o texto anterior deste blog tratou de espaços para inovação [e criatividade], usando como exemplo um “veículo” desenvolvido em taperoá, no interior da paraíba. e isso levou a uma discussão [via twitter] com marcelo tas sobre criatividade, inovação, o brasil, suas periferias e as condições, lá longe, de desenvolvimento de novos produtos e serviços.
o que, por sua vez, levou à procura de referências brasileiras sobre o assunto e à dissertação de mestrado de rodrigo boufleur, a questão da gambiarra: formas alternativas de desenvolver artefatos e suas relações com o design de produtos, onde se desenha, logo na abertura, uma definição e contextualização do tema:
Dentre diversos significados relacionados, o termo gambiarra vem sendo freqüentemente usado de maneira informal para identificar formas de improvisação: adaptações, adequações, ajustes, consertos, reparos, encaixes, emendas, remendos, inventos inteiros, engenhocas, geringonças.
A despeito das depreciações que se costumam atribuir a alguns destes tipos de procedimentos – em muitos casos com total fundamento, na qualidade de “precário”, “feio”, “malandro”, “tosco”, o termo gambiarra recebe também conotações positivas. Acompanhando um momento de mudança na maneira como alguns pensadores e a própria população brasileira têm enxergado sua cultura e identidade, o termo gambiarra tem sido remetido à idéia do pronunciado “jeitinho brasileiro”, numa visão que busca enfatizar em seu próprio povo, uma propensão ao espírito criativo, à capacidade inventiva e inovadora, à inteligência e dinâmica da cultura popular; levando em consideração a conjuntura de adversidades e vicissitudes às quais todos nós (muitos evidentemente mais) estamos expostos; entendendo-a como uma prática que se aproxima de conceitos como reutilização/reciclagem ou bricolagem.
Independentemente de questões vernaculares, o termo gambiarra é usado por muitos para definir qualquer procedimento necessário para a constituição de um artefato ou objeto utilitário improvisado. Neste sentido, sob a ótica da cultura material, o termo gambiarra pode ser entendido como uma forma alternativa de design: Gambiarra é uma forma heteróclita de desenvolver uma solução funcional / aplicada. Ou seja, um processo baseado no raciocínio projetivo imediato, elaborado a partir de uma necessidade particular ou algum recurso material disponível – os quais proporcionam a constituição de um artefato de maneira improvisada. Esta relação nos leva a compreender a gambiarra como um paradigma paralelo, o qual surge a partir dos limites e dos impactos proporcionados pelo modelo industrial de produção e consumo. Se a atividade do design de produtos se define, não pelo estilismo, mas principalmente pelo desenvolvimento de artefatos (sejam eles industriais ou não), então na essência, design e gambiarra são procedimentos similares.
O que tende a ser diferente, são alguns fatores relacionados a cada contexto que podem variar, como por exemplo, a tecnologia empregada, os métodos, a infra-estrutura envolvida (fábrica, pessoas, equipamentos, matéria-prima, etc), o processo industrial, seus propósitos políticos e alguns objetivos corporativos, como por exemplo, para quem, porquê e para quê se produz.
O intuito de relacionar os termos design e gambiarra nos induz a uma reflexão sobre valores, mitos e significados, as contribuições e conseqüências dos objetos na configuração da cultura e no desenvolvimento da sociedade pós-moderna. A questão da gambiarra envolve temas como o desenho de artefatos, o resgate da função social do design, a problemática do lixo, o contexto da indiossincrasia e das necessidades específicas, bem como a identidade da cultura material brasileira.
lá no meio da conversa, rodrigo chega no ponto: design e gambiarra são a mesma coisa. gambiarra é design limitado por restrições de conhecimento, ambiente, meios… a gambiarra é design na periferia. o diagrama abaixo [também da dissertação] dá uma idéia geral da conversa. pra quem estiver interessado, a dissertação, com muitas imagens legais, está neste link. boa leitura.