o gráfico a seguir [de gubbi, et al., em Internet of Things (IoT): A vision, architectural elements, and future directions] propõe uma linha do tempo para que as tecnologias da internet das coisas, ou seja, a computação, comunicação e controle por trás dos smartX, cheguem ao mercado. agora, por exemplo, nós deveríamos estar usando armazenamento de informação na nuvem [você tem dropbox, google drive, microsoft one ou os tres e mais alguns?…]. as empresas, por exemplo, deveriam estar usando sistemas SCADA de baixo custo. mas… o que é SCADA?
SCADA é uma sigla para supervisory control and data acquisition, ou captura de dados, supervisão e controle. são sistemas que interagem com equipamentos [industriais] de todo tipo e controlam seu funcionamento. um sistema SCADA pode estar por trás de uma bomba d’água, da transmissão e distribuição de energia, e talvez de uma centrífuga de purificação de urânio. em 2010, um ataque de um vírus à central de enriquecimento de urânio de natanz, no iran, destruiu cerca de 20% de suas centrífugas, no que talvez entre para a história como o primeiro ato de guerra da internet das coisas. nem chegou… e a internet das coisas já faz parte das mesmas grandes arengas humanas. o nem chegou da frase anterior está lá porque as centrífugas iranianas, pelo que se sabe, não estavam na rede, mesmo na limitada e fechadíssima internet de lá. mesmo assim…
não adianta, por outro lado, esconder que as coisas, em rede, têm ou terão os mesmos problemas que nós, os humanos, já temos em rede. e alguns outros, claro: enquanto [ainda] é difícil imaginar que humanos recebam e cumpram ordens, pela internet, de correr até morrer –e o façam-, ataques como stuxnet fazem justamente isso com sistemas de controle industrial. a tela acima é de um destes sistemas, numa refinaria da shell no estado de washington, EUA, e o diagrama abaixo [bem maior neste link] mostra o funcionamento do vírus stuxnet.
se você voltar pra primeira imagem deste texto, verá que já estamos no tempo em que sistemas SCADA de baixo custo estariam em fase de uso, e este é o caso: é bem provável que freezers de hospitais da sua cidade sejam controlados por um sistema SCADA como o deste link. se o sistema é à prova de invasão e manipulação maliciosa, ninguém sabe. também lá na imagem inicial, nota-se que as utilities [leia infraestruturas de energia, águas, gás, esgoto, transporte…] já estariam no ponto em que a internet das coisas faria parte de seu dia-a-dia. no texto anterior falamos exatamente disso, com ruas, carros, ônibus e sinais como exemplo. neste contexto, ainda não é bem o caso, em todo canto, que a smartX seja a norma, até porque os padrões ainda estão sendo discutidos e há um grande número de sistemas legados [leia carros e outros veículos velhos] que deveriam ser levados em conta. mas há pelo menos uma infraestrutura onde a internet das coisas vai pegar pra valer, e em breve: a geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica, na forma de uma smart grid, ou rede inteligente [ou esperta…] de energia.
imagine uma rede elétrica completamente “burra”, onde a “conta de luz” era, literalmente, de luz: lá no começo, cobrava-se eletricidade pelo número de lâmpadas da casa. começou assim e logo evoluiu para um sistema onde a concessionária tinha que vir até o medidor, pra reiniciar a medição, toda vez que terminava o crédito [o pré-pago da eletricidade]. pensou na confusão? daí para os primeiros medidores que possibilitam o gerenciamento inteligente da demanda de energia das casas, foram mais de 100 anos. e porque medidores digitais, conectados em rede, fazem toda a diferença? porque possibilitam o gerenciamento do consumo, ainda mais se as coisas que usarem eletricidade, na casa, também forem da classe smartX. porque a máquina de lavar roupas, numa rede “smart”, esperta, rodando em um modo econômico, poderá negociar, com o fornecedor de energia, para lavar no período em que a energia estiver sendo vendida pelo menor preço. hoje às 11 da noite, amanhã entre 2 e 5 da manhã… pouco importa, se você só precisar da roupa, lavada, amanhã à tarde. aliás, importa, se você tiver 75% de desconto em relação ao que seria o preço da “lavada” na hora que você apertou o botão “lavar”, às seis da tarde, um dos horários de pico diário do sistema.
claro que não se resolve os problemas da rede de energia mudando somente seu medidor; o desenho abaixo dá uma ideia do que é preciso conectar para que sua casa possa ser parte da smart grid, também como geradora de energia, ao invés de só consumir. um medidor inteligente, smartX, parte da internet das coisas, faz parte disso, mas não é só isso. se você quiser pensar o que mais, o que deveria acontecer para que você carregasse o seu carro elétrico na tomada da minha casa e pagasse na sua conta de luz? como se fosse mágica? pense…
qual é a distância entre o que temos hoje e o sistema que vai habilitar o cenário da conversa acima? a meta da ANEEL é substituir os 63 milhões de medidores eletromecânicos brasileiros até 2021. mas os especialistas são mais pessimistas [porque a meta da ANEEL já foi 100% até 2009…] e um estudo bem recente aponta para os números abaixo, onde a china desponta liderando o mercado, de forma isolada. e não se trata só de tamanho do país, porque, assim fosse, a índia estava colada, na disputa pelo primeiro, e nem aparece nos dez primeiros. isso deveria nos levar de volta para o segundo texto desta série, onde um estudo do IPO mostrava que a empresa líder em patentes, no mundo, em internet das coisas, é a ZTE chinesa. isso não é mera coincidência: a china tem um projeto nacional de medição inteligente de consumo de energia elétrica, como parte do processo de aumento de performance de sua rede… e tal desenho envolve assumir uma posição singular no mercado global de smartX, e de smart grid de forma mais ampla. este é o tipo de posição que nunca tivemos de um governo brasileiro em nenhuma época, quase. ou, quando tivemos, o desenho foi apagado ou radicalmente modificado pelo próximo governo, o que quer dizer que nunca tivemos uma política de estado para qualquer estágio da revolução da informação, seja hardware, software ou a combinação dos dois. e parece que este também não será o caso para a internet das coisas, da qual smart grid é só a ponta do iceberg. pra ler sobre este assunto neste blog, há um texto de 2013 [mais ou menos parte desta série…] neste link. vá ver, lá a estimativa de ganhos globais com a internet das coisas, em 2025, da ordem de US$6.2 trilhões, mais de duas vezes o PIB do brasil, hoje. até parece que, em tempos de crescimento zero, isso não interessa.
sabe o que interessa?… dá pra descobrir comportamentos em função de como se gasta energia na sua casa. se você ainda não pensou nisso, veja o gráfico abaixo, do consumo de uma casa e o eletrodoméstico sendo usado a cada momento [do artigo, de 2010, Privacy on the Smart Grid, no IEEE Spectrum]…
…porque cada coisa, quando liga-funciona-e-desliga, na sua casa, tem uma assinatura. e quem iria ter um grande interesse nestes dados? sua seguradora, marqueteiros, financiadores e credores, proprietários da casa que você aluga, agentes da lei, xeretas, criminosos, tudo o que é tipo de gente. e quem deveria proteger tal tipo de dado contra olhares indevidos? sua concessionária de energia, sem dúvida. será que ela sabe fazer isso? não só ela, mas será que todo mundo que, na internet das coisas, vai capturar montanhas de dados gerados na sua casa, que podem ser muito mais úteis, para curiosos de todos os tipos, do que saber em que links eu toco, ou não, enquanto tento entender o que está rolando nas minhas redes sociais… sabe?…
pois é. a oracle fez um estudo, em 2012, para tentar entender, nas empresas que já usam smart meters, quem é o dono, dentro da concessionária, dos dados dos medidores inteligentes… porque, pelo menos em tese, era o dono que deveria ser responsável pela segurança e privacidade da informação. o slide abaixo, de uma palestra que fiz no secure brasil 2014, dá uma ideia do tamanho do problema.
a soma das porcentagens passa de 100 porque os executivos consultados podiam dar mais de uma resposta. e a conclusão é óbvia: coisa que tem muito dono, dado ou não, não tem dono algum. logo… ninguém responde pela eventual perda de dados ou mesmo pelo vazamento deles para quem tem interesse mas não direito. aqui é onde começa o último [por enquanto] capítulo desta série, porque uma das tendências que a análise do gartner group notou, agora em 2014, é o aparecimento de um novo três-letras nas empresas intensivas em informática na sustentação de seus processos de negócios, o DRO, digital risk officer, o cara que é responsável por mais do que a segurança digital que aparece no hype cycle de tecnologias de 2014, o item 5 da imagem abaixo. e é com ela [ou ele] que a gente vai começar o próximo capítulo e terminar, por enquanto, a série. até lá.