Todo janeiro São Paulo sedia uma Campus Party. Que chega no Recife neste fim de semana. Ao que parece, para ficar. Os ingressos desapareceram na mesma velocidade em que surgiram milhares de pessoas interessadas em aparecer lá. Nas minhas listas de emeio, só o que rola é pedido de ingresso na #CPR.
A Campus Party é um ajuntamento de milhares de jovens (e alguns nem tanto) que a tal da “imprensa” convencionou rotular de “apaixonados por tecnologia”. “Nerds”, diríamos. Espécie de filósofos práticos de uma contemporaneidade movida pelo hardware e software que provêem a computação, comunicação e controle responsáveis por todo o mundo ao nosso redor, dos carros e elevadores aos sinais de trânsito e exames médicos. Gente que entende –ou quer entender- das entranhas dos sistemas que sustentam a economia e sociedade dos nossos tempos.
Já se disse que o futuro será dividido entre alfabetizados digitais e os que, usando tal alfabeto, programam a vida digital (note que não há qualquer espaço para os “analfabetos”). Os primeiros, meros usuários, leitores talvez capazes de analisar o que roda e existe ao seu redor. Outros, escritores, responsáveis pelas máquinais virtuais (e sociais) que são, cada vez mais, o código executável de nossos tempos. Estes outros são os “nerds”, pelo menos em tese a galera que está lá pela Campus Party.
A Campus Party de São Paulo é a maior do mundo, parte de uma rede internacional de eventos que nasceu na Espanha em 1997 e que acontece por aqui desde 2008. Com a #CPR, o Brasil passa a ter mais de uma #CP por ano. Coisas do Brasil, até porque São Paulo tem tudo (inclusive população e atrações) para fazer eventos de porte monumental sempre que se tente. E Recife, além de ser a cidade-pólo do Nordeste Oriental, tem o Porto Digital e toda a movimentação de tecnologia, educação e negócios ao redor.
Se temos tantos “nerds” (capazes de esgotar os ingressos das #CPs de Recife e São Paulo em horas…), se temos tanta tanta gente que entende tanto de tecnologias de informação e comunicação quanto seus pares pelo mundo afora, uma das perguntas que me faço há pelo menos duas décadas é… por que, com tanta gente que “sabe fazer”, não há nada “feito no Brasil” na internet mundial? E nem mesmo no Brasil, falando nisso?
Qualquer uma das primeiras versões de sistemas e ambientes como eBay, Amazon, Facebook, Orkut, Twitter e qualquer outro que o leitor imagine poderia ter sido feita no Brasil. E do Brasil para o mundo, por sinal. E sem muita competência, por sinal: a vasta maioria das primeiras versões de “sistemas” que não dependem de grandes algoritmos (veja GRAAL: The search for GRAnd ALgorithms in truly global software markets) dá pena, de tão simples. Mas nós, como país, somos apenas grandes e apaixonados “usuários” de tecnologia, como a própria mídia tão bem se acostumou a dizer. Não estamos conseguindo aproveitar as oportunidades de empreender nosso conhecimento nos mercados mundiais e nem mesmo no Brasil, onde quase a totalidade do que se usa e consome é “made in elsewhere”.
Deveríamos ter –ou induzir- tal capacidade? Indubitavelmente, sim. Isso não só geraria emprego, trabalho e renda aqui mas estaria contribuindo do lado certo de uma balança comercial que, em tecnologia, nos é amplamente desfavorável. E mais: software está se tornando serviço em rede e quem não estiver provendo para o planeta estará consumindo de lá e nós estamos devagar quase parando quando o assunto é SaaS, “software as a service”. Sem empreender –daqui, de qualquer lugar do Brasil, para o mundo- nossa capacidade de entender e fazer, nos tornamos cada vez mais meros usuários, no máximo “apaixonados” por tecnologia.
Tivéssemos a capacidade de criar uma legião brasileira de entreprenerds, gente que conseguisse empreender conhecimento nas tecnologias de informação e comunicação, associada a uma outra legião que em parte já existe, a dos dos “nerds”, teríamos muito mais chances de ter empresas e serviços brasileiros, de software ou intensivos em software, no mercado mundial e, por consequência, no Brasil. Pois quase tudo, em informática, tem a peculiaridade de estar entre as coisas verdadeiramente globais. Pense Google, Skype, Android, Word, Facebook… até Instagram e Angry Birds: nenhum destes sistemas é local; e seu uso global acaba criando, também, os padrões locais de uso e remuneração.
O grande desafio da Campus Party – em São Paulo, Recife e na periferia, em geral- e da miríade de eventos anuais de informática do Brasil, inclusive os da SBC, Sociedade Brasileira de Computação (www.sbc.org.br) não é o de juntar alguns milhares de fanáticos por ciência ou tecnologia em uma área tão crítica para o desenvolvimento nacional e mundial. É servir de mais um ponto de articulação para uma cadeia de valor que, enquanto não tiver seus próprios “entreprenerds”, estará contribuindo muito menos do que pode e deve para o crescimento do País.
A #CPR está lotada de discussões e eventos sobre empreendedorismo. Isso é um bom sinal. Vai ser melhor ainda se o espírito das discussões, debates e competições da #CPR se espalhar pelo Nordeste e Brasil e se tornar, além de eventos, parte permanente do processo de construção do empreendedonerdismo nacional. Tomara.
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Uma versão anterior e mais curta deste texto foi publicada na Folha de São Paulo em Jan./2012