Estratégia, e não tecnologia, é a base e motor de qualquer transformação digital. Simples assim. Esse é o título do artigo que resume o 2015 Digital Business Global Executive Study and Research Project, da MIT Sloan Management Review e Deloitte, que está neste link. Para quem está no processo de começar ou continuar uma transformação digital no negócio, é leitura preciosa. Fica claro, logo no começo do texto, que nem tudo é tão simples como o título faz parecer, quando descreve os seis aprendizados da pesquisa, que podemos mais ou menos tomar como regras gerais de um processo de transformação digital. O trabalho considerou empresas que têm de menos de 100 a mais de 100.000 colaboradores, de menos de US$1M a mais de US$20B de receita, e de menos de um ano de existência [2% delas] a mais de 50 anos de vida [33%], no mundo inteiro, inclusive no Brasil.
Pra começar… 1: só 15% dos pesquisados nas empresas que estão nos estágios iniciais de maturidade digital reconhecem, nas suas organizações, uma estratégia digital clara e coerente; nos negócios digitalmente maduros, esta porcentagem é 81%. Metade, mais ou menos, dos trabalhadores nos negócios que estão no meio do caminho entre a ingenuidade e a maturidade digital, estão vendo uma estratégia no que está acontecendo em sua empresa.
Este resultado é quase óbvio, até porque, 2: as organizações imaturas tendem a focar seus esforços em tecnologias e operações específicas, sem atentar para o cenário e os grandes problemas. Na maioria dos casos os colaboradores não percebem a existência de uma estratégia porque é bem provável, mesmo, que não haja uma. Nas organizações maduras, as estratégias digitais têm por foco a transformação do negócio e isso é percebido pela quase totalidade de seus colaboradores, como mostra o gráfico a seguir. E tinha que ser assim; se a introdução de tecnologia pode só afetar uns e outros, aqui e ali, a transformação do negóciotende a afetar a tudo e a todos, muitas vezes radicalmente. Quem não perceber –que, por trás da mudança, há uma estratégia- provavelmente não sobreviverá muito tempo naquela parada. Note que, lá na esquerda da imagem, onde estão as organizações mais imaturas, o maior acordo é sobre digital como chave para o aumento de eficiência… [do negócio como ele é].
Nas organizações em estágio inicial de maturidade digital, 3: a maioria dos colaboradores não tem o conhecimento e habilidades necessárias para entender como o digital irá impactar o negócio, o que é quase obrigatório num negócio maduro do ponto de vista digital, que tem [ou já teve] que [re]educar seus profissionais para o digital, e fazer isso do ponto de vista do negócio, como um todo, e não só das tecnologias e seus usos. Ao mesmo tempo, 4: pouca gente –em todas as faixas de idade- quer trabalhar para uma organização que não está ou estará liderando no digital; a pesquisa mostra uma clara percepção por parte das pessoas, de que não haverá vida –nos negócios, pelo menos- fora do digital. A imagem fala por si mesma… em termos da soma das respostas muito e extremamente importante à pergunta… quão importante é trabalhar numa empresa líder digital [ou digitalmente competente]?… Para 20% dos pesquisados, é extremamente importante trabalhar em organizações digitais.
Outro aprendizado do estudo é que 5. aceitar risco, tanto organizacional quanto pessoalmente, é essencial para o processo de transformação do negócio. Outra obviedade, mas confirmada em pesquisa tão ampla, respalda um entendimento comum sobre risco, evolução e transformação. Mais da metade dos colaboradores das empresas digitalmente menos maduras diz que elas são avessas a risco, enquanto pouco mais de um terço diz o mesmo das mais maduras. Como estamos no meio do caminho para a digitalização de todos os mercados [vide imagem abaixo, que mostra quais setores já são quase digitais, versus os que ainda são analógicos] isso era de se esperar, pois quem sai na frente corre mais riscos –e pode ter maiores e melhores resultados- mas também, dar com os burros n’água –o que ocorre em não poucos casos. Vamos voltar a este ponto já já.
O último aprendizado do estudo SMR/DELOITTE é que… 6. a agenda digital tem que ser liderada do e pelo topo do negócio. Quem trabalha em organizações digitais confia na competência e fluência digital de seus líderes, o que não quer dizer que tais lideranças sejam competentes nas tecnologias da mudança; quer dizer que elas sabem porque e para que as tecnologias são –ou serão- necessárias no futuro do negócio.
Mas… sabe qual é a porcentagem dos colaboradores que concorda plenamente que suas lideranças têm habilidade e experiência para liderar o processo de transformação digital do negócio? 12%. Sim, doze por cento. O nível C dos negócios terá que ralar muito, e rápido, para dar conta do que é preciso mudar nos negócios daqui pra frente.
O estudo é resumido num infográfico que tem o diagrama abaixo à guisa de conclusão. Minha leitura, sem qualquer filtro, é que… as lideranças, a partir do topo e levando em conta as interfaces e interações entre tecnologia e negócio, têm que desenvolver uma estratégia de transformação digital para o longo prazo, com ações no curto e médio e mudar, ao mesmo tempo, a cultura do negócio de analógico para digital, em rede e em tempo real, reforçando a necessidade de colaboração e aceitação de risco por todos, em conjunto, e cada um em particular.
Aqui vale a pena gastar umas palavras com o conceito de colaboração [que é trabalhar em conjunto, para atingir algo comum], que não é o mesmo que cooperação [deixar os outros fazerem sua parte, enquanto eu talvez faça a minha]. Colaboração é uma daquelas palavras fantásticas da língua portuguesa: tem labora[de trabalho], ação, cola [de liga] e co [de juntos], nas mesmas 11 letras. Sem falar que ligando a primeira com as duas últimas sílabas tem-se coração, o que é essencial para engajamento. Pra colaborar, é preciso compartilhar conceitos, dizer o que se que sabe para a comunidade, ter e desenvolver capacidades e usar conexões para ligar quem está fora com quem está dentro do negócio. Ligar quem está dentro com quem também está dentro é fundamental; o mundo está cheio de negócios dando errado porque, lá dentro, são desconectados. Finalmente, colaboração exige curiosidade e confiança: há muito mais no mundo do que o que você sabe e faz e quase nada que é preciso ser feito dá pra ser feito por uma só andorinha.
Agora imagine que o trabalho de um líder, lá no topo, fosse só criar e evoluir um negócio onde todo mundo realmente colaborasse. Não ia ser fácil. E este é só um dos problemas que um verdadeiro líder tem que endereçar em qualquer negócio, 24x7x365. E ainda mais numa transformação. Digital.
Dito isto, vamos voltar para o ponto 5, acima, e suas consequências. Só pra você não ler de novo, o ponto 5 era … aceitar riscos, tanto organizacional quanto pessoalmente, é essencial para o processo de transformação do negócio. O que isso quer dizer, mesmo? Pra entender, sugiro a leitura de The Best Digital Business Models Put Evolution Before Revolution, de Didier Bonnet e George Westerman, neste link da HBR. Ancorados numa pesquisa [SMR/CapGemini, neste link] onde só 7% dos executivos consultados diz que as iniciativas digitais estavam ajudando a lançar novos negócios e 15% diz que digital os ajuda a criar novos modelos de negócios, os autores perguntam… Por que tão pouco?…
A resposta é que inovar, em modelos de negócios, é muito difícil. Na mesma pesquisa, 42% dos executivos concordava que “digital” estava ajudando a melhorar produtos e serviços existentes e 29% disseram que o mesmo “digital” estava ajudando a lançar novos produtos e serviços. Conclusão? Estes grupos estavam usando [tudo o que é e pode vir do] digital para evoluir, ao invés de revolucionar, seus modelos de negócios, com vários exemplos de empresas que tiveram bons resultados fazendo exatamente isso.
Aí há uma lição para quem está embarcando numa transformação digital: a de que nem sempre, na partida, se deve tentar uma revolução –ou uma inovação radical- no modelo de negócios… e que sempre há espaço para muitas evoluções –ou inovações incrementais- que podem dar muito bons resultados com níveis muito mais aceitáveis de risco. E menos risco, por sua vez, pode acelerar a mudança evolucionária, fazendo com que se chegue, muito mais rapidamente, à parte revolucionária do processo.
Mas a diferença entre evolução e revolução não é binária, há um contínuo entre as duas. Seria muito bom se os negócios pudessem medir a intensidade da transformação usando uma escala qualquer. Quem sabe um diagrama de radar para inovação que represente, nos seus níveis, desde nada mudou até tudo mudou. Isso é difícil numa escala linear. Mas pode-se usar uma escala logarítmica para medir intensidade de inovação, como na escala Richter para intensidade de terremotos. Não com tantos níveis, talvez; vamos imaginar cinco, aqui. E vamos pensar em inovação, pura e simplesmente, antes de pensar num índice de transformação digital.
Entre os níveis 0-1: não dá para sentir nenhuma mudança; mesmo que algo tenha mudado, a percepção é de que nada mudou; entre os níveis 1 e 2, algumas coisas mudam: é perceptível, dentro e fora de uma dimensão de inovação que está em consideração, que houve mudanças, mas poucas, talvez muito poucas; entre 2-3, para qualquer das dimensões de inovação, é certo que várias coisas mudaram; a ideia, aqui, é que a intensidade de mudança neste nível é 10 vezes maior do que no nível anterior e 10 vezes menor do que no seguinte, 3-4; neste, muitas coisas mudaram, uma ordem de magnitude mais do que no anterior. por fim, nível 4-5, que é onde quase tudo, senão tudo, muda e é percebido como tal.
Nem que seja incidentalmente, a discussão anterior reestabelece uma ordenação semântica que se perdeu, nos últimos anos, no Brasil: Várias é menos, às vezes muito menos, do que muitas. E é mais do que algumas. Sempre.
Assumindo que estamos medindo numa escala logarítmica de base 10, a magnitude 0 [nada mudou] não é 5 pontos menos intensa do que a magnitude 5, mas 100.000 vezes [10^5] mais fraca. Aí temos a dimensão da diferença, em termos de inovação, entre diminuir o tamanho das válvulas [que eram usadas nos primeiros computadores digitais] para usar transistores. O mesmo tipo de mudança, desta ordem, se vê quando se transforma a posse de um carro [no modelo de negócios em que você compra um na loja] em acesso a um veículo [onde o carro se transforma em serviço, digital].
Estivesséssemos falando de inovação em produtos e serviços e suas consequências [ou pré-condições]operacionais e tecnológicas num negócio, o diagrama seria o mostrado logo a seguir. O quadrilátero vermelho denota uma inovação radical –ou uma revolução num produto ou serviço- onde tudo, ou quase tudo, mudou, quer no mercado, na tecnologia, em marketing e vendas e nas operações do negócio. Pense na mudança de anúncios classificados dos jornais para AdWords em Google, ou no iPod [comparado com os players offline]. Já o quadrilátero azul mostra o que normalmente se chama de inovação tecnológica, uma mudança dramática na tecnologia de um produto e serviço, à qual não correspondem mudanças tão significativas nas operações do negócio, no marketing, vendas e mercado.
Mas estamos falando de transformação digital, que vamos medir sob quatro óticas distintas. Primeiro, à direita do eixo horizontal na imagem abaixo, visão e governança, que envolve direta e especialmente os líderes e, junto aos dois, colaboração, que tem que ter [como já vimos] todo mundo na mesma página. À esquerda, temos a sustentação digital do processo de transformação: há que se ter uma forte interaçãode todo o ecossistema [interno e externo] de TICs, em especial do CIO/CTO, com as áreas de negócio.
Se estes dois grandes componentes estiverem mais ou menos acertados, haverá condições de transformar, digitalmente, os processos internos e, através e por causa deles, engajar, digitalmente, clientes e usuários. É isso que o diagrama de radar abaixo tenta representar. E isso tudo é relativo. Imagine onde a sua organização está, agora, em relação à transformação digital que é desejada para o futuro, desenhe as duas situações no diagrama [seja humilde ao fazê-lo, leve em conta sua realidade…] e você terá uma boa medida do esforço que terá de ser feito para chegar onde você quer. Se lembre que a distância entre duas “órbitas” entorno do centro é medida em potências de dez. Mudar dá muito trabalho, sempre.
Transformar um negócio, e fazer isso sobre um novo conjunto de infraestruturas [leia o primeiro texto da série, SINAIS do FUTURO imediato: #1, internet das coisas, neste link], de plataformas e mercados [veja o segundo texto da série, SINAIS do FUTURO imediato: #2,3: plataformas e mercados em rede, neste link] é ainda mais trabalhoso, porque não é como mudar o negócio do ponto A para o B, sobre um plano conhecido. É mudar um grande número de percepções sobre qual é o negócio, seu mercado, e como se rearticular para ser competitivo no novo cenário. Aí é que dá trabalho mesmo. A vasta maioria dos CxO não está preparada para enfrentar as dificuldades inerentes ao processo, exatamente porque acha que… está muito preparada e o processo, afinal, não é nem tão complicado nem trabalhoso assim. São exatamente estes que estarão fora do negócio assim que seu progresso for medido [em comparação com a competição] em métricas como as mostradas acima.
Não é impossível fazer uma GRANDE TRANSFORMAÇÃO DIGITAL. Muitos negócios, em muitos mercados, e em todo mundo, estão fazendo isso enquanto você lê este texto. Mas dá trabalho. Sem uma estratégia que trate, acima de tudo, a transformação do negócio, digitalmente, e não sua pura e simples digitalização, não há quem chegue lá, seja lá onde o lá for. Como o “lá” de cada um é diferente do outro, procure o seu e saia, ao mesmo tempo, procurando –estrategicamente- o caminho que vai levar você –e o seu time- até lá.
E boa sorte. Você vai precisar.