estamos em 2012, quase 13. e a indústria de TICs brasileira continua em tempos de reserva de mercado. há pouco, um grupo pediu “regras mais duras” em prol de mais conteúdo nacional nos equipamentos de informática e telecomunicações. a pedida é sair de 30 para 90% de partes e peças brasileiras nos produtos que têm incentivo para produção no país. a ideia da “reserva” vem de 1972, com a criação da CAPRE, e foi flexibilizada em 1992. na prática, 20 anos depois, só quem fabrica [ou monta, na maioria dos casos] TICs no brasil compete no mercado local. sem os “incentivos” para produção, a importação resulta em preços astronômicos.
pra saber o começo da história, invista um tempo lendo um artigo de 1983 que dá uma ideia do drama da época. o parágrafo mostrado abaixo é parte do texto.
é 2012, 40 anos depois de 1972. naquele tempo, como diz a bíblia, o mercado local [nacional] era elemento essencial do pensamento econômico; acesso ao mercado, então, era questão de segurança nacional. o mundo ainda ia se globalizar. produzir hardware era imperativo nacional; havia a percepção de que esta indústria iria ser estratégica e que, num mercado do tamanho do nosso, as oportunidades seriam de classe mundial. em algum ponto no tempo, entre os idealistas e estrategistas de 72 e os negócios de 2012, o brasil passou olhar só para o próprio mercado, quem sabe como consequência dos “custos brasil”, este emaranhado de complicações que faz quase qualquer coisa feita aqui só ser competitiva… bem, aqui. resultado?…
o blog já fez longos discursos sobre balança comercial do setor de eletro-eletrônica. pra ler duas coisas, veja este texto de 2008 e este, de 2011. com mais tempo, estude este e seus links, de 2011. a figura ao lado deriva de um fato básico: as redes de valor de TICS, tanto de hardware como de software, são globais. quase tudo o que o leitor está usando de informática, neste momento, é global. da tela do smartphone à fonte do computador, à caixa do PC, o teclado, tudo. sem falar do software: lá no começo da reserva, até se pensou em um sistema operacional “nacional”. mas a ideia não resistiu nem ao mais simples teste de viabilidade. software, codificado em bits e sem peso, roda o mundo em rede num click. e hardware tem preço por peso que torna logística parte marginal do custo em qualquer lugar do mundo. se fosse o contrário, não haveria china e taiwan.
pois bem: como não tratamos os problemas estruturais de produzir hardware em escala e classe mundial [quantidade, qualidade, preço…] no brasil, a agenda de boa parte da indústria [e porque não dizer, do governo] continua centrada em variadas facetas de reserva de mercado para empresas que produzem aqui, e somente para o mercado local. o resultado está na figura: vamos emplacar um déficit de US$30B na balança comercial de hardware, que é deficitária desde sempre. as importações caíram em 2012, sinal de que a economia não anda bem, o que só é desconhecido pela parte do governo que cuida dela. mas as exportações caíram ainda mais, e o déficit vai aumentar em relação a 2011.
e o que fazemos para mudar isso? nada. a iniciativa privada pede mais reserva de mercado. o governo, ciente da complexidade dos problemas que deveria tratar, anda de lado. afinal de contas, não é moleza: precisamos de reformas tributária, fiscal, previdenciária, alfandegária, burocrática, educacional, política e por aí vai. ao invés de cuidar disso tudo, que certamente é essencial para o futuro do país, o que vemos é uma sucessão de remendos de curto prazo que só nos leva até o limite do fôlego do último ajuste.
resultado? o investimento nacional em software e serviços, como fração do total investido em TICs, é menor do que o da bolívia. acredite, lá se investe 14% e nós, 11%. e não é porque somos mais eficazes: nos EUA, são 43%. ouça carlos afonso, do cgi.BR: "As nossas políticas são equivocadas. Não estamos conseguindo formar mão de obra qualificada. Não conseguimos vender para o exterior, tampouco atendemos a nossa forte demanda interna". tá bem aqui.
mas o que software e serviços estão fazendo aqui? simples: hardware não resolve nenhum problema; quem nos dá as funcionalidades que tornam a vida mais fácil e faz as empresas [e máquinas, a rede e tudo mais] funcionarem é software. como se não bastasse, boa parte de todo o hardware é commodity, que pode ser produzido em qualquer lugar. e que sempre será feito onde for mais eficaz e eficiente fazê-lo. como shenzhen, onde se faz um tablet de 80 reais [veja neste link].
aqui, ainda não escapamos da armadilha da reserva de mercado pra hardware, de onde parece que nunca vamos sair, pelo menos no passo e compasso atuais. olhe a imagem abaixo, do mesmo texto de 1983…
…e veja que desde 1977 a letra do samba é a mesma: nacionalizar, como princípio unificador da política; e procurar promover software e microeletrônica nacionais. estes dois últimos nunca tiveram uma política de verdade, quando se olha para os recursos investidos em qualquer destas direções, desde o tempo que tecnologia complexa e cara era computador com 2 MEGABYTES, com letra maiúscula e tudo.
há pelo menos 40 anos, pois, porque nossas políticas não levam à formação de capital humano em quantidade e qualidade, não investem como deveriam em inovação e empreendedorismo, não criam um ambiente e capacidade local de investimento [de risco], não simplificam a vida nacional [e a dos empresários e investidores], o brasil perde oportunidades gigantescas nos mercados interno [dominado por empresas globais] e externo [onde raríssimas empresas de capital, conhecimento e tecnologia made in brazil conseguem chegar].
e os empresários, sabendo que o governo [sabe que] não vai resolver os problemas de fundo, tratam de pedir proteção aos céus, ou melhor, brasília. e o planalto, sob pressão, cede aqui, acolá, muda um artigo de resolução ali, lança mais um “plano possível” e resiste a mais uma tentativa da zona franca de manaus de levar toda a produção pra lá. tudo sem um conjunto de estruturas que organize a balbúrdia de demandas das empresas, empreendedores, investidores… e do próprio governo. e não há qualquer sinal ou esperança de que alguma coisa vá mudar de forma muito significativa. só mudaria se a velha e inútil política de substituição de importações fosse substituída por uma politica nacional para competitividade de verdade. mas o custo político, no curto prazo, de realizar mesmo as mudanças essenciais é alto e pode ser punido pelo deus das urnas, o que faz os políticos tremerem e deixar esta história de mudança pra lá. de remendo em remendo, pois, é que se tece, agora e talvez sempre, a vasta teia da falta de competitividade nacional.
o blog, portanto, vai deixar este artigo prontinho para ser republicado nos 50 anos da reserva de mercado, em 2022, 200 anos da independência, quando certamente haverá um grande número de grupos empresariais que não consegue competir nos mercados internacionais, em boa medida por causa dos deveres de casa que o país quase certamente não terá feito nos próximos dez anos… pedindo mais reserva de mercado para a indústria “nacional”. até lá.