Quase a metade dos manifestantes de junho jamais tinha saído às ruas para reclamar do estado de coisas do país. e mais de 3/4 usou as redes sociais de que participa para se articular para os protestos. e as redes, sob muitos aspectos, representam as ruas: ideias, opiniões, avaliações, desejos, estão lá, assim como planos e propostas pra resolver um monte de problemas, incluindo onde vamos nos encontrar pra um protesto, quem levará que cartazes, com que roupa eu vou e todo mundo vai. eventos foram convocados pelas redes, e isso é fácil de fazer, do seu aniversário até uma grande manifestação. nem sempre quem confirma vai, como é o caso dos RSVPs tradicionais, aqueles que a gente tem que ligar para um número para confirmar a presença em uma recepção, mas havia muitos eventos marcados nas redes com centenas de milhares de confirmações nas últimas semanas. e um monte de gente confirmou e foi… o que dá pra pensar em usar as redes sociais pra muito mais.
que tal tratar, nas redes sociais, o problema do plebiscito proposto pela presidência da república?… se as pessoas, se todos os brasileiros fossem [re]escrever as regras do país, daria pra fazer isso usando as redes sociais?… se sim, como?
primeiro, há o problema de representatividade: as redes não têm todas as pessoas lá; em grandes números, se a web brasileira tem 100 milhões de pessoas, 90% nas redes sociais, temos [em números redondos] metade da população articulada, de alguma forma, nas redes sociais online. será isso é mais “representativo” do que o congresso? olhando só os números, 1 em cada 2 brasileiros nas redes [a população “social”] é muito melhor do que 513 deputados e 81 senadores: juntos, em números redondos, eles são bem menos de 1 representante para cada 200.000 brasileiros. em tese, então, seria muito mais “democrático” fazer um plebiscito nas redes sociais e decidir, lá, como seria o futuro do país.
ou não? nos textos anteriores sobre as redes sociais e os protestos no brasil, ficou claro que a noção de democracia representativa [todo o sistema político, de partidos às casas legislativas, de candidatos até vereadores, deputados, senadores e, porque não, prefeitos, governadores e presidente] não é necessariamente melhor que a democracia direta [onde os cidadãos deliberam, sem intermediários], mas a primeira era inexequível usando os mecanismos de interação anteriores à internet.
o problema, agora, é o seguinte: será que a internet e as redes sociais poderiam ser usadas para aumentar a participação popular nos processos de definição e gestão do país? e como? a resposta à primeira pergunta é um inequívoco sim, e já vem sendo feito em muitos lugares, das mais variadas formas. já a segunda pergunta, o como, não tem resposta direta, simples, fácil de ser entendida e implementada de forma a trazer toda a rede –ou pelo menos todos os interessados- para discutir o país [ou o estado, a cidade, o bairro…] que querem e como ele vai ser construído e mantido.
de mais de uma forma, é possível capturar a estrutura, conjuntura e conteúdo de redes sociais de todos os tipos e tamanhos, no tempo, por geografia, temas, grupos de interesse, quase tudo o que você pensar. apesar de ser um problema complexo, o processo de entendimento a posteriori [e em tempo quase real] do comportamento de comunidades online é estudado há tempos e há teorias, métodos e ferramentas para tal. só que o processo de construir um consenso é inerentemente complexo, mesmo que seja em grupos pequenos, de dezenas, centenas de indivíduos, como é o caso do senado e da câmara. e a experiência pessoal de cada um mostra que famílias de poucos indivíduos podem enfrentar dificuldades intransponíveis para dialogar e chegar a pontos comuns, aceitos por todos [no pior caso, pela maioria], pelo menos por um tempo, e transformados em ação. que dê resultado, então…
agora, imagine a experiência de construir um consenso nacional, em redes sociais, sobre o que iríamos querer como sistema político. seriam [dezenas de] milhões de pessoas, quase que certamente articuladas em [dezenas de] milhares de grupos, em todo o país [e no mundo, há brasileiros em todo lugar…], de forma assíncrona [nem todo mundo ao mesmo tempo], a partir de pontos de vista [iniciais] que estão longe de qualquer tipo de consenso. não, ainda não há uma só proposta para tratar tal tipo de problema, na escala de um plebiscito, mesmo que seja num país dez vezes menor do que o nosso.
mas bem que a gente poderia começar a experimentar: os processos de escolha que já temos passam por tecnologia; é assim que escolhemos nossos representantes no legislativo e executivo. a “mágica” por trás deste processo é um sistema que só é entendido por um pequeno número de brasileiros; os outros têm que acreditar que o sistema funciona como deveria. a construção de consenso, daqui pra frente, usará cada vez mais a rede e software, e o consenso, em parte, será criado por software, a partir das contribuições de muitos, talvez quase todos, inclusive votando. este é só mais um efeito colateral de estarmos entrando, cada vez mais, em um mundo onde quem não programa é programado. quanto mais gente, mais cedo, for exposta às –e, de preferência, participar do desenvolvimento de- tecnologias que irão, no médio prazo, decidir o presente e o futuro, melhor. por isso mesmo que a gente deveria começar a construir, assim que fosse possível, consensos em rede e, ao tentar fazer isso, dominar os meios –as redes e seu software– para tal.
antes que alguém, mais esperto, o faça. e determine qual é o consenso, sem a rede.