora e, salvo esforços locais e dirigidos como está acontecendo no porto digital, no recife, o brasil -do ponto de vista de política e estratégia de capital humano em áreas críticas como TICs-, faz de conta que está tudo bem. não está, e vai piorar.

16 a educação se tornou mais figital. zoom tem tudo a ver com isso, mas é muito pouco. na escola figital -quando ela existir- o monólogo da aula expositiva dará lugar a experiências de aprendizado em rede, com todo o grupo de habilitadores e aprendizes construindo conhecimento em conjunto, exatamente o que não acontece na sala de aula clássica e muito menos na zoom university e seus similares menos votados. mas 2020 plantou a semente do desconforto com as aulas presenciais, que envolvem operações logísticas complexas para localizar e sincronizar um grande número de agentes no mesmo espaço, o que tem um impacto pessoal, contextual e ambiental gigantesco.

ainda mais, há uma crença de que a única forma de aprender é estar numa sala de aula por horas -perdendo tempo e energia- e, depois, fazer provas. mas não é assim que as pessoas aprendem. a parálise evolucionária da escola -e da universidade- nos deixou sem o futuro do aprendizado por muito tempo. novas tecnologias provocam um processo de inovação e transformação no sistema de ensino em todos os níveis, mas não temos a quem copiar.

em educação, e para a educação em todo mundo, todos os que estão aprendendo alguma coisa estão tentando, experimentando, errando e acertando, tudo ao mesmo tempo, agora. o que é uma grande oportunidade para todo mundo, em todo canto. e os que estão aprendendo mais rápido têm estratégia para tal. é bom ter alguma, também. digital cria todo um novo conjunto de possibilidades. o que tentar, com quem, para quem, como e onde?…

na escola figital, e ela vai aparecer de várias formas em 2021-2025, aprendizes e facilitadores vão decidir o tempo de aprender e construir trilhas e mapas de experiências e aprendizados, rastros digitais dos seus percursos de descobertas com seus pares, no universo da escola, redescobrindo papéis na rede de conhecimento, questionamento e descobertas que a escola nunca deveria ter deixado de ser. e que vai, um dia, voltar a ser.

17 para muitos, o escritório deixou de ser necessário. e pode deixar de ser opção. tanto quanto a escola figital ainda não existe, a empresa figital muito menos. mas 2020 distribuiu, por um tempo, todo o trabalho que podia ser deslocalizado. e de repente uma das construções mais perenes da revolução industrial foi desafiada na sua base objetiva -a do lugar como meio de produção. ao mesmo tempo, a base subjetiva do escritório, como espaço-rede que serve como ponto de encontro, para formação de alianças e aprendizados práticos, em contexto, que promove encontros inesperados e onde é a sede da rádio corredor… sumiu.

de muitas formas, “perdemos repentinamente o local de trabalho, uma conquista social, voltamos para uma solidão que nos isola dessa cultura do café e da conversa que cria vínculos. a longo prazo, não sabemos quais serão as consequências.” home office é uma solução que vem com os problemas -uns velhos, outros novos, que ela própria cria. o mesmo acontece com qualquer tipo de trabalho deslocalizado, mesmo que não seja de casa. de mais de uma forma, as atividades da economia do conhecimento não demandam estada no escritório ou local de trabalho clássico. o trabalho deixou de ser um lugar para onde se vai. em muitos casos, a presença física será reservada para atividades preciosas. se as leis não mudarem -e terão que mudar-, para representar este “novo” cenário, os conflitos trabalhistas irão para a estratosfera. no brasil, então…

mas um estudo publicado em novembro diz que 59% de quem trabalha remoto sente falta das interações presenciais com colegas; 48% não se acostumou com a fusão dos espaços de trabalho e moradia. para 95%, comunicação clara é a habilidade mais importante na pandemia e, consequentemente, do trabalho deslocalizado. um outro estudo conclui que empresas que conseguirem reestruturar o trabalho como performances em rede, associadas a componentes específicos de projetos sendo realizados, terão vantagens [radicais, talvez] na competição híbrida por talentos [especialmente os digitais]. mas ainda é cedo para tirar conclusões definitivas, como muitos querem.

talvez 2021-2025 nos mostre que há tipos de empresas, em todos os mercados, que podem trabalhar no modo distribuído, descentralizado, digital para sempre, sem prejuízos à produtividade, qualidade, performance, lucratividade, cultura e ainda por cima isso tudo não afeta -ou melhora!…- a saúde, bem estar e a carreira dos funcionários. pode ser. mas é bom tratar essa evolução como um experimento… porque é muito, mas muito difícil recuperar uma cultura que se fragmentou. não há muitos casos de sucesso para dar como exemplo.

18 falando em fragmentos, o mundo está se fragmentando, rápido e cada vez mais. e isso não é bom. começando pelo aumento da desigualdade -acelerado por 2020- e passando pela guerra tecnoeconômica entre grandes potências, em parte oriunda da fragmentação das grandes redes informais por onde fluem os entendimentos globais. a polarização extremada na política, que leva grandes parcelas das populações de países que têm educação bem acima da média global a acreditar em discursos vazios de palhaços e idiotas, populistas e autoritários, que mesmo tendo como único plano -implícito- o benefício a si e aos seus… é uma das maiores, senão a maior ameaça planetária no curto prazo. e pode nos tornar incapazes de tratar as grandes ameaças de médio prazo, como a aceleração da crise climática e seus impactos, os grandes conflitos, a destruição do ambiente, as desigualdades, a fome.

as autocracias populistas instaladas em muitos países querem mais disso, pois a política da raiva, dos desencontros, dos conflitos… do ressentimento e do ódio puro e simples, precisa de insatisfeitos -o que inclui até uma lumpen intelligentsia– a alimentar um nacionalismo de declínio, onde os outros, inimigos normalmente criados e imaginários, são culpados pelos males que nos afligem. ao não ter nenhuma responsabilidade pelo nosso destino, não temos políticas, estratégias, planos, execução, nada. só episódios, reações e tentativas de diminuir os inimigos… mas nem isso pode ser tratado a sério, pois nacionalismos de declínio não são pro- nada, são anti- quase tudo e demandam inimigos “fortes”.

não é só o mundo que se fragmenta, são os fragmentos dele, como o brasil, que se fragmentam cada vez mais. é bom lembrar que em contextos similares, o manifesto futurista [1909] pregava um futuro a qualquer custo e a guerra como higiene do mundo; acabaram abraçando o fascismo. mais de cem anos depois, com os passadistas, com a política de corremos esse risco.

19 até porque 2021 será 2025, 2022 já começou. o mundo já teve tempos aparentemente mais difíceis, mas eles talvez não tenham sido, intríseca e aparentemente, tão complexos. e aí as redes sociais passaram a não só ser o principal mecanismo informal de articulação da sociedade mas, agindo como editores, descobriram que MALinformação [baseada na realidade, para atacar] e DESinformação [informação falsa, para atacar] ao serem promovidas nas linhas de tempo das pessoas, causavam uma explosão de reações, comentários e compartilhamentos.

em facebook, o salto foi de três vezes entre 2T16 e 2T20. a empresa fez uso ilimitado desse efeito para alavancar seus resultados, desconsiderando completamente a realidade e utilização de tal conjuntura por grupos cujo interesse é de antidemocrático a fascista e genocida em muitos casos. e 2/3 do volume de fake news compartilhado na rede social vem de apenas 10 sites. por outro lado, a esmagadora maioria dos sites que disseminam de rumores e desinformação depende de plataformas de publicidade para monetizar suas páginas… e 61% das fontes de boatos, rumores, lixo “noticioso” e desinformação usa google ads para se financiar.

as grandes plataformas digitais e seus ecossistemas foram deixadas à solta durante mais de uma década e, nesse tempo, criaram suas regras e normas. por tudo o que sabemos, e em boa parte pela informação vazada -em redes sociais- por agentes internos delas próprias, priorizaram seus modelos de negócios, desconsiderando os impactos sociais de suas opções, numa entrega sem limites não aos deuses, mas aos demônios da inovação.

imersas em bolhas, as pessoas concordam cada vez mais entre si e menos com outros. resultado? o outro lado é crescentemente demonizado e as possibilidades de acordo são cada vez menores. e os processos de formação de opinião, em todos os lados, são racionais. assim, é impossível murchar bolhas de informação tentando fazer com que pessoas sejam consumidores racionais de informação; elas já são. é preciso mudar conexões, relacionamentos e interações entre grupos e pessoas, para criar a possibilidade de construir significados e conhecimento conjunto.

as redes sociais têm que assumir a responsabilidade –ou serem responsabilizadas– pela forma que seus algoritmos editam conexões, relacionamentos, interações e histórias que se vê. como sempre, a europa lidera, chama as plataformas à responsabilidade e já publicou regras para plataformas que habilitam ecossistemas digitais. o objetivo é garantir o uso justo de dados, interoperabilidade e igualdade de oportunidades, organizando o espaço digital para as próximas décadas.

um obstáculo não trivial a tratar é que a humanidade foi construída sobre o princípio básico de que lembrar é mais difícil do que esquecer, mas tecnologias pra capturar, publicar, armazenar, conectar, relacionar, replicar, buscar e disseminar informação e possibilitar interações criaram a incapacidade de esquecer. sem resolver esse problema –ou reinterpretar a humanidade, o que parece muito mais complicado–, teremos dificuldades ainda maiores do que temos hoje, inclusive e principalmente no espaço político. em 2022 teremos eleições, de novo. daquelas que poderão definir não só o próximo mandato, mas a década, talvez as próximas décadas, no brasil. vai ser tenso.

até porque não dá pra entregar a conta do caos só pras plataformas digitais. partidos políticos sem visão, ideias ou programas, movidos pelo puro e simples culto à personalidade de líderes a serviço de agendas próprias não pode ser só o fim de uma era. demanda uma transformação dos sistemas políticos e de representação. estamos acostumados a pensar que democracia tem que -sempre- eleger representantes do povo. e se não tivesse?

talvez fosse muito melhor se [pelo menos parte dos] deputados [por exemplo] fossem escolhidos por sorteio. duvido que piorasse a qualidade da representação popular no brasil. imagine um modelo de democracia aberta onde não haja um eles, uma elite política, mas um nós que toma decisões, em grupos de 150 a 1.000 pessoas que fazem o trabalho de governar, com membros escolhidos lotocraticamente. de novo, pra reforçar, duvido que piorasse a qualidade da representação popular no brasil. duvido mesmo.

20 os próximos 30 anos definirão o futuro. e talvez o fim do mundo como o conhecemos. em algum momento nos próximos 30 anos, computação quântica sairá dos laboratórios e dos grandes [mas pequenos] sistemas de demonstração que estão nos gigantes digitais, hoje, para ter impacto no mundo real. isso depende de teorias e tecnologias que ainda estão fora do radar mesmo de quem é “de ciência e tecnologia”. exemplo? um problema danado em sistemas computacionas é o ruído e as mudanças que ele pode causar no armazenamento, processamento e transmissão de informação. em computação quântica, o contratempo é muito pior. mas acabaram de mostrar que correção quântica de erros é implementável. isso pode ser tão relevante para o uso prático de computação quântica quanto os códigos polares foram para viabilizar 5G [veja abaixo].

é muito difícil prever quais serão os impactos diretos e indiretos de computação quântica nos mercados. lá no passado, sabendo da lei de moore [dez anos depois dela ter sido enunciada, em 1975], não havia ninguém prevendo smartphones. e muito menos os acelerômetros que, dentro deles, possibilitam uma imensidão de funcionalidades. às vezes não é fácil nem olhar pra trás e imaginar como tudo aconteceu até a gente chegar aqui. mas o certo é que quase nada é um big bang; nós é que não estamos procurando os sinais fracos e, por isso, não os entendemos quando os encontramos.

uma das tecnologias que pode mudar o mundo são plataformas de negócios que usam registro distribuído -como blockchain- como infraestrutura. mas isso não começou com blockchain, vem do começo da década de 1990 [para garantir que documentos não eram modificados], passa pelo começo da década de 2000, estudando como os “blocos” da cadeia poderiam armazenar dados e, em 2008, aparece uma solução para o problema de gastos duplicados que havia numa moeda digital lançada em 2005 e… fiat!… nasce bitcoin, habilitado por blockchain. para a quase totalidade dos observadores, uma novidade. mas não, era uma história inteira, pelo menos duas décadas. faltou-nos observar os sinais fracos, para prever aquele futuro. e quais são os sinais fracos, agora?…

muitos. mais do que na década de 1990. ou do que na década de 2000, quando um cientista turco, trabalhando solitário num problema de décadas, criou [em 2007] uma solução teórica -códigos polares- que levou a uma decisão do conselho de uma empresa chinesa [em 2013] de investir centenas de milhões num esforço de engenharia que virou parte do padrão 5G. a conectividade provida por 5G deverá afetar quase todos os mercados e modelos de negócios nas próximas duas a três décadas; uma das estimativas é de um impacto de US$13,2 TRILHÕES [cerca de 9 vezes o PIB do brasil] por ano no PIB do planeta ao redor de 2035, com 22,3 milhões de empregos apenas na rede de valor de 5G propriamente dita.

uma das coisas na qual eu estou prestando atenção é inteligência artificial. e na combinação de quantum computing com artificial intelligence, que pode mudar muito ao nosso redor, inclusive o que são os sistemas computacionais e de informação e como -e por que e para quem, por quem e com que impacto- eles são programados. aí, proteger as pessoas dos algoritmos vai ser fundamental.

outra das coisas que olho o tempo todo é genética, até porque tudo é software e genética ainda mais claramente: os sistemas de informação nos computadores são código sobre substrato de silício; genética, e por conseguinte a vida, é código sobre uma plataforma de carbono. ainda estamos só aprendendo os primeiros passos, especialmente na prática, apesar de james watson, francis crick, maurice wilkins e rosalind franklin terem descoberto a estrutura do DNA em 1953. não se apresse: os computadores de 1976, 40 anos depois de on computable numbers, with an application to the entscheidungsproblem, não eram lá essas coisas. o primeiro smartphone com uma interface e funcionalidades como as de hoje surgiu em 2006, como que comemoração dos 70 anos do artigo de turing, que fundou a computação contemporânea. e 1953 + 70 = 2023. bem na metade de 2021-que-já-é-2025. genética vai dar um salto tão grande, nos próximos anos, especialmente do ponto de vista de impacto direto na vida das pessoas, que não dá pra imaginar hoje. mas os sinais estão aí, é só procurar, inclusive nas vacinas genéticas que estão indo para o mercado enquanto você lê este texto.

21 mas a humanidade ainda não tem um antivírus. e os vírus nos pegam de surpresa há 25 séculos. é muita incompetência. tucídides, na história da guerra do peloponeso [séc. V AC], relatava que “vários métodos foram tentados… [mas] a extensão e a mortalidade da peste […da doença] sobrecarregou todos eles”. parece até que nada mudou. estamos, em 2020, a combater a pandemia com métodos da idade média, como isolamento total e parcial das pessoas. claro que associados a sistemas de diagnóstico e tratamento contemporâneos, mas que de pouco nos adiantaram. ao tempo em que escrevos estas notas, 1.711.805 pessoas já morreram, entre 77.783.803 infectadas, que talvez venham a ter sequelas graves, compromentendo não só sua qualidade de vida, mas a própria vida. e nós, no brasil, não temos nada para comemorar em relação ao que o país -o governo- fez para cuidar das pessoas. fomos um desastre completo, total, desumano.

este vírus não é o último e quase certamente não é o mais agressivo e duradouro. até aqui, tratamos epidemias e pandemias num ciclo interminável de pânico ~ negligência ~ pânico. é preciso repensar tudo que está associado ao risco biológico da e para a humanidade, começando por encontrar um equilíbrio entre humanos e o ambiente. sem isso, o risco biológico só crescerá e seu custo poderá se tornar insustentável.

uma parte não trivial da mudança é que precisamos instalar um antivírus no sistema operacional da humanidade. esse antivírus não está pronto, é preciso um esforço gigantesco para desenvolvê-lo. assim como antivírus de computadores, nunca ficará pronto, terá que evoluir continuamente e, não é apenas um artefato tecnológico, mas um sistema ambiental, social, econômico, tecnológico… que envolve e lida com tudo o que há no planeta. inclusive o poder. não vai ser fácil.

mas é pra isso que estamos aqui, humanos, desde sempre desafiados pelas impossibilidades e dificuldades supostamente intransponíveis da vida, evoluindo. na hora que tivermos inteligência coletiva para descobrir que é muito mais fácil resolver este planeta do que tornar um outro -como marte- habitável, e agirmos sobre tal descoberta, tudo será mais fácil e nos resolveremos. há, claro, a possibilidade de não descobrirmos tal obviedade. sim; neste caso, muito provavelmente só uns poucos de nós conseguirão migrar para outro planeta e, decerto, o destruiremos qual este. nesse caso, nosso epitáfio galático estará escrito nos nossos próprios escombros: foram uma raça de idiotas. tomara que não.

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Este é o terceiro post de uma série dedicada ao metaverso. É muito melhor começar lendo o primeiro [aqui: bit.ly/3yTWa3g], que tem um link pro

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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