parece karma: toda vez que se fala de empresas de software no brasil, um monte de gente trabalhando nelas reclama que está sendo mal pago. acaba de acontecer recentemente nos comentários deste blog, neste link, razão pela qual volto ao assunto.
o texto do blog era sobre o futuro estar todo sendo codificado em software, donde se concluia que fazer software é “a” profissão do futuro. no mínimo, uma profissão de futuro. aí começou a chiadeira, com um leitor citando o texto e reclamando que…
“Quem souber fazer software tem um diferencial competitivo enorme, porque todo o resto do planeta vai depender de quem faz.”Então porque nós desenvolvedores de software ganhamos salário miséria? Vale mais a pena fazer engenharia, ou ir pra uma área gerencial, quem trabalha nessa área sabe disso…
minha resposta?…
a maior parte do software sendo escrito no planeta, hoje, é irrelevante, como as dezenas de milhares [só?…] de “folhas de pagamento” sendo contínua e concorrentemente desenvolvidas e em evolução no brasil [só pra falar daqui]. este software “commodity” e completamente desnecessário [em seu estado atual] tende [e pode] a ser desenvolvido por competências muito abaixo do que um graduado em computação tem ou deveria ter.
na verdade, tal tipo de software -de especificações triviais- pode ser escrito por técnicos, que seriam remunerados como tal; como não há [por incompetência do setor educacional] técnicos em software, isso é feito por graduados que recebem a remuneração de… técnicos.
se a pessoa é mesmo formada em ciência da computação, engenharia da computação ou engenharia de software [ou em especialidades como “game design” e outras] não é o caso que esteja ganhando uma miséria, muito pelo contrário. a demanda é alta e os salários idem, e mundialmente.
agora, se só se tem o “diploma” de computação e só se sabe “programar sistemas triviais”… prepare-se: você é commodity e será tratado e remunerado como tal.
a discussão ao redor do post original é longa e variada. se você achar que vale a pena, vá ver.
mas há mais: camilo telles me contou de outra conversa, na forbes, sobre os “baixos” salários pagos aos programadores que desenvolvem algoritmos e sistemas para high frequency trading [HFT]. isso está por aí há quase 50 anos mas agora pode tomar conta, de vez, dos mercados de capital: estima-se que 60% do mercado de futuros, nos EUA, já esteja sendo negociado por algoritmos de HFT e não por “traders” humanos. como dissemos no texto sobre software, se você não estiver escrevendo software, é porque vai estar virando software.
mas o danado é que as regras não mudam todas, em todos os lugares [na empresa], nem para todos ao mesmo tempo. há lugares onde os programadores [gente com PhD, muitos, pois a coisa não é trivial] de HFT estão ganhando centenas de milhares de dólares [por ano] enquanto os “traders”, meros usuários dos algoritmos, embolsam milhões. resultado?…
grupos de programadores altamente especializados estão decidindo que, ao invés de emprego certo e salário [certo e] “baixo” [isto é, de mercado, seja qual for o mercado], talvez seja melhor empreender seu conhecimento na bolsa, diretamente. a forbes relata pelo menos um caso em que programadores… quit their jobs and cut a deal with HTG Capital Partners of Chicago, whose programmers typically trade on regulated futures exchanges. HTG supplies office space, technology and access to exchanges… [the programmers] keep 40% to 80% of net profits, with the percentage rising as his profits do. More importantly… the programmers retain ownership of the code they write. “We designed this deal so we wouldn't lose intellectual property… If it doesn't work out, we can go somewhere else and take all the software [that we developed]. That's really the key.”
ou seja, os programadores sairam de seus empregos para negociar diretamente na bolsa, associados a empresas do ramo, ficando com algo entre 40% a 80% dos lucros da operação… sem perder os direitos sobre o código que escrevem.
muito mais arriscado do que bater ponto de sete a uma numa repartição pública, mas de retorno potencial muito, muito maior.
como tudo na vida, cada um escolhe seu caminho e, daí, seu destino. saber programar, penso eu, vai começar a ter a mesma importância que saber escrever. ou seja: nenhuma, se você apenas fizer o que todo o resto do planeta está fazendo. é como ler e escrever: ser letrado já não é diferencial competitivo na vasta maioria das economias.
pra meninada de software que está reclamando do salário que recebe, sugiro repensar suas competências e estudar e praticar muito mais. um dos futuros do trabalho bem remunerado é, sim, software, cedo ou tarde; em todas as áreas, de medicina a agricultura, de engenharia espacial a nutrição e advocacia. mas trate de fazer bem mais do que escrever algumas parcas linhas em java para ter a remuneração que você acha que deveria. afinal de contas, quanta gente, entre os tantos que escrevem, vive de literatura?…
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pra entender o que mesmo é HFT, clique na imagem abaixo. e comece também a descobrir porque mesmo para ganhar o “salário padrão” de quem desenvolve tal tipo de sistemas [US$150.000 por ano, pelo menos] é preciso saber [e aplicar] bem mais do que você aprendeu na graduação…