Definindo “o” Metaverso

Imagine o FUTEBOL no METAVERSO: dois times, A e B, jogam nos SEUS estádios, com SUAS bolas e SUAS torcidas. As BOLAS, cada uma num estádio, estão ENREDADAS: um movimento da “bola do estádio A” leva a outro igual da “bola do estádio B”. O time A e sua torcida são “METAVERSADOS” no estádio do time B e vice-versa. E só pra adicionar um pouco de futurismo, a ARBITRAGEM é ARTIFICIAL.

Quão distante está o futebol no metaverso -que poderia ser título de um enredo de escola de samba- dos metaversos rudimentares que andam sendo propostos por quase todo mundo que tem um grande negócio de tecnologia e ainda quer ser relevante na próxima geração da internet?…

Metaverso, uma combinação do prefixo meta [que exprime a ideia de maior generalidade, de nível superior] com universo, caracteriza um suposto ambiente sintético conectado ao mundo físico. A gente poderia parar por aqui, mas isso é muito pouco pra definir o que é o metaverso. É apenas a definição sintática do que poderia ser o metaverso, e não explica quase nada do que a coisa realmente deve[ria] ser.

Em novembro passado, facebook avisou ao mundo que mudaria seu nome pra Meta [“a social technology company”, em Introducing Meta: A Social Technology Company, bit.ly/3KZ0gdq]. Parte da conversa não passa de uma cortina de fumaça para despistar reguladores digitais, de competição e o mercado em geral [Facebook’s ‘Metaverse’ is Nothing but a Smokescreen, bit.ly/34GwD1b] e a outra… bem, vai ser muito difícil sair “um” metaverso de “meta” [Facebook’s metaverse vision questioned by former Nintendo gaming veteran, bit.ly/3KzQcaK].

Mas o que o conglomerado de Zuckerberg quer que seja percebido é mais do que uma simples troca de nome, é o desenvolvimento da nova plataforma social, uma aposta de próximo passo, para além das redes sociais como elas são hoje. Estas, de resto, no modelo zuckerberguiano de literalmente cercar usuários qual gado e explorar, minerando seus dados, em benefício apenas da própria rede social, estão com os dias contados. Mas tudo pode piorar, muito, sendo facebook o que é, e sem mudar sua filosofia, que exige muito mais do que uma troca de nome [Everything Facebook did badly could be much worse in the metaverse, bit.ly/3tVw4ZT]. 

O metaverso não foi concebido, nem criado, por alguma “companhia de tecnologia social” nem existe em nenhuma delas; o que elas e outros gigantes digitais estão fazendo é o equivalente a um ‘terminological land grab’ [Wired’s top editor: Metaverse ‘feels like a terminological land grab’, cnn.it/3iCTM7W]. Há 30 anos, Neal Stephenson apareceu com uma linguagem que programa[va] o tronco encefálico, que “é” [ou onde “está”] o BIOS [o sistema básico de entrada e saída, como nos computadores] do cérebro. Mas não só: como dá pra programar o cérebro [sempre deu: educação é o que?], há [pelo menos] um vírus que “salta” dos sistemas de informação, afeta o cérebro de humanos e causa danos irreversíveis. Era SNOW CRASH, em 1992, a novela que, aí sim, “criou” o METAVERSO [Snow Crash, bit.ly/3ib0XEg].

Antes de falar sobre metaversos em geral, seria bom definir o que é -ou deveria ser- “o” metaverso, ou o que é desejável, viável e exequível como “um” metaverso. Um dos melhores pontos de partida para tal é um texto de Matthew Ball, onde se trata das características essenciais de um possível metaverso e, talvez até melhor, no momento, do que não é um metaverso de jeito nenhum. Porque, de repente, no liquidificador de ideias vagas e proposições em valor, passando por delírios de uso e experiências sem noção, tudo é, ou está, no metaverso. Não só toda realidade virtual ou aumentada e, claro, os jogos “são” metaversos ou metaversinhos mas até os desfiles de moda no YouTube, dizem, agora fazem parte do metaverso. 

Ball diz [em Framework for the Metaverse, bit.ly/30hLQTD] que o metaverso é… “uma rede massiva e interoperável de mundos virtuais renderizados em tempo real, que podem ser experimentados de forma síncrona e persistente por um número efetivamente ilimitado de usuários com um senso de presença individual e onde dados relacionados a identidade, histórico, direitos, objetos, comunicação e pagamentos existem de forma contínua”. Leia de novo e pense… será que já existe uma coisa destas por aí? Não, né?… Nem perto.

Desta definição muito sintética saem as sete características de Ball para o metaverso [em The Metaverse: What It Is, Where to Find it, and Who Will Build It, bit.ly/3j6Qw40], que usei como base para as dez fundações do que poderia ser, hoje, uma definição de um metaverso onde a gente pudesse ter [e ver, ouvir, participar, torcer…] o jogo de futebol do primeiro parágrafo. Lembrando que “o” metaverso não será uma coisa feita e provida por um único negócio, assim como não foi a AOL [America On-Line, bit.ly/3isvJIV, lembra?…] que nos entregou a experiência da Internet… nem a Embratel, em sua época de estatal, quando queria ser “a” Internet brasileira, o único provedor -porque detinha, antes, o monopólio das conexões entre as redes estaduais e era a única conexão do Brasil com o mundo.

O que é o metaverso?…

1 O metaverso é parte da realidade, não é uma alternativa a ela, nem uma fuga dela. Ao mesmo tempo, quase nunca faz ou fará sentido replicar, no metaverso, parte da realidade física do mundo “aqui fora”. O espaço virtual é tão real quanto o espaço físico; pois o real é a combinação do concreto e do virtual [ou abstrato]. Marcas “copiando” artefatos físicos [como prédios e produtos…] para o metaverso não estão construindo comunidades virtuais habilitadas por elas, estão trombando em e com redes de comunidades que já existem e estão explorando possibilidades reais do metaverso, que envolve [por exemplo] a ausência de leis da física e a oportunidade de reimaginar “o universo”, com outras dimensões, leis, portais [em Roblox, por exemplo: Play Tunneler, The Portal Tribute…, bit.ly/3uwfWyc]. 

Nas alternativas de caminhos sendo tentados para criar metaversos, uns estão vindo do virtual para o físico [ou ficando só no virtual, como modelagem do mundo…] e outros já vêm tentando o caminho do físico, aumentado pelo digital, para se tornar a “nova” realidade. É quase certo que VR [virtual reality, ou realidade virtual] não fará o suficiente para criar os verdadeiros metaversos; parece muito mais interessante tentar o caminho AR [augmented reality, realidade aumentada], que alguns dizem ser o futuro, seja lá qual for a realidade do metaverso [veja There are two kinds of Metaverse. Only one will inherit the Earth, em bit.ly/3K4Lpyg]. A gente vai voltar ao tema quando falar sobre experiência no metaverso.

2 O metaverso é figital: há uma transição, acelerada nos últimos dois anos, do universo físico [das dimensões largura, profundidade, altura e tempo] para o figital [das dimensões física, aumentada e estendida pela digital, as duas articuladas e orquestradas pela dimensão social -a das conexões, relacionamentos e interações entre agentes- em tempo quase real -o tempo das pessoas, e não dos sistemas ou das organizações] e o metaverso deveria ser… o espaço figital

No mundo figital as fundações para existência, continuidade e sustentabilidade de organizações e negócios não são as mesmas do espaço físico [ver Fundações para os futuros figitais, na TDS.company, [49pp], 2021, bit.ly/futurosfigitais] e as leis, regras e normas do metaverso [quase certamente] irão ser habilitadas por fundações para os futuros figitais. Combinação do concreto e do virtual, o metaverso existe no espaço, e no futuro, figital.

3 O metaverso é persistente: a componente virtual do metaverso “continua existindo e evoluindo internamente mesmo quando não há ninguém interagindo com ela” [Richard Bartle, em Persistent world, bit.ly/3IyrCW5]. Logo, o metaverso nunca pausa, recomeça ou termina… e, se “cai”, teria que continuar de “onde” estava no momento da queda. É bom notar que, não por acaso o universo [físico, percebido] é [completamente] persistente: nunca pausa, nem recomeça, tampouco termina. O que não significa que o metaverso lida apropriadamente com o tempo, até porque “a distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente” [Einstein, em A Debate Over the Physics of Time, bit.ly/3qUJ2X5]. 

Mesmo que “informação dissolva a realidade” [Byung-Chul Han, em “I Practise Philosophy as Art”, bit.ly/37D6Ojv], e por mais realista e persistente que seja o metaverso, a dimensão física da realidade [humana] é incontornável, e por mais que o metaverso tente aproximá-la, será sempre aproximação. Nenhuma tecnologia, hoje, é uma fuga da condição humana [Reality Mugs The Metaverse, bit.ly/3whIHRJ]. Deve-se notar que a persistência da dimensão abstrata do metaverso se aproxima, mas nunca iguala a da dimensão concreta, a não ser no colapso desta, quando ambas chegam ao fim.

4 O metaverso é síncrono, ao vivo: os eventos virtuais acontecem “como” na dimensão física da vida real, em tempo [quase] real e o que acontece no metaverso deverá [ou deveria] ser consistente com a experiência humana fora dele. Certamente não a ponto de “unificar” percepções de mente e matéria [veja Mind vs. Matter em bit.ly/3LpRMfH], pelo menos no futuro próximo, mas capaz de trazer de volta a discussão sobre sincronicidade e “conexões não causais”  [em When quantum physics met psychiatry, go.nature.com/3DiyR3H].

Não ajuda muito quando ainda se trata, até na academia, de uma dualidade real vs. virtual, ou de um continuum real-virtual [veja em Revisiting Milgram and Kishino’s Reality-Virtuality Continuum, bit.ly/35BfW7R], ao invés de se revisar conceitos de um quarto de século e tratar o real como o conjunto de todas as experiências concretas e abstratas. Um dia [quem sabe? Veja… The Virtual as the Digital, em bit.ly/3LAFIZd] a gente chega lá.

Ao imaginar possibilidades, note que estamos falando da experiência humana, e não da experiência de “usuário”, no mundo real, que inclui as facetas concretas e abstratas de nossas experiências como pessoas. A dimensão virtual da realidade pode habilitar, estender, aumentar e… diminuir, restringir os limites de nossas experiências como um todo. Em particular, o “síncrono, ao vivo” do metaverso poderá sustentar classes de experiências fluidas, centradas em pessoas, que poderão mudar de vez o entendimento do que presença “física” [num campus de universidade, por exemplo, em Metaverse for Social Good: A University Campus Prototype, bit.ly/3wPPS40] pode significar. 

Mas alguma vez, em algum lugar, você já deve ter ouvido que “…é possível, nada impede, mas o sistema não permite”. O sistema, os sistemas, estão sendo codificados há décadas e cada um é uma simulação, uma virtualização de uma pequena fração do universo aqui fora. Estendendo a interpretação dos significados, o metaverso está sendo construído desde que começamos a programar computadores…

5 O metaverso é aberto, descentralizado, distribuído e interoperável: porque “eu” quero levar todas as coisas que são “minhas” para onde eu for… e porque “o” metaverso, quando existir, será uma rede de redes figitais, interconectadas. Se tudo der certo, e “eu” estiver numas redes e “você” noutras, “nós” vamos conseguir nos conectar, criar relacionamentos e realizar interações sem que “eu” precise ir pra uma das “suas” redes ou vice-versa. 

É sempre bom insistir que descentralizado e distribuído são duas coisas diferentes; a primeira é o oposto de centralizado e a segunda, de concentrado. E nós precisamos das duas coisas no metaverso, simultaneamente: descentralização e distribuição são as chaves da abertura tanto no acesso quando na tomada de decisão no ecossistema e, na ausência de autoridade central, uma vacina contra censura, quer de membros ou de suas ações [ver Decentralized vs. Distributed Organization: Blockchain, Machine Learning and the Future of the Digital Platform, em bit.ly/3tXGV6H]. 

Interoperabilidade exige protocolos e padrões de conexões, relacionamentos e interações abertas, [tão] seguros [quanto economicamente possível] e resilientes ao extremo. Difícil de desenhar, pois deve ser feito em rede, por coopetidores; ainda mais difícil de implementar, já que exige esforço contínuo e complexo, sem interrupção e, se o histórico das pontes [bridges] entre blockchains servir de exemplo [Blockchains Have a ‘Bridge’ Problem, and Hackers Know It, bit.ly/3LAlGxZ], muito difícil, quase impossível de manter, a menos que se leve o assunto muito a sério.

Uma das “colisões” entre o universo e o metaverso são os gêmeos digitais [veja Converging the physical and digital with digital twins…, bit.ly/3K05qWv], uma gama de virtualizações que vai de cervejarias a turbinas eólicas, passando por [modelos de] seres humanos e muito mais. Em tese, em muitos casos, a “representação” de um objeto [do universo “aqui fora”] por um agente no metaverso pode se tornar essencial -ou até vital, mesmo- para o funcionamento -ou a continuidade da existência- do objeto físico “do lado de cá”. Se um gêmeo digital só puder existir em uma instância de algum metaverso, e esta “cair”… ou deixar de existir…

6 O metaverso é massivo, sem limite de usuários, habilita um sentimento individual de presença e deve ter um conjunto mínimo de garantias “constitucionais” de identidade, privacidade, propriedade, expressão, informação em e entre instâncias diferentes de metaversos. Garantias de identidade em última análise implicam que não é “o” metaverso que controla a minha identidade, sou “eu”; minha identidade é soberana. Cada indivíduo cria e controla sua credencial de forma autônoma, como uma auto-identidade [veja Analysis of Digital Sovereignty and Identity…, bit.ly/3po0UJ5]. Parece estranho, mas normal; e um certo “de volta para o passado”; lá, você era quem você quisesse, quando você quisesse. Foi a complexificação e padronização das sociedades que mudou tudo, no que foi copiada pelos sistemas de informação, especialmente os online. Hora de voltar às raízes.

Massivo quer dizer não só que pode haver um número muito grande de usuários, mas que muita gente poderá participar, como agente de primeira grandeza, dos mesmos contextos, como eventos. Pense milhões de “pessoas” numa passeata no metaverso, com cartazes e palavras de ordem contra a ditadura: daria para todos participarem, verem e ouvirem, “no mesmo contexto e ao mesmo tempo”.  Ou seja, o nível de fragmentação do metaverso será muito baixo ou não existente. O problema é como fazer isso; arquitetura de software ainda é, em parte, arte. O metaverso será [certamente] uma rede de sistemas de informação e pelo menos alguns deles terão centenas de milhões de usuários ao mesmo tempo, em certas ocasiões. O desenho de software dessa classe é algo muito complexo [pra ter uma ideia, veja How to design a system to scale to your first 100 million users, bit.ly/3Dv8CqR e RP1, em bit.ly/3NNw86Y] e o de conjuntos de sistemas que permitiriam, de forma distribuída, 100 milhões de pessoas no mesmo evento… ainda é ficção.

Massivo e individual quer dizer que [veja Design principles for virtual worlds, bit.ly/3LFc7hmagentes quaisquer, no metaverso, são -no mínimo…- autônomos [não há um controle central…] e há interatividade local [os agentes reagem e/ou interagem com outros e com aspectos do ambiente local], presença espacial [agentes estão posicionados e agem em -dentro de- alguma forma de espaço n-dimensional], regras de engajamento [agentes se comportam de acordo com certas regras, que podem mudar no tempo], percepção [os agentes podem “sentir” sua vizinhança, inclusive a presença de outros agentes], memória [os agentes podem ser capazes de registrar pelo menos algumas de suas percepções], comunicação [os agentes podem ser capazes de se comunicar com outros agentes…] e movimento [os agentes podem se movimentar no “território”]. Difícil. Mas ninguém nunca disse que iria ser fácil.

7 O metaverso é uma economia 100% funcional, onde todos os indivíduos e negócios podem criar, possuir, investir, vender e serem recompensados por “trabalho” que produz “valor” reconhecido por outros como experiência figital, nas dimensões física, digital e social, em redes públicas e privadas e plataformas abertas e fechadas. As estruturas de monetização de metaversos ainda são temas de acirrado debate, e há quem diga, com todas as letras, que ninguém sabe como alguém vai comprar qualquer coisa por lá [veja em bit.ly/3uOXHV4] apesar de já ter gente comprando, e muito [veja cnb.cx/3IXn1gp]. . 

Uma das teses sobre a economia do metaverso é que seu suporte serão redes entre pares [peer-to-peer] que gerenciam registros interligados por alguma forma de criptografia. Dito de outra forma, o metaverso será um ecossistema e a plataforma que o habilita será uma rede de blockchains. Não “um” blockchain, mas redes deles. É capaz, aliás, de haver conexões entre a identidade no metaverso e a que existe numa “wallet” criptográfica, que você poderá usar para realizar transações lá [no metaverso] e cá [no mundo físico]. Mas, daqui pra lá, vai passar muita água por baixo de pontes [concretas], ainda [veja The metaverse is money and crypto is king – why you’ll be on a blockchain…, em bit.ly/3uMoBwN].

Olhando a história da internet, Web 1.0 foi o estágio [centralizado] onde pessoas [fora das empresas] podiam essencialmente ler [e fazer transações básicas, como pagar contas e comprar coisas]. Web 2.0 se refere ao tempo em que as pessoas começaram a escrever na [e em, e na] rede: criar conteúdo multimídia, em blogs e redes sociais, criar conexões, relacionamentos e interações, e criar código e novos sistemas de forma descentralizada, onde cada um pode fazer e faz, mas tudo está, ao fim e ao cabo, sobre e sob controle de plataformas de grandes empresas. 

É muito provável que o metaverso comece a aparecer na Web 3.0, o estágio atual da internet [veja Web 3 and the Metaverse Are Not the Same, bit.ly/3J1b3SX; Web3: Decentralization, Property and Metaverse, bit.ly/3u1lXns; The Important Difference Between Web3 And The Metaverse, bit.ly/3iVf15f] em que conexões, relacionamentos, interações, conteúdo, sistemas e mecanismos de articulação e criação de consenso e confiança estão passando a ser desenvolvidos e mantidos por pessoas, de forma descentralizada e distribuída. Na Web 3.0, o poder do estado e de grandes empresas [em especial as de informação] passa a ser severamente questionado pelas pessoas, em rede, que deixam de depender de agentes centrais cujo papel legado era o de mediar as relações [sociais e econômicas] entre agentes desconhecidos e sem confiança mútua.

A governança da economia do metaverso deveria -ou deverá, nos que forem sustentáveis- ser descentralizada e distribuída [veja All One Needs to Know about Metaverse…, em bit.ly/3r0rKYz] e a abertura do metaverso deve significar que seus provedores criam mais valor do que capturam, quando considerados suas receitas, valor das empresas e tudo mais [ver Tim Sweeney: The open metaverse requires companies to have enlightened self-interest, em bit.ly/376joHT e Why an open metaverse economy might be coming soon, em https://bit.ly/3DzL4RJ].  

As empresas que estão tentando criar metaversos deveriam rever e refletir sobre seus propósitos, objetivos e desenhos porque, do lado de cá, as pessoas não querem mais do mesmo, que é serem exploradas às centenas de milhões, como força de trabalho gratuita, ou quase, para o benefício de alguns poucos trilionários e seus acionistas [veja em Big Tech Needs to Stop Trying to Make Their Metaverse Happen, https://bit.ly/3JJco2b]. 

8 O metaverso é uma rede de performances criativas e tem diversidade como base: tal qual o mundo físico, quanto mais diversidade e criatividade, mais adaptação, mais evolução e transformação, mais sustentabilidade. Milhões, talvez bilhões de pessoas se dediquem à tarefa de criar artefatos virtuais, cada um usando da melhor forma que pode as tecnologias de realização à sua disposição, num processo de aprendizado global sem precedentes na história da humanidade. A vasta maioria destas criações será provavelmente tão limitada quanto mensagens em WhatsApp, mas cada escolha de cor de boné, cada button criado será obra de um criador no metaverso. Muito diferente de escolher a cor do mesmo boné a comprar num ecommerce na Web 2.0, a cor do boné do metaverso será resultado de um ato criativo.

Será que as escolas do futuro -ou melhor, do presente- deveriam preparar as pessoas para uma vida mais criativa [veja Synthetic Worlds, Synthetic Strategies: Attaining Creativity in the Metaverse, em bit.ly/3uTmuaw], até porque o meio -o metaverso- talvez se dissemine em escala global, especialmente se as interfaces para presença e interação passarem a ter preços bem mais acessíveis? E lembrando que criação, no metaverso, poderá parecer muito mais com brincar do que com estudar? Na referência acima, Huizinga diz que… “Brincar é liberdade. Brincar é extraordinário. O jogo é distinto do comum tanto na localidade quanto duração. Brincar é divertido”…

O trabalho é -ou deveria ser- uma performance criativa, em rede. Uma pergunta que já tem muitas respostas [mesmo que ainda não tenha sido feita como deveria] é… será que o trabalho, ou que parte dele, vai para o metaverso? Durante a pandemia, vivemos um surto de trabalho remoto, não necessariamente descentralizado nem distribuído, e o aprendizado desse período mostra que enquanto muitos grupos e empresas descobriram novas formas de articulação, outros sofreram muito, com uma clara queda de performance e ameaça à cultura do negócio e sua sobrevivência. As ferramentas digitais que usamos são legadas, já, e nada similar a um “metaverso do trabalho” surgiu na pandemia, até porque não houve tempo para tal. Aliás… um metaverso “só” para o trabalho não seria, de verdade, um deles.

Pode muito bem ser que o trabalho híbrido seja parte metaverso, parte universo, ao invés de ser parte online e outra offline [veja Creativity in the metaverse: is distributed innovation possible?, https://bit.ly/3DPzQc1]. Se for, os trabalhadores deveriam ter um papel central na criação e construção das instâncias “de trabalho” do metaverso, assim como os artistas querem ter parte na definição e evolução do “seu”metaverso [veja Let the Creator Economy Build the Metaverse, em https://bit.ly/3LJdeg1]. Nada mais óbvio. 

9 O metaverso é uma rede de comunidades: tanto quanto plataformas que habilitam ecossistemas [todo metaverso será um deles…] e redes sociais [idem], o metaverso deve seguir três princípios de design, correspondentes a três níveis de participação individual e de grupos no ecossistema [veja The 3 Social Layers of Platform Design, em bit.ly/2x7ETpx]. Primeiro, quanto aos indivíduos: um vetor de conveniência deve cuidar da solução de problemas da forma mais fácil, mais barata e rápida possível; outro, de empoderamento, deve tratar todos os indivíduos como produtores em potencial. Em relação aos grupos, um vetor de confiança deve reduzir conflitos de interesse e aumentar interações, através de intermediação e outro, de motivação, deve aumentar o valor das interações, auxiliando agentes a criar valor contextual. Por fim, do ponto de vista do ecossistema, um vetor de economicidade deve aumentar o valor dos bens comuns disponíveis para todos na rede e outro, final, de sustentabilidade, para reduzir as responsabilizações e os riscos de colapso sistêmico.

Em A Manifesto for the Metaverse [bit.ly/3iZsn03] Lesmes & Hellberg estabelecem, logo no primeiro dos oito itens do manifesto, que uma “Infraestrutura do Portal Cívico para o Mundo Virtual” deveria ser… “consistente, estável, confiável, genuína, apropriada”… porque “a maneira como nos movemos no mundo virtual depende de espaços [de acesso] seguros e confiáveis que não mudam a cada atualização. A evolução das comunidades requer, como base, um grau de estabilidade e certeza”. Não só: é preciso pensar e agir de forma “cívica, pública e comunitária”, “barata, eficiente, acessível e sustentável” e pensada ao redor de uma “trama, entrelaçada e interligada”.

As próximas décadas serão de um entrelaçamento cada vez maior entre o concreto e o abstrato, entre o físico e o digital e social. Os protocolos para tal estão sendo pensados e estabelecidos agora. Se hoje ainda temos uma rede [a internet] quase aberta [a menos de monopólios, oligopólios, balcanização e censura estatal] é porque, há mais de 50 anos, a rede das redes foi desenhada como uma “trama, entrelaçada e interligada”. Tá na hora de fazer exatamente isso, de novo.

10 O metaverso é sustentável, e economicidade é um dos seus pilares. Nem tudo será possível no metaverso, ao contrário do que alguns utópicos pensam [veja Metaverse —A new world for digital designers?, em bit.ly/3u6GvLD]. No fim das contas, o que você criar no Metaverso terá que ser executado por algum tipo de infraestrutura, entregue por serviços a aplicações que estarão nas mãos, nos rostos ou implantes de pessoas, nas ruas, nas casas e nas fazendas. A um custo. De uma galeria de arte digital a uma sala de operação figital, num hospital de periferia com os melhores médicos do mundo na rede, na “sala”, passando por gêmeos digitais de turbinas eólicas convivendo com a previsão do tempo nos mínimos detalhes, com oito dias de antecedência [Global and Regional Weather Forecast Accuracy Overview, em bit.ly/3NI831B]… alguém há de pagar a conta.

E a conta recorrente do Metaverso vai vir em energia. Sabe facebook, a turma que disse que iria construir “o” metaverso, lá do começo de nosso texto? Em 2019, eles consumiram 5,1TWh [terawatt-hora] de eletricidade, algo como um dia do consumo anual da Índia, ou metade do consumo anual da Guatemala. Se houver um metaverso que “zera” o impacto ambiental de viagens para participar de eventos, reuniões, conselhos… palestras, aulas, seu impacto será imenso, do ponto de vista de melhoria da relação energia por resultado. 

Mas a Intel estima [What Does the Metaverse Mean for the Future of Energy Consumption?, bit.ly/3uULm1B] uma infraestrutura ~1.000 vezes maior do que a existente hoje para suportar o que se imagina que venha a ser a demanda computacional do metaverso. Se isso se confirmar e sem uma transformação radical da eficiência energética do hardware e software “do” metaverso, só o “de” facebook [numa conta de padaria] consumiria 5,100TWh  E isso é 31% acima do consumo dos EUA em 2021, o que tornaria a iniciativa de facebook absolutamente insustentável, não só porque não haveria como pagar a conta, mas porque não haveria tanta energia para ser usada [pelo menos nas próximas décadas].

Os custos do metaverso, claro, não são só de energia e de investimento das empresas em software e hardware. Tomara que, quando der certo, nem haja investimento de empresas em software e hardware, aliás: que seja tudo descentralizado e distribuído. Ainda assim, os custos cognitivos, de desenvolvimento, de operação, adaptação, evolução e transformação estarão lá, e alguém há de pagar.

E parece que você [e eu!] não mais seremos usados como moeda de troca por uso gratuito. O Digital Markets Act [da União Europeia, bit.ly/3IYS77y] criou um conjunto de obrigações de grandes plataformas digitais que vale, agora, para o que vier daqui pra frente, metaverso ou não. Parte do DMA dá conta das fundações que usamos aqui para definir o que deveria ser “o” metaverso, e parte não. Mas um dia o DMA chegará lá também, assim como outros espaços regulatórios, e mais cedo do que pensávamos até agora. Porque as redes sociais -e plataformas que habilitam ecossistemas-, predecessores do metaverso, abocanharam muito mais poder e capacidade de manipulação da sociedade do que deveriam, sem que ninguém desse conta, até porque não se entendia o como e porque, o que já não é mais o caso. 

Haverá metaversos, quando houver. Mas eles não existirão no faroeste digital onde redes sociais de mega plataformas digitais se tornaram as donas das vidas digitais das pessoas, incentivando sua permanência e participação cada vez maior e mais intensa em ciclos viciosos de conexões, relacionamentos, interações e informação que não necessariamente lhes intereressam, recomendando sua entrada em labirintos digitais e sociais de onde poucos, sem ajuda, podem sair.

A utopia de metaversos das pessoas, para as pessoas, pelas pessoas pode ser inatingível e quase certamente sofrerá tentativas de sequestro por empreendedores, desenvolvedores e investidores. Resta pensar no espaço regulatório e o que, nele, desenhar para garantir que, sabendo o que sabemos sobre redes sociais, iremos, como sociedade global, fomentar o desenvolvimento de metaversos que nos ajudem na nossa própria transformação de bandos de seres humanos em humanidade, o grande desafio do século XXI.

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Claro que dá pra trilhar caminhos que levam ao atendimento destas definições -e refiná-las, certamente- a partir do que já se experimentou em jogos [como World of Warcraft e Ultima Online…] e pré-metaversos como Second Life. Este último estava duas décadas antes do seu tempo, mas resistiu e ainda existe, hoje, além de ser lucrativo. Era bom ouvir seus criadores [veja Philip Rosedale, o criador de Second Life, em How to Build a Better Metaverse, bit.ly/3G6wnVW] e tentar combinar possibilidades reais com experiências e expectativas para não errar, de novo, por excesso de expectativas irreais.

Um monte de gente está ensaiando o enredo de suas propostas de metaversos, mas é muito provável que poucos destes cheguem em qualquer lugar perto do que definimos como o metaverso, e ainda menos deles sobrevivam por muito tempo tentando. Porque a verdade é que custa muito tentar, é um ensaio onde se vão muitos bilhões de dólares. E por ano, em alguns casos [veja How To Enter The Metaverse – A Step-by-Step Guide, em bit.ly/3K4ocfz]. 

Se você achou que o metaverso é difícil de entender, clique em bit.ly/3Lx8pq0 [Even Physicists Find the Multiverse Faintly Disturbing] e tente entender o multiverso. Aí é que é complicado mesmo. Melhor a gente ficar por aqui. Pelo menos até uma próxima edição, quando se poderia falar sobre… o que fazer no metaverso, se ele existisse?

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Efeitos de Rede e Ecossistemas Figitais [iv]

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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