john maeda, que era do mediaLab e hoje é o presidente da RISD, uma das principais escolas de design do mundo, conta uma história sobre a aula introdutória de um curso do mestre da tipografia wolfgang weingart, que, ano após ano, dava exatamente a mesma aula. fantástica, mas sempre a mesma. maeda começou a achar que weingart estava perdendo a noção da realidade, até descobrir a verdade: apesar do mesmo conteúdo, a cada ano as teses, conceitos, exemplos e explicações se tornavam mais simples, mais diretas, mais concisas. o velho professor, ano após ano, estava simplificando o que sabia… simples assim.
esta história, seu entendimento e consequências estão por trás do pequeno-grande livro de maeda, "as leis da simplicidade", leitura essencial pra quem quer pensar em tornar as coisas –definições, interfaces…, bem mais simples do que são.
muitas coisas são simples, outras são naturalmente complicadas ou complexas e outras, ainda, tornamos complicadas apesar de serem naturalmente simples.
a vida, por exemplo, pode ser muito simples. mas normalmente é [ou se torna] muito complicada, pela simples razão de que simplicidade [neste e em qualquer caso] exige muitos tipos de manutenção, para as quais, por variadas razões, não damos a devida atenção e energia. ou, simplesmente, não temos competência para tal. o resultado é conhecido.
algo que não parece trivial ou simples, por outro lado, é definir o que é vida.
segundo Schejter e Agassi [em um artigo de 1994], uma definição adequada de "vida" não deve ser circular, nem estreita nem larga demais, não pode excluir coisas vivas nem incluir as mortas e, por último, não deve ter biologia como componente, parte ou consequência essencial de química e física. ou seja, tem que haver uma certa abertura para imaterialidade.
o parágrafo anterior faz parte de um texto do sciTopics [Definition of Life: At last "What is Life?" can be anwered, simply and logically], escrito por arnold de loof, que continua e define vida de uma forma "simples"…
In my opinion, what we call ‘Life’ (L) is not a noun, but a verb. It is nothing else than the total sum (Σ) of all acts of communication/problem-solving (C) executed by a given sender-receiver compartment (S), at all its levels of compartmental organization, from the lowest one (n=1: prokaryotic cell or cell organelle in eukaryotic cell) to the highest one (n=j: cell,…, tissue, organ, organism, …, aggregate, …, population, community, up to the Gaia-level, where relevant) at moment t. This definition meets all criteria listed by Schetjer and Agassi (1994), and it can be used in both biology and the humanities.
The simplest symbolic notation for ‘Life’ (as an activity) reads: L=ΣC
A somewhat more complex but more correct notation is:
j
L (S, t) = ΣC (S, t)
1
Thus, ‘Life’ has both a quantitative (number of communication acts) and a qualitative aspect (content of the acts). It cannot else than incessantly change.
segundo a definição, "vida" é a soma de todos os atos de comunicação e resolução de problemas executados num dado momento por um sistema transmissor/receptor em todos os seus níveis de organização, do mais elementar ao mais alto. para de loof, vida não é um nome e sim um verbo; vida não é um estado de coisas, e sim um fluxo de acontecimentos.
aceita tal definição de vida, a de morte é trivial: um sistema está morto quando perde, de forma irreversível, a capacidade de se comunicar no seu nível mais elevado de organização. a partir daí, o que acontece nos níveis inferiores é irrelevante. daqui sai, por exemplo, a definição de morte cerebral e, consequentemente, de morte de acordo com preceitos éticos, morais e legais.
se você acha que nada é tão simples assim, é porque não é mesmo. veja parte da discussão sobre o assunto nesta dissertação de mestrado e nesta outra, de doutorado.
semana passada, falamos da possibilidade de vida eterna. isso porque, daqui a algum tempo, pode ser possível viver para sempre no mesmo corpo, sempre recondicionado. ou talvez dê para copiar [um processo chamado uploading] o nível mais alto de organização da vida [cérebro/mente] para uma infraestrutura de computação, comunicação e controle e, desta forma "continuar vivo". para sempre, também.
tal "cópia" certamente seria classificada entre as formas mais sofisticadas de "vida" de acordo com a hierarquia de Jagers op Akkerhuis [ver cap. 5, pág. 141 do link anterior]. um "upload" está na classe "memon" da figura abaixo, e isso certamente nos levaria a fazer perguntas muito complexas sobre um tal sistema [definido de forma tão "simples" como vimos acima].
quer ler? pra começar, quais são os direitos de um upload? ele [ela?…] pode ser terminado [no sentido de "desligado"] ou modificado? pode [ou deve] ser atualizado? como, por que e por quem? se tiver [terá? quase certamente…] capacidade autônoma de aprendizado, deve haver algum limite no que pode aprender? imposto por quem, em que termos? se pode aprender, poderá ensinar? teremos "professores virtuais"? se veicular opiniões contrárias às normas legais, pode ser processado? por calúnia e difamação, por exemplo? se sim, seria condenado a que? se tiver capacidades motoras e causar dano material por causa disso, quais são as consequências? se não tiver mas puder controlar dispositivos móveis, no que isso implica, do ponto de vista ético e legal? quem vai "pagar" pela continuidade do "upload", já que não se trata de coisa estática e sim dinâmica, interativa? o seguro de saúde? o estado? haverá tratamentos diferentes para certos tipos de memons?
e por aí vai. a vida pode até ser simples e definida simplesmente. criar condições para a existência [nem que seja virtual] de vida eterna, idem.
mas, pelo menos por enquanto, fazer perguntas sobre as implicações da vida eterna é muito mais complexo do que pensar as tecnologias para sua realização. é sempre assim: do ponto de vista da tecnologia, se é possível, será feito. depois a ciência e humanidades vão atrás e descobrem porque funciona e como, em contexto, pode ser interpretado… ao redefinir o próprio contexto e as possibilidades de interpretação.