Este foi o primeiro texto de uma série publicada no Diário de Pernambuco; o original saiu no dia 11/05/1997, no Caderno de Informática editado por Silvia Valadares, que me convidou pra escrever quinzenalmente lá. Não achei o texto online, no DP, razão pela qual vai republicado aqui. O texto tinha que ser didático e entendido por leitores que, à época, nem emeio tinham e para os quais a internet era muito no futuro, quase uma esperança.
Compare, agora, o que se pensava sobre rede e trânsito {sem waze!} há 17 anos e agora…
Gláuber, se tivesse hoje coragem e paciência de descer ao nosso dia-a-dia, certamente teria motivos para fazer um longa apocalíptico sobre o trânsito. Do Recife, então, nem se fala. Os efeitos especiais, que nunca seriam iguais à realidade que vimos enfrentando, seriam da equipe de Coppolla. Mas o que teria este tema, o caos móvel, a ver com uma coluna em um Caderno de Informática? É que, na verdade, o tema do texto é Trânsito e Internet. Pois vamos lá.
Vamos fazer um exercício de como, em vários níveis, a Internet e conceitos a ela associados poderiam resolver problemas graves do trânsito em catástrofes urbanas como o Recife. Primeiro, o que dá pra fazer sem nenhum investimento adicional?
O Detran/PE bem que poderia ter um web-site mostrando como está o trânsito na Região Metropolitana. Aí, pelo menos quem tivesse acesso à Internet ia replanejar suas rotas, direto pela rede. Mas o serviço poderia ser usado por todos, se os programas de rádio e TV que vão ao ar nas horas críticas colocassem esta informação no ar. É fácil de fazer.
Como isto é, muito provavelmente, areia demais pro caminhão do Detran, talvez seja uma idéia para uma das cooperativas de táxi, usando seus motoristas, naturalmente espalhados por toda a cidade, como olheiros. Ou pode ser um website do pessoal de transporte alternativo: o pessoal que mais conturba ajudando a resolver… Ou, ainda, pode ser feito por um só indivíduo, usando informação de diversas fontes.
O serviço, possivelmente patrocinado pelo setor automobilístico e serviços associados, é capaz de dar lucro logo no começo. Aliás, a iniciativa privada bem que poderia notar que, estando o Governo completamente falido, ela pode preencher o espaço deixado vago pelos mecanismos clássicos de Estado e faturar com isso. Um exemplo destes serviços está em http://www.smartraveler.com/bos-com/, para a área metropolitana de Boston, outro, para Twin Cities, está em http://www.traffic.connects.com/index.htm. Ainda outro, muito mais interessante e provido pela GM inglesa para parte da Inglaterra, está em http://www.vauxhall.co.uk/trnet/tn-check.htm (precisa de Shockwave para ver: http://www.macromedia.com).
Supondo que alguém vá fazer isso, quais são os requisitos? Primeiro, que a informação seja confiável. Um site de desinformação não vai ser consultado por muito tempo. Depois, a informação tem que ser up-to-date. Quentinha. Atualizar a cada três minutos não é uma má idéia. Não deve ser um texto longo explicando o que está acontecendo, mas um conjunto de mapas clicáveis da RMR, em vários níveis de detalhe, com ruas principais pintadas de acordo com a velocidade do tráfego.
Deve haver uma estimativa de quanto tempo se está levando para percorrer, por exemplo, os viadutos da Joana Bezerra. E por aí vai. Pode haver uma função de busca, onde se perguntaria que rotas corresponderiam aos menores tempos de percurso entre pontos A e B quaisquer. Que tal se tivéssemos web cameras nos cruzamentos e avenidas mais complicados? É claro que qualquer motorista pode enriquecer as especificações do site ad infinitum.
Qual é a tecnologia e pessoal necessários? Parte já foi mencionada. Um sistema de observação de ruas, composto por uma rede de rádio pilotada por, possivelmente, motoristas de táxi. Tal rede já existe e alimentaria um web-site sobre tráfego na RMR, que precisaria de uma ou duas pessoas, inicialmente, de plantão, preenchendo forms que alimentariam um banco de dados (geográfico) que, através de um gateway, geraria os mapas dinâmicos que iriam ao ar durante todo o dia e responderia às perguntas sobre rotas específicas. Inicialmente, dá pra rodar numa máquina da classe pentium não muito grande ou pode até ser virtual, localizado em um dos PSI da cidade.
O protótipo inicial do sistema pode ser colocado no ar em dois meses, por pelo menos uns três startups que eu conheço. E o custo inicial do sistema seria totalmente pago no seu primeiro dia de funcionamento, se fosse possível convencer o rádio e a TV a entrar no esquema de divulgação.
Isso, no entanto, pode ser só o começo. Uma coisa bem mais radical seria dotar cada carro de um server/browser, transformar cada sinal em um server, dotado de algum sistema de medição de fluxo e contenção de tráfego e que poderia ser, também, uma base de um sistema celular digital e fazer algo como administração dinâmica de fluxo de trânsito na RMR. Eu me imagino na Madalena, às 07:15h, perguntando pro meu carro qual é a melhor rota para a UFPE e ele, de volta, respondendo que é melhor eu ficar em casa até às 08:00h. Isso porque a Caxangá está bloqueada, não há conexão para caminhos alternativos e, se eu esperar, vou chegar lá na mesma hora que eu chegaria se saísse agora… e eu teria ganho 45 minutos a mais de vida não-engarrafada.
Por mais incrível que pareça, existe tecnologia para fazer isso agora. Mas não será economicamente viável fazê-lo, em larga escala, por alguns anos. Recife bem que poderia pensar numa experiência piloto com este tipo de tecnologia. Se não nos propusermos coisas deste porte, estaremos sempre lutando, como acho que tem sido o caso, para não perder. E quem não faz gol, qualquer torcedor sabe, leva. Mas isso é outra história. No próximo artigo eu converso sobre o parágrafo anterior. Até lá.
[O rodapé do texto, no DP, dizia quem eu era, à época; o link para o então Departamento de Informática da UFPE, hoje Centro de Informática, é o único, no texto, que ainda funciona hoje como funcionava no dia em que o artigo saiu. A internet é um sopro…].
Silvio Lemos Meira (http://www.di.ufpe.br/~srlm) é Professor Titular de Engenharia de Software do Departamento de Informática da UFPE, Secretário Executivo do Comitê Gestor da Internet Brasil e batuqueiro dos Maracatus Nação Pernambuco, Piaba do Capibaribe e d’A Cabra Alada.