Este é o terceiro de uma série de textos curtos, de uns poucos parágrafos e alguns links, sobre o que pode acontecer, ou se tornar digno de nota, nos próximos meses e poucos anos. Como há uma tradição de, no fim do ano, pensar sobre as possibilidades do ano que vem, o título fala de… 23 anotações sobre 2023. O primeiro texto [Guerra. Eterna?] está no link bit.ly/3B0mysO, o segundo [Inflação. Recessão? E Investimento?] em… bit.ly/3ir4PUR, o quarto [Sociedade & Política], em bit.ly/3FrM50P, o quinto [Pessoas & Costumes] em… bit.ly/3H7CAFb, o sexto [Plataformas & Ecossistemas], em bit.ly/3VEcxK3, o sétimo [Efeitos de Rede, Escala e Sustentabilidade]. em bit.ly/3BjJUK1, o oitavo [O Mundo é Figital], em bit.ly/3FEmMJ2, o nono [Marketing é Estratégia, Figital], em bit.ly/3FfDJrI, o décimo, [5G & Internet das Coisas], em bit.ly/3W8yVLC e o décimo primeiro, [Indústria… 4.0?], em bit.ly/3BpZuUK.
Energia e Descarbonização
Décadas de procrastinação transformaram o que poderia ter sido uma transição suave para uma sociedade mais neutra em carbono para o que provavelmente será mais desafiador. Até o final da década, a economia global precisa emitir 25% menos gases de efeito estufa do que em 2022 para termos alguma chance de atingir as metas estabelecidas em Paris em 2015 e evitar perturbações climáticas catastróficas. A transição de energia necessária para tal tem que ser rápida e haverá custos para todos nos próximos anos.
O parágrafo anterior abre o terceiro capítulo [Near-Term Macroeconomic Impact of Decarbonization Policies] do relatório Countering the cost-of-living Crisis, de outubro passado, do FMI [bit.ly/3B4vE7X]. Que prossegue: O consenso científico recentemente resumido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas [IPCC 2022] sugere que, para limitar as perturbações climáticas catastróficas, mudanças políticas em larga escala precisam ocorrer rapidamente. Décadas de procrastinação transformaram o que poderia ter sido uma transição lenta para uma sociedade neutra em carbono no que agora terá que ser mais abrupto.
Na mosca. Mudanças políticas em larga escala. Porque o volume global de subsídios para combustíveis fósseis, a esta altura dos acontecimentos, ainda é de US$11 milhões de dólares por minuto. Isso, minuto [bit.ly/3VOQd01]. Em 2020, foram US$5,9 trilhões em subsídios, com óleo, gás e carvão levando mais de US$5 trilhões. Falando em carvão, no Brasil, o governo federal contratou, no fim de 2021, mais 19 anos de energia de térmicas a carvão em Santa Catarina, com subsídio anual de R$840 milhões, pago pelos consumidores de energia do país [glo.bo/3eVwyrY]. Isso é aqui no Brasil, onde temos um dos maiores potenciais de energias limpas do mundo, e estamos jogando dinheiro fora pra ir pro passado.
E esta é a principal razão pela qual o problema é político e de políticas públicas. Não foram os consumidores do Brasil inteiro -que vão pagar pela conta do carvão em um estado- que decidiram subsidiar energia suja, poluição do ar e degradação ambiental com a emissão de gases do efeito estufa, a contaminação do solo e dos mananciais, o adoecimento das pessoas e aumento da pressão sobre os sistemas de saúde e previdência, com benefícios muito duvidosos para a segurança energética, a economia e a sociedade.
Olhando um outro espaço geopolítico, os tesouros de 15 estados dos EUA, onde lobby de carvão, petróleo e gás paga -explicitamente- contas de políticos, avisaram [2021, bit.ly/3ujJI79] ao sistema financeiro que centenas de bilhões de dólares que controlam serão sacados de bancos que deixarem de investir em combustíveis fósseis. Mudar este estado de coisas ainda vai ser um longo e árduo caminho.
Mas há sinais de futuro -e de energia limpa- a caminho. Na Noruega, 50% das exportações ainda são petróleo e derivados. Mas 90% dos carros vendidos por lá em 2021 foram elétricos ou híbridos [bit.ly/3iyh9TA]. Em 2025, só carros elétricos poderão ser vendidos no país. E a razão é simples -pelo menos para os políticos de lá: o custo de produção de carros elétricos deve igualar o dos veículos a combustão em 2027. Os mais otimistas apontam para 2024 [bit.ly/33wQjjP]. “A idade da pedra não terminou por falta de pedra, e a idade do petróleo terminará muito antes do mundo ficar sem petróleo”, já dizia o Sheikh Ahmed Zaki Yamani, fundador e secretário-geral da OPEP, em junho de 2000 [bit.ly/3VsiFVz].
Na Califórnia, 2% dos veículos vendidos em 2012 eram elétricos. Foram 7% em 2018, 16% em 2021, 18% em 2022 [comparado com 6% nos EUA]. Uma nova lei exige 35% de carros novos com emissão zero em 2026, 68% em 2030 e todos em 2035 [lat.ms/3Km9W2F]. O trabalho pra chegar lá será imenso, porque inclui limpar a geração de energia. No Brasil, o PIB do setor automotivo é 22% do total da indústria [bit.ly/3Rf3Ovu] mas, até aqui, a política nacional para o futuro do setor, do ponto de vista de energia, é nenhuma. É bom notar que a revolução industrial aconteceu por causa de novas energias e seus usos. Daqui, parece que exportaremos minérios para esse esforço global.
Enquanto isso, o clima global vai se tornando cada vez mais imprevisível e limítrofe. Mudanças climáticas não são eventos extremos isolados. Já não são mais custos de terceiros, noutro lugar, no futuro. São custos -e, pior, vidas perdidas- aqui e agora, que já aumentam o custo e risco de vida e vão aumentar drasticamente nos próximos anos [bit.ly/3xU7qeP]. Se não mudarmos a política, as políticas públicas e o comportamento das pessoas, grupos e sociedades inteiras, no mundo inteiro, sabemos o que esperar: RCP8.5 [bit.ly/3FlVuXB]. Para o IPCC, este é o pior cenário de mudança climática global, onde a Terra continua gerando e consumindo energia como fez até agora. Um novo estudo sobre RCP8.5 aponta para 34% da população do planeta convivendo -ou perecendo- em temperaturas de 52°C ou mais e chuvas de 300mm/dia -verdadeiros dilúvios- em 2100 [bit.ly/3CS4xhX].
De novo, políticas, mudando regras, mudam o mundo. No Brasil, o mercado de energia solar começou com uma mudança de regra, em 2012, e de lá pra cá instalamos 14 gigawatts de energia solar, com um investimento privado de mais de R$76 bilhões [bit.ly/3OzvrZB]. Também por mudança de política e regras, o Brasil já tem 22 gigawatts de energia eólica instalada e, só nos últimos 10 anos, o investimento privado no setor foi mais de R$114 bilhões [bit.ly/3VtzmjL]. Estes 36 gigawatts representam 2,6 vezes a potência instalada em Itaipu, a maior geradora hidrelétrica do Brasil.
Considerando todas as fontes, o Brasil tem 185GW de capacidade instalada de geração de eletricidade, com 83% de fontes renováveis [bit.ly/3unncNu] e mais solar e eólica, que estão a caminho, vão aumentar ainda mais esta proporção. Pra comparar, renováveis são apenas 20% de toda a eletricidade dos EUA [bit.ly/3FjYX7Z].
Se a gente realmente quisesse competir globalmente em qualquer coisa, este seria um daqueles cenários onde o Brasil poderia se propor como líder em mercados globais, tirando recursos de subsídios a combustíveis fósseis para investir em conhecimento, inovação e empreendedorismo que transformassem ainda mais rápida e radicalmente a cadeia de energia [e não só eletricidade], aqui, nos tornando não só geradores para cá e para o mundo [sim, dá pra exportar energia como hidrogênio, por exemplo…] mas também criadores e provedores das plataformas, produtos e serviços das e para as energias do futuro.
Porque uma coisa é certa: a idade da pedra não terminou por falta de pedra, e a idade do petróleo terminará muito antes do petróleo acabar. E o carvão… esse já acabou, faz tempo. Abaixo, o vídeo da implosão da última termoelétrica a carvão [bit.ly/3FqtPoy] do estado de New Jersey, ontem, nos EUA. Esse será o fim de todas elas, uma a uma, não importa quando recurso público seja jogado fora para sustentar sua operação.