este texto tem origem numa discussão [em grupos de zap, que depois se tornaram mesas de bar…] sobre o protagonismo do brasil em um particular cenário de/para inovação [uma certa faceta de aplicações práticas de mecânica quântica…]. a discussão abaixo é uma síntese estendida das conversas sobre onde é que nós, como país, estamos em qualquer cenário mundial de seja lá o que for. sem querer fazer uma análise muito detalhada nem acadêmica de como nos situa[r]mos, o texto é uma tentativa de discutir nosso lugar no mundo, hoje. nada formal e, portanto, sem intenção de ser uma pedra fundamental de discussões de maior porte. é apenas uma reflexão sobre como a gente se perde imaginando o brasil como hospedeiro de soluções de outras paradas, usando alguns dados para pensar no futuro. em particular, o foco deste texto [lá no fim] é inovação e porque a gente ainda não se descobriu como um lugar onde ela é a chave do futuro.
há anos que reflito sobre as comparações que fazemos e os alvos que escolhemos para nós próprios. isso me levou a achar que muita gente que pensa o brasil e faz planos pra mudar o estado de coisas por aqui comete um erro fundamental ao ter aspirações absolutamente incompatíveis com nossa situação, cultura, perspectivas, recursos, limites e restrições, quando levamos em conta a rosa dos ventos de complicações e complexidades que o brasil enfrenta. não de agora, mas desde sempre.
você vê instâncias desse pensamento quando ouve os comentários de especialistas sobre o sistema educacional da finlândia e cingapura, o modelo de inovação e investimento de de israel, a performance do sistema financeiro inglês, a pujança inovadora e de tomada de risco do silicon valley, o crescimento da china, o comportamento social dos japoneses e até sobre a recuperação de medellín, que saiu do caos completo do tráfico para ser uma das cidades mais inovadoras do mundo. destes, o mais próximo, geográfica e temporalmente, é medellín; pena que haja mais especialistas brasileiros em como medellín resolveu [parte dos] seus problemas do que em como o rio de janeiro e o recife deveriam resolver os nossos. essa, sim, parece ser uma síndrome verdadeiramente brasileira: falar sobre as soluções dos outros e agir muito pouco sobre os nossos verdadeiros e profundos problemas.
somos vítimas de um certo ufanismo ingênuo, de nos acharmos o país do futuro há muito tempo. talvez a gente devesse ler mais, nem que fosse ler, pelo menos, o título do livro de stefan zweig corretamente. o original, em alemão, é Ein Land der Zukunft. e o problema começa quando traduzimos o ein, erradamente, como o. esse ein, aí, quer dizer um, e não o, que seria das. como se não bastasse, zweig conseguiu ver um [se tanto] país do futuro numa ditadura, a de vargas, onde se teve que usar as leis de proteção aos animais [da época] para melhorar a condição de humanos nas masmorras do regime. tudo é relativo… e zweig via o brasil com lentes de uma segunda guerra que começava a destruir a europa. em suma, não éramos, lá, o país do futuro e nem, pelo que se sabe até aqui, um país que, ao certo, tinha algum futuro.
mas somos grandes em gente, território e recursos naturais… e não temos, por outro lado, inimigos históricos que nos mantenham em estado de atenção e, vez por outra, guerra. muito menos vivemos algum conflito cultural interno que chegue a ameaçar, de fato, a unidade nacional. só isso, se a gente pensar bem… já seria suficiente para nos dar alguma expectativa de futuro. mas nada é de graça; dos milhares de quilômetros de fronteiras com países amigos chegam as drogas que, há décadas, começaram a transformar a periferia das grandes cidades brasileiras em zonas de guerra que, nos últimos anos, começaram a destruir a malha social de muitas delas.
com as drogas vieram as armas e o crime [quase] [des]organizado, cujas consequências são terríveis. não é nem preciso entrar em detalhe, basta ler o noticiário. se você quiser um dado, foram 63.880 assassinatos em 2017, o que dá 30,8 mortes violentas para 100.000 habitantes por ano. sabe qual é a taxa da finlândia?… 2,2. de portugal?… 1,2. mesmo dos EUA, que é um país já em adiantado estado de subdesenvolvimento?… 17,3. marcou bobeira, eles nos alcançam, ainda mais porque o débil mental que hoje têm como presidente incentiva a violência.
nós não costumamos levar as diferencças em conta e o que mais se vê são brasileiros que têm poder de decisão, nas empresas e governos, querendo copiar -sim, copiar– alguma coisa que viram -e superficialmente, não por acaso- lá fora, aqui. será que isso tem alguma influência quando a gente olha para a educação na finlândia como exemplo para alguma ação aqui… ou para o ambiente de startups em israel como exemplo para o brasil, e para quase qualquer coisa que a china e os EUA fazem como parte das coisas nas quais o brasil também deveria competir? claro que sim. o que quase ninguém quer notar é que a pura e simples transposição de um modelo do que funciona em um país [e sua cultura, e muito mais…] não resolve o problema de um outro, seja ele qual for.
isso não é bom, quase sempre, porque nos põe num beco sem saída onde o único futuro é um profundo sentimento de incompetência [quando se leva em conta o conjunto de fatores envolvidos numa potencial competição…] e desesperança, na maior parte dos casos. e isso acontece porque nós quase nunca nos comparamos com a galera da nossa classe de países; deixamos que outros o façam e entramos no vácuo de suas definições, como foi o caso dos BRICS. o brasil não faz e nunca fez parte dos BRICS. a turma dos RIC, rússia, índia e china, está noutra categoria, muito distante da nossa…
se nos incluíssemos numa categoria de países que fosse compatível com nossos problemas, desafios, oportunidades e meios… qual seria ela? a gente deveria procurar países que não só tem problemas e oportunidades que parecem com os nossos, mas que têm um potencial similar ao nosso. por isso não podemos ser parte de um contexto que inclui rússia, índia e china. os países da nossa classe têm as dificuldades parecidas com as nossas em saúde, educação, segurança, política, indústria,… ciência e tecnologia…, burocracia, corrupção e, quando a gente pensa em futuro, em inovação. tendo as mesmas [classes de] dificuldades, têm um conjunto similar de oportunidades de criação de política e estratégia, e de ação sobre elas.
ao invés de BRICS ou qualquer outra divisão doe um campeonato global de nações, é capaz de estarmos nos BRAMMPITS…
…mas é claro que esta não é a única categoria a que pertencemos. se o contexto fosse futebol, só nós e o méxico, do grupo acima, faríamos parte do mesmo time. mas não é bola, o assunto; como o foco da conversa que levou ao texto era inovação, podemos começar olhando o global innovation index 2018 e descobrindo a posição do grupo, lá…
BRAMMPITS em inovação = 64, 56, 35, 73, 85, 44, 58 – são as posições da sigla no índice. o brasil só é melhor, em condições pra inovar, do que filipinas e indonésia, e a situação tem se mantido mais ou menos assim há anos. a china está em… 17o lugar e, só pra gente lembrar de BRICS, rússia em 46o e índia em 57o também estão melhores do que nós. mas as razões pelas quais não estamos no grupo deles [nesta análise] é população, mercado e poder.
BRAMMPITS em propriedade intelectual = 11, 5, 3, 1.3, 3.8, 5.5, 2.7 – é nosso grupo em número de patentes e desenhos industriais registrados, em milhares, segundo a WIPO. em relação à competição direta, parece que estamos bem. mas a china tem 1.600.000 de patentes e desenhos registradas no mesmo periodo, o ano de 2015. cento e cinquenta vezes o brasil. temo que tantos registros, no brasil, sejam parte de nossa tendência cartorial; como é que estamos tão à frente do grupo em registros de propriedade intelectual e tão atrás, de quase todo grupo, em inovação?
BRAMMPITS em capital humano = 83, 65, 42, 49, 72, 48, 88 – é o grupo no ranking de capital humano do WEF; o brasil só é melhor do que a áfrica do sul e está longe do resto. isso está relacionado à educação, mas não só: as condições de trabalho e a legislação brasileira, uma das mais confusas do mundo, é fonte permanente de conflito e, ao contrário de proteger o emprego, faz com que cada vez menos empregadores em potencial criem novos postos de trabalho. em áreas onde o trabalho pode ser globalizado, será, em muitos casos de forma radical, mantendo no brasil só quem não puder ser deslocalizado. ainda por cima, a automação terá um campo fértil no país: espera-se que o litígio causado por robôs seja muito menor do que o empreendido por humanos [aqui, hoje] e que isso compensará, e muito rapidamente, o investimento em automação. as consequências poderão ser catastróficas para o trabalho, emprego e para a socieedade.
BRAMMPITS em PIB= 8, 15, 38, 39, 16, 26, 33 – são as posições dos países por PIB, segundo o FMI. a gente sempre se impressiona muito com o brasil ser a 8a maior economia do mundo mas, como sabemos, estamos muito longe de estar entre os 10 primeiros do planeta para qualquer outra coisa, a não ser território [somos o 5o] e população [somos o 5o, também].
BRAMMPITS em PIB/capita = 81, 65, 47, 119, 97, 74, 89 – são as posiçõesdo grupo no mundo, segundo o FMI, com três dos sete membros do grupo melhores do que o brasil. a produtividade histórica do brasil é patética, e não está melhorando. como se pode ver no gráfico abaixo, estamos abaixo da melhora média do mundo e muito abaixo de países como coreia e china, cujo poder aquisitivo passou o do brasil em 2016. a tailândia está bem à nossa frente… assim como o méxico e a malásia.
BRAMMPITS em violência letal intencional= 27, 19, 2, 9, 0.5, 5, 32 – é o número de assassinatos por 100.000 hab./ano, arredondados, a menos da indonésia, segundo a ONU [não usamos os dados mais recentes do brasil aqui; os dados internacionais para comparação não são tão recentes]. como se pode notar, nós temos muito a aprender com o méxico e a áfrica do sul, que têm taxas de violência letal parecidas com as nossas. o que eles estão fazendo para mudar isso? com que grau de sucesso ou fracasso?… de nada adianta “ir pra colômbia” sem entender o lugar e o que, do que aconteceu lá, pode ser usado aqui, para mudar a nossa hecatombe de assassinatos. porque alguma coisa eles fizeram… o gráfico abaixo não acontece sozinho.
vale a pena notar que a áfrica do sul, no mesmo período, fez algo muito parecido com a colômbia [veja aqui], mas a coisa, lá, voltou a piorar nos últimos anos. onde foi que eles erraram? será que há alguma influência da corrupção, tráfico, sistema prisional? o que estão fazendo para reagir à piora?…
BRAMMPITS em corrupção = 96, 135, 62, 111, 96, 96, 71 – são as posições da classe no índice de percepção de corrupção publicado pela transparência internacional em 2017. brasil, indonésia e tailândia estão empatados na posição 96; as filipinas e, principalmente, o méxico, estão caminhando para a total insolvência moral e a áfrica do sul e malásia estão muito melhores do que o restante da classe.
BRAMMPITS em ambiente de negócios = 125, 49, 24, 113, 72, 26, 82 – é a facilidade de fazer negócios em cada país da nossa lista, reportada pelo banco mundial no doing business 2018. a malásia aparece em primeiro em quase toda lista que a gente monta; alguma coisa -na verdade, muitas coisas- que eles estão fazendo está dando certo. e um monte do que [não] estamos fazendo está nos deixando pra trás, no mundo, e por muito.
o brasil está em 125o lugar nesta lista; sabe quem são nossos vizinhos, nesta classificação? os lugares 120 a 124 são ocupados por Gana, Belize, Uganda, Tadjiquistão e Irã, nessa ordem. acha que o ambiente de negócios do brasil é complicado? pois é mesmo: estamos muito piores do que Zâmbia [85o], e Paraguai [108o]. como iríamos implementar práticas de israel [54o] de uma hora pra outra? pra isso, primeiro é preciso chegar no estágio de Botsuana [81o], para o que temos que subir 44 lugares, pra depois subir mais 27 e chegar ali em israel. isso não se faz de um salto nem em pouco tempo. sem entender o problema que precisamos resolver, nunca o resolveremos, ficaremos apenas sonhando com aquele tal país do futuro.
BRAMMPITS em desenvolvimento humano = 79, 74, 57, 113, 116, 83, 113 -são as posições dos países no IDH, índice de desenvolvimento humano [note a proximidade entre brasil e méxico, os dois maiores em população e economia da américa latina, e entre filipinas e indonésia; esta tem três vezes o PIB daquela]. por fim…
BRAMMPITS em população= 209, 129, 32, 105, 264, 69, 57 – são as populações, em milhões, segundo dados da ONU. a lista de índices que poderíamos fazer é infinita, mas a gente para por aqui e espera que o leitor faça os seus, com outros grupos de países. claro que a gente poderia ter posto paquistão, nigéria e bangladesh [pop. 197, 190 e 164 milhões, respectivamente] no grupo, e tirado malásia e áfrica do sul, para ficar apenas com países cuja população é maior do que 100 milhões de habitantes. mas a gente poderia escolher, também, apenas entre países cujo IDH é melhor do que 120… e estes três estariam fora do grupo. em suma, há muitas formas de montar uma lista dessas, a nossa é apenas uma.
até aqui, fazendo alguma equação com isso… a malásia ganha pra todo mundo, mas o mercado de partida para qualquer coisa inovadora [ou não], lá, é cerca da metade dos dois logo maiores do que ela em população, áfrica do sul e tailândia. o lugar da malásia nas outras categorias talvez compense a menor população. a malásia pensa além da malásia e resolveu criar uma escola de negócios para a ásia, para que o pensamento e o conhecimento de lá seja usado como referência na região. não é uma escola da malásia, mas na malásia, para a ásia, começando pelo nome, ASIA BUSINESS SCHOOL. querem a maior parte dos alunos de fora da malásia. simples assim. alguém conhece alguma iniciativa parecida no brasil?…
voltando à nossa parada, que é inovação… a lista das 1000 empresas mais inovadoras tem 5 brasileiras: petrobras [256], vale [390], b3 [604], embraer [717] e totvs [993]; a china tem 133 companhias, 9 delas entre as 100 primeiras. a dinamarca e a finlândia, que usamos o tempo todo como exemplo do que nos teríamos que ser em educação, saúde, segurança, etc… têm 8 e 7 empresas na lista, respectivamente, mesmo sendo economias bem menores do que a nossa [36a e 44a do mundo]. nenhum outro BRAMMPITS tem uma empresa sequer na lista; há um código que já descobrimos, à frente deles: no caos e complicação do brasil, conseguimos criar pelo menos alguns negócios que são verdadeiramente globais, três dos quais são resultado direto de grandes desafios nacionais das suas épocas.
hoje, ao escolher alvos errados -inatingíveis, ou impossíveis- a gente [se] perde na largada. um exemplo recente foi um programa espacial brasileiro, feito pelo estado, em cooperação com programas de verdade [rússia, china e japão] e uma iniciativa espacial falida à procura de financiador [ucrânia]. deu no que deu. caso você não saiba, o país tem uma iniciativa de construir uma família de foguetes, lançada em 2005, com tecnologia russa da década de 90… enquanto a NASA contrata a iniciativa privada -que reusa foguetes- para lançar seus satélites. ainda bem que não houve dinheiro pra isso e a coisa está parada há tempos.
repetindo, não estamos em competição com a china, EUA, japão, rússia… em quase nada que não seja commodities. nosso grupo é muito parecido com BRAMMPITS [e outros do mesmo naipe], até porque eles têm um nível de bagunça, violência, drogas, preconceitos… parecido com o brasil, história recente de regimes autoritários, política caótica onde cleptopopulistas reacionários de todos os matizes ideológicos se revezam no poder e por aí vai. o populismo quase sempre leva a escolher do tempo errado -resolver tudo de uma vez, agora: aí perdemos de novo. temos que fazer planos para o longo prazo. no curto, a situação é muito difícil, senão impossível.
olhando para a nossa situação em inovação, seja lá de que ponto de vista, não se pode imaginar que haverá qualquer competição com china, EUA ou europa e japão em qualquer horizonte de curto prazo. tampouco com índia e rússia. em certas áreas, nem com a coreia do norte vamos competir. por isso, é preciso fazer escolhas -ter estratégias- e trabalhar no e para o longo prazo, produto em escasso estoque na mercearia da política nacional.
pra terminar… amazon e alphabet, as duas companhias no topo do ranking das 1000 mais inovadoras, investiram US$38,8 BILHÕES em P&D em 2018. claro que dinheiro não é tudo, mas ajuda muito, senão a gente não estaria reclamando da falta dele, aqui. o maior orçamento de C&T do brasil foi em 2014, cerca de USS10 bilhões, dos quais aproximadamente US$7 bilhões foram executados [ou seja, gastos; o mesmo que a honda, sozinha, em 2018, como mostra a imagem acima]. amazon e alphabet estão investindo, por ano, mais de 5 vezes o que o brasil investia no auge dos recursos para C&T, talvez o pico de dez anos pra trás e outros dez pra frente. não espero nada igual a 2014 antes de 2025, com o país na situação em que está.
aqui, inclusive no auge, o investimento em C&T foi feito [e quando há recursos tem sido sempre assim, há décadas…] sem qualquer [grande] desafio nacional para guiar seja qual fosse o tipo de ação, realizada numa e por uma academia que, na sua quase totalidade, está completamente isolada [e não só por vontade própria] de qualquer grande objetivo nacional, a não ser os mais difusos possíveis, gerados por ela –nós, pois eu sou acadêmico…- própria. isso sem falar de um quase absoluto isolamento da indústria, salvo as honrosas exceções de sempre.
se a gente passasse a pensar em pelo menos competir com quem podemos competir, poderia ser que tivéssemos alguma chance. isso certamente seria o caso no país e minha experiência de 40 anos na academia diz que também vale para a universidade e centros de pesquisa e inovação. talvez a gente devesse refletir muito sobre isso. e fazer alguma coisa prática sobre o assunto. agora. mas para o looongo prazo.
PS: sobre a atual -e muito longa, de décadas e governos- crise de recursos federais para C&T&I, não deixa de ser interessante -e relevante, para nossa discussão-, que nenhuma associação nacional de nenhuma área chave da economia se manifestou veementemente sobre o problema, deixando claro que a falta de investimento em conhecimento e educação prejudicaria a economia nacional e exigindo soluções urgentes, eficazes e eficientes para o problema. que aí nessa [falta de posição] há um monte de coisas pra gente descobrir, estudar e resolver… aí tem.