Varejo virtual cresce e (tenta) aparece(r)

[Texto da série “Silvio Meira no G1”, publicado originalmente no G1, em 16/12/2006.]

Fusão das Americanas on-line com o Submarino cria um pequeno gigante virtual, cuja pretensão é fazer bonito no mercado de varejo em geral. Além de sua própria energia, vai precisar do que mais?

O mercado de varejo no Brasil supera R$200 bilhões este ano e seu líder, as Casas Bahia, vai faturar uns R$12 bilhões, R$450 milhões gastos em marketing. Pra se ter uma idéia do alcance de tal investimento, anúncios das Casas Bahia são vistos na TV em todo Pernambuco, onde não há uma só loja da rede. Outro grande nome, o Ponto Frio, fatura R$4 bilhões em 2006, dos quais R$90 milhões destinados a marketing.

No mundo dos tijolos, estão no mesmo mercado grandes cadeias de supermercados e incontáveis pequenos varejistas, cujo diferencial é conhecer o cliente (no) local, que compra quase na “caderneta”, como nas bodegas da década de 60. Redes como a Insinuante, nascida na Bahia, se orgulham de sua base de três milhões de clientes, “numa região em que nem todo mundo possui comprovante de renda ou de endereço".

Sem comprovante de renda e sem endereço é, quase certamente, sem internet,image como a vasta maioria dos brasileiros. Segundo o cgi.br, perto de 70% da população nunca usou a rede; uns 30% usaram nos três meses anteriores à época da pesquisa (PNAD 2005) e apenas 10% usava a rede diariamente. Entre os usuários, 80% nunca fizeram uma compra on-line, basicamente por falta de confiança no meio. Tragédia brasileira, pois confiança se dá através de experiência. Como pouca gente tenta, como construir as ligações de confiança que levariam a uma internet de comércio, além dos serviços que tão bem presta, pela rede, uma boa parte do setor público?

Mas a pesquisa do IBGE não é só sobre pessoas. Entre as empresas, 70% está na rede, 60% tem conexão banda larga e 30% faziam vendas pela internet; 75% das que vendiam on-line afirmaram ter custos menores do que em suas operações concretas. Ou seja, as empresas estão se conectando, estão vendendo -pouco- e esperam vender -muito mais- pela rede. Os indivíduos é que estão por fora: a vasta maioria não tem rede e a compra eletrônica, entre os que têm, é muito abaixo do que talvez pudesse ser.

Olhando para este pequeno mundo dos que compram on-line, há uma grande novidade. As duas maiores lojas virtuais do país, americanas.com (R$1 bilhão de vendas, até setembro) e submarino.com (R$600 milhões) fundiram suas operações, criando a B2W, um pequeno grande líder na web, responsável por 20% do faturamento do setor. Ou mais. Dependendo de em quem se crê -e o Brasil é muito ruim de dados-, a B2W é muito maior; há quem diga que o varejo eletrônico é só 2% do total, uns R$4 bilhões, e aí a B2W seria 40% do comércio na web. Mas o que nos interessa, aqui, é que a fusão não é para evitar o ataque de uma terceira ou quarta loja abstrata, mas para atacar os líderes do mundo concreto.

Segundo Fernando (Teco) Sodré, diretor de negócios da Mixer, “a fusão não gera uma concorrência ainda a altura de faturamento dos grandes varejistas no Brasil. Mas tá coçando e não vai mais parar de coçar. O que era só um nome virou também uma força de compra com os fornecedores. Arma simples. Negociação: diferencial do varejo.” O que nos leva de volta às Casas Bahia: o líder do varejo, quase dez vezes maior que a B2W, nem loja virtual tem e, desde sempre, usou uma política de prestações através de carnês que só podiam ser liquidados na loja, para atrair o cliente de volta ao lugar onde, esperando na fila, podia comprar mais. Ainda hoje, isso representa mais de 70% de suas operações.

O mercado da B2W/Americanas/Submarino é o público da classe A/B, a galera que tem internet, e quase só, entre estes, quem tem banda larga. As Casas Bahia e companhia apontam noutra direção, pro povo que nem sabe o que é a rede, não porque não queira, mas porque não pode. Cada macaco -ou vendedor- no seu galho. Só que a fusão Americanas/Submarino aponta pro futuro: no passado, não havia comércio eletrônico, só comércio. No futuro, não haverá comércio, só comércio eletrônico (que será chamado de… comércio, pura e simplesmente).

A B2W olha pra um futuro onde, para competir, as redes serão nacionais e o volume de vendas onde a sobrevivência só está garantida se seu tamanho parecer com, pelo menos, o Ponto Frio de hoje. Senão seu poder de barganha não será nem suficiente para evitar que a Brastemp (e outros fabricantes de eletrodomésticos) entrem no seu mercado local, o que não ocorre, hoje, para não bagunçar a cadeia de valor. O que não é garantido para sempre. A Brastemp está quietinha, testando seus produtos on-line, sem nenhum marketing, porque os canais de distribuição concretos, de redes como a Casas Bahia, ainda são responsáveis por quase a totalidade das suas vendas. E isso também não está garantido para sempre.

Ou está? No começo da internet, mais de um especialista em comércio garantiu que a rede era o fim dos atravessadores: empoderado pela internet, cada produtor apareceria direto ao consumidor final, maximizando o retorno de seu investimento na produção de seja-lá-o-que-fosse. Mas quem quer, ou consegue, escolher entre mil produtores de alface? Os custos de transação de tanta liberdade trouxeram de volta, e em estilo, lojas virtuais como americanas.com e submarino.com, responsáveis por articular, na rede, a oferta e demanda por todos os tipos de serviços e bens, especialmente os vendidos pelas livrarias, lojas de mídia, eletrodomésticos, enfim, commodities que eu e você, leitor, sabemos como são e, uma vez tomada a decisão de compra, iremos atrás do preço mais baixo.

O negócio da B2W, a partir da rede mas, claramente, para fora dela, é ter o preço mais baixo para qualquer coisa que seja vendida pela concorrência concreta em qualquer lugar do país. E não só: como uma boa parte do que ela vende faz mais sentido, ou só faz sentido, na web, em lugares onde livrarias e outros tipos de lojas não existem… e nestes lugares, também, não há internet… redes virtuais como a B2W dependem, no Brasil, do aumento significativo da penetração da rede para se tornarem negócios do tamanho -ou maiores- do que as Casas Bahia.

Hoje, por mais auspiciosos que sejam os sinais, não há a menor chance disso acontecer. No médio prazo, é aquela história de políticas públicas. Coitado do país onde elas são frágeis como as que vemos no Brasil. Se botarmos muito mais gente na rede, haverá muito mais clientes na B2W e outros varejistas virtuais. Será que isso quer dizer que eles vão acabar com as Casas Bahia?

Talvez não; a galera de lá não nasceu ontem e deve estar esperando sinais de que a rede pode se tornar bem mais de 2% do varejo nacional. Ou seja, como tudo o que se vende on-line equivale a 1/3 do que as Casas Bahia vende em suas lojas… bem que as Casas Bahia podem esperam que a rede, a bem dizer, fique pelo menos do seu tamanho antes de entrar no jogo. Mas a partida é complexa e tem morte súbita na regra; quem entrar depois da janela pode não ter a menor chance, independente do seu tamanho no mundo aqui fora. Daqui a dez anos saberemos o que aconteceu. Até lá e boa sorte a todos…

*.*.*

PS, 15/04/2014: Gráfico de usuários de internet no Brasil adicionado na republicação, original desta fonte.

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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