em 1589, perto de nottingham, UK, william lee of calverton começou um startup que mudaria a história do planeta. lee inventou a primeira máquina de tricotar e seu plano inicial era muito simples: libertar a multidão –a vasta maioria mulheres- que varava dias e noites tricotando meias, repetindo ad infinitum um conjunto de movimentos que, já no fim do séc. XVI, era possível realizar em uma máquina.
lee teve a atenção de henry, baron hunsdon, que o levou à rainha elizabeth I num dia do verão de 1593; dela, lee queria uma patente para proteger a invenção, e recursos para desenvolvê-la. a rainha teria dito, após ver a demonstração da máquina e seu resultado, uma meia de lã… Thou aimest high, Master Lee. Consider thou what the invention could do to my poor subjects. It would assuredly bring to them ruin by depriving them of employment, thus making them beggars. resumo? sua invenção vai tirar o trabalho de meus muitos súditos que vivem do tricô, mr. lee, e transformá-los em pedintes. por que eu haveria de investir nisso?... nada de patentes ou financiamento da coroa para tal, pois.
dando sequência ao que já era uma disputa secular entre ilha e continente, mr. lee se mudou para a frança com máquinas e bagagens, onde tentou [em rouen] fazer o que não havia conseguido na inglaterra; política, religião e, como se não bastasse, nacionalismo, barraram seu caminho, tornado inviável, de vez, com a morte do rei henri-quatre, de quem lee tinha uma patente. o startup de lee, sem proteção ou fundos, morre em paris [com seu empreendedor] e vai renascer, pelo trabalho de seu irmão james, em london e nottingham, que muito tempo depois se tornaria um dos principais centros da indústria de tecelagem da inglaterra e do mundo.
a história william lee e sua tricotadora automática de meias ilustra uma pequena parte do monte de problemas que interfere e, em muitos casos, mata, os processos de introdução de novas soluções no mercado, especialmente quando as soluções têm grande impacto no status quo, representado por suas muitas facetas. e isso é algo corrente, não se extinguiu na inglaterra de elizabeth I.
bem aqui no brasil, tramitou durante 11 anos na câmara federal o projeto de lei 4502, proposição do então deputado aldo rebelo para… proibir a adoção, pelos órgãos públicos, de inovação tecnológica poupadora de mão-de-obra. elizabeth I, tivesse viva ainda em 1994, não teria feito melhor. se o projeto do nobre deputado tivesse passado à época do correio a cavalo até hoje não haveria sedex. emeio, então?… nem pensar.
por pelo menos uma das definições correntes, william lee criou um robô: uma máquina programável que realiza tarefas; dispositivo que pode ser programado para obedecer instruções e realizar tarefas complicadas que normalmente são realizadas por pessoas. na transição entre os séculos XVI e XVII não havia espaço para muitas inovações, em qualquer lugar. muitas mudanças estavam dando cabo do passado, como a imprensa de tipos móveis [a partir de 1444] e os grandes descobrimentos [dos 1400 aos 1600] mas as conexões globais eram mínimas. se a rainha da inglaterra não lhe desse apoio, quem daria? tirando um ou outro inimigo da própria, como o rei da frança, ninguém. a sorte das inovações não era tão sorte assim, via de regra.
400 anos depois, o mundo está completamente conectado e cada vez mais países disputam a fronteira da eficácia, eficiência e economicidade, para o que educação, ciência, tecnologia, criatividade, inovação e empreendedorismo são essenciais. o resultado mais óbvio é que mudanças que não são feitas aqui [que tal as inovações estruturais de que depende a redução radical do custo brasil, como um exemplo?] encontram seu espaço-tempo algures [esta palavra vem do tempo de william lee… e é mais ou menos onde o brasil está, do ponto de vista de performance… algures!] e nos tornamos, cada vez mais, menos competitivos.
e o que robôs tem a ver com isso? tudo: carl b. frey e michael a. osborne acabam de publicar um trabalho [THE FUTURE OF EMPLOYMENT: How Susceptible Are Jobs To Computerisation?, neste link] no qual propõem uma metodologia para classificar as profissões de acordo com sua susceptibilidade à computorização [ou informatização], levando em conta os últimos resultados em aprendizado de máquina [ML, sistemas de informação que podem aprender comportamentos a partir da análise de {grandes volumes de} dados] e robótica móvel [MR; como diz o nome, robôs que podem se mover no ambiente; a maior parte dos robôs que se usa na indústria, por exemplo, é fixa].
num estudo reportado em um longo texto [72 páginas] frey e osborne apontam que a computorização [quer por software ou robôs] tem alta probabilidade [70% ou mais] de atingir, de forma severa, 47% de todo o trabalho realizado nos EUA. 19% tem uma probabilidade razoável de ser informatizado e 33% corre um baixo risco de ser transformado em atividade meramente computacional nos próximos 20 anos. este resultado é mostrado no gráfico abaixo.
sabe quais são as 10 profissões que têm quase 100% de probabilidade, segundo os autores, de desaparecer nas próximas duas décadas?… a primeira [usando o nome brasileiro] é operador de call center. por que? primeiro, porque parte do trabalho que eles executam já é mediado por software. segundo, porque desenvolvimentos como siri [da apple], humming bird [de google], alpha [wolfram research] começam a, efetivamente, responder perguntas postas por humanos de forma que pode ser comparada a [e em certos casos é melhor que] respostas humanas. e isso, como já aprendemos com william lee lá no começo da conversa, pode levar de 10…100, 200 anos pra substituir humanos em profissões que envolvam perguntas e respostas mas, alguma hora, vai fazê-lo. até porque nós não conhecemos gente o suficiente que queira, pra sempre, operar call centers; hoje, é uma ocupação que demanda muuuita gente, mas é só uma casa de passagem e quem está por lá está, mais sempre do que quase, procurando outro trabalho.
no outro extremo, entre as ocupações que têm quase 0% de serem informatizadas nos próximos 20 anos, a primeira é terapeuta recreacional; entre as 10 primeiras está cirurgião maxilo-buco-facial. difícil imaginar, nos próximos 20 anos, algum tipo de robô ou software fazendo o que eles fazem, certo? e isso também vale para todos os tipos de professores, cuja maior probabilidade de ser informatizado em 20 anos é menor do que 1%.
isso não quer dizer que sua ocupação está totalmente imune à informatização, no período, se você é professor; muito mais provavelmente, quer dizer que muitas de suas funções correntes serão completamente informatizadas e que você [se aplicar seu conhecimento atual e investir tempo e dedicação para subir para os próximos níveis de performance na sua cadeia de valor] não seja descartado, mesmo quando sua ocupação atual seja totalmente computorizada.
aliás, este blog diz, o tempo todo, que tudo é software [veja aqui, por exemplo] e que, hoje, seja lá o que você faz [pra ganhar a vida], você deveria aprender a programar. e olhe lá!… segundo frey e osborne, há 48% de probabilidade das tarefas comumente associadas à programação serem informatizadas nos próximos 20 anos. por que? certo tipo de programação não passa de tradução, seguindo um conjunto de padrões pré-determinados, de especificações para programas; novos desenvolvimentos em linguagens e seu processamento podem tornar boa parte do que hoje é programação em trabalho “de máquina”. e aí?… se programador poderá ser informatizado em 20 [ponha 30, 50 anos…] que tipo de atividade relacionada não será informatizada nem tão cedo? programação. como assim? a probabilidade de computorização do trabalho de engenheiros de sistemas de informação, sempre segundo o trabalho de frey e osborne, é 0.65%, menor do que a de professores do ensino médio, que é de 0.78%.
o que diferencia, tanto, programadores [de software] de engenheiros [do mesmo]? simples: os primeiros são simples tradutores, no caso mais básico, de linguagens. claro que são linguagens bem específicas, o grau de complexidade da tradução não é trivial, etc.; mas há progressos, nesta tradução, que podem eliminar boa parte do trabalho básico de programação nas próximas décadas. e engenheiros de software [ou de sistemas de informação] descobrem ou criam problemas e desenvolvem os métodos para resolvê-los, e isso muda tudo. pois os quatro domínios de atividade no trabalho, considerados por frey e osborne, são os de percepção, manipulação, criatividade e sociabilidade, e nesta ordem de complexidade para informatização. enquanto o trabalho de programação [básica, de tradução entre especificação e programas executáveis] está bem mais associado à percepção e manipulação, as atividades de engenharia [de sistemas, software, ou qualquer outra] estão quase sempre associadas à criatividade e sociabilidade.
engenheiros de software têm que [ou deveriam saber, e ser bons nisso] programar. senão nunca descerão ao detalhe de como são resolvidos, na prática, os problemas que resolvem na teoria. e isso pode fazer a diferença. se você é só programador e reclama que está ganhando pouco… [como falamos aqui, há exatos 3 anos…] saiba que, além do técnicos em programação de que falamos lá atrás, começa a parecer que sua competição [como a dos operadores de call center…] será, em breve, algoritmos. algoritmos que programam. pense nisso.
comece, pois, a subir a escadaria de valor e entender a complexidade de processos que estão por trás, por exemplo, de algoritmos [e sistemas] que podem substituir a programação mais simples. senão, ao invés de continuar ganhando pouco, é capaz de você ver sua profissão extinta, como digitação, que tem 99% de probabilidade de ser totalmente informatizada nas próximas duas décadas, sendo a 11a. profissão com maior chance de sumir de vez. e já não era sem tempo, diria william lee…
revoluções não se antecipam. elas só ocorrem quando têm que ocorrer. há sinais, às vezes tênues, que as prenunciam. alguns são claros e práticos, como a máquina de lee em 1589; ainda assim, foram 200 anos, e na inglaterra, pra revolução da tecelagem “pegar” [e o país sair de 2.400 teares, em 1803, para 14.650 em 1820 e 250.000 em 1857]. o tempo todo, há revoluções começando a acontecer, e o que o trabalho de frey e osborne avisa é que há uma se iniciando, agora, que vai atingir as bases do que a própria revolução industrial estabeleceu nos formatos atuais, o trabalho. quem viver, verá. e quem se preparar continuará trabalhando…