em algum lugar do passado, junto com telégrafo, telex e radioamadores, havia um tipo de companhia conhecido como “telefônica”. e as companhias telefônicas faziam, bem ou mal, o que dizia o nome: conectavam pessoas, quando era possível, através do telefone. e o faziam transportando voz entre um ponto e outro. isso, como já dissemos, se tudo desse certo. meu pai, há quatro, cinco décadas, cansou de esperar dois, três dias por uma “ligação”. só não era pior porque, na época, era um grande avanço sobre, por exemplo, os mecanismos de comunicação associados aos códigos morse e baudot.
desde que samuel morse criou o código da tabela acima, há mais de 160 anos, aconteceu muita coisa. inclusive a invenção do telephone [com “ph”, também no brasil, à época] por alexander graham bell ao redor de 1875: bell estava tentando criar um “telégrafo falante” e acabou montando o sistema de conhecimento e negócios [na época, sem que ele soubesse, uma “cadeia de valor”] que originou, até 1904, mais de seis mil compahias “telefônicas” só nos estados unidos.
pense num negócio que foi muito bom, por muito tempo. mas transportar voz, como negócio, só resiste graças ao monopólio das operadoras e à indisposição dos governos para promover banda larga universal. veja os gráficos abaixo: à esquerda, o custo de uma ligação de três minutos entre londres e nova iorque; à direita, a penetração de internet em algumas regiões e no mundo.
em 1930, três minutos entre londres e nova iorque custavam cerca de US$300, a dinheiro de hoje; a mesma ligação, hoje, se ainda feita por telefone, sai por US$0.20. usando voz sobre IP, podemos assumir, para todos os efeitos, que é um pouco acima de zero. mas só um pouco.
isso significa que voz e as “telefônicas” vão acabar? a velha voz e as velhas telefônicas, sim. e já não era sem tempo. afinal, estão aí há mais de 100 anos. que outra indústria ou serviço, pense, existe há tanto tempo, fazendo a mesma coisa, do mesmo jeito?… não são muitas.
mas há uma nova “telefônica” surgindo. ouça alec saunders, da iotum, mudando a conversa…
Let’s instead change the conversation –- acknowledge that the carrier network is a platform, and that the carrier has a need for an application community, and begin the dialog between network partners and developers about the ability for those operators to help us get to market.
… e urgindo as teles a reconhecerem que são plataformas e, como todas as plataformas, precisam de uma comunidade de desenvolvedores [assim como salesforce, facebook, amazon aws e twitter, entre tantos], para que seja possível um diálogo construtivo entre quem tem rede e que sabe e pode desenvolver aplicações sobre sua plataforma, para que clientes e usuários tenham produtos e serviços, no mercado, a seu dispor.
fácil de dizer. mas muito difícil de fazer. do outro lado da linha, literalmente, entrincheiram-se monopólios guiados por gestores mais afeitos a cortes e margens do que adeptos de desenvolvimento e risco.
mesmo assim, cambaleando, a coisa começa a mudar. veja o exemplo de ribbit, startup comprado pela BT por US$100+M há pouco mais de um ano, cujo CEO acaba de ser nomeado para liderar a galera de tecnologia do negócio BT VOICE. ribbit trata voz como mais uma API, como mais uma interface de programação. os exemplos mais comuns são ribbit+salesforce [fazendo seu software ou plataforma de relacionamento “falarem”] e ribbit+oracle.
quando se considera a arquitetura “para voz” proposta por ribbit é que se entende porque o operador inglês comprou o startup californiano de, como eles dizem “telefonia programável”. na figura abaixo, a rede telefônica clássica é apenas a caixinha PSTN lá embaixo, à esquerda. o resto tem a ver com novas formas de processar, armazenar, recuperar e distribuir voz sobre a rede, voz e rede sendo programáveis pela comunidade.
a BT está se movendo. a maioria das outras operadoras, não. para as que ficarem paradas, deve sobrar o papel de, cedo ou tarde, se verem apenas como fornecedores de uma facilidade de comunicação básica, comoditizada, à qual muitos outros estarão agregando valor.
aqui na periferia, o risco é ainda maior. estamos acostumados a só ter, nestes confins, parte do que tem o mundo, muito tempo depois e bem mais caro. mas a infraestrutura de redes de computação, comunicação e controle [ou “informaticidade”, veja o porque do nome aqui] é parte essencial da base para o desenvolvimento econômico, social e humano, como mostra a discussão em torno do plano nacional de banda larga.
e não se pode pensar, depois de perdermos tanto tempo sem fazer nada sobre informaticidade, de verdade, no brasil, ter como próximo passo apenas o estabelecimento de canais de dados cobrindo uma boa parte do território nacional. temos que ir mais longe, mais rápido: temos que passar a tratar as redes das operadoras como plataformas abertas e programáveis [por um preço, claro] e a infraestrutura secular de voz, renovada, não mais como “telefonia”, e sim como uma interface de programação para variadas famílias de serviços e produtos.
ou então esperar mais uma década ou mais para que coisas como ribbit apareçam por aqui, quando vai ser tarde demais para agregarmos valor em mercados similares ou mesmo fazer uso da tecnologia para aumentar, de forma sigificativa, a competitividade das nossas empresas e economia.
é tudo uma questão de fazer escolhas. e de entender, antes, quais são as alternativas. o resto é perda de tempo. talvez ao telefone…