Mais de década e meia de internet depois, o brasil descobriu que não tem nenhuma empresa de classe global entre as que prestam os serviços que todos nós usamos o dia todo. nenhuma, aqui, é uma generalização discutível; mas procure, entre as que você usa, negócios que foram concebidos no brasil [pouco importa se feitos por brasileiros] e estão sob controle de brasileiros. encontrou?… entre quem lhe entrega emeio, web, armazenamento, redes sociais, compartilhamento de fotos… blogs, que seja?
pois é. somos a sexta maior economia do mundo; em número de usuários de internet o quinto, no mundo; somos o quarto maior país em celulares e não há, por aqui, nenhum negócio web de classe global. e o que é isso, essa tal de classe global? são os negócios que, não importa a que público sirvam ou onde estejam, entregam serviços que são competitivos com qualquer outro, em qualquer lugar. é possível ter uma padaria de classe global. mesmo que a padaria atenda [na maior parte dos casos] uma geografia muito limitada, parte de um bairro, ela é de classe global se o pão, o atendimento, o ambiente, não ficarem nada a dever às melhores padarias do globo. daí a noção de classe global. e a comparação vale para tudo. de padaria a aeroporto, passando por provedor de emeio, que é onde nossa conversa se encontra com o brasil, de novo.
eu uso emeio desde 1981. e a coisa já existia antes: emeio está sendo desenvolvido, implementado, provido e usado há 40 anos [desde 73, pra ser exato]. agora, por causa da espionagem americana, acordamos para emeio. você, que leu o parágrafo anterior com atenção, já imaginou qual é a pergunta deste aqui, certo? trata-se de um problema e reflexão bem simples, trivial, até: dado que não nos preocupamos em criar competências nacionais de classe global nos últimos 15 anos de internet comercial, e tampouco a educação, pesquisa e desenvolvimento e a capacidade de inovar e empreender no setor, nos 20 anos anteriores, quanto vai levar, de tempo, recursos, educação e sorte, pra criar um emeio brasileiro de classe mundial?
um pequeno detalhe, nesta equação, é que não há um único sistema de informação na web, no mundo inteiro, de classe global, que seja estatal. e o governo brasileiro está debitando o esforço para ter um emeio nacional na conta dos correios. em outras eras, das quais pouca gente se lembra, se aventou a possibilidade do correio investir no trem-bala [bem aqui, em fevereiro de 2011]. claro que nada se fez de lá pra cá, até porque a licitação do trem ainda não se desenrolou.
mas pense: no mundo todo, os correios estão em crise. nos EUA, o prejuízo foi de quase 16 bilhões de dólares em 2012, resultado do descompasso entre o que o mercado quer e a instituição, centenária, travada pelos empecilhos estatais, pode fazer. e algo me diz que o USPS, americano, está tentando se encontrar de forma bem mais radical do que o brasileiro, que tem bem menos competição. ao invés dos EUA, o correio daqui deu quase US$0.5B de lucro em 2012. será que é daí que se imagina que os correios tirariam as muitas centenas de milhões de dólares que são necessários para desenvolver e oferecer um serviço de emeio de classe mundial para o brasil? e qual seria o modelo de negócios para tal serviço? quem, se é que alguém, pagaria a conta?… como, quanto, a quem? por que?…
o governo pode até decretar que provedores internacionais de serviços têm que instalar os data center de seus serviços no país. mas isso não resolve nada. para um bom número de serviços, especialmente os mais novos e inovadores, isso seria o mesmo que nos excluir da lista dos lugares onde os serviços seriam ofertados. é, porque uma das belezas da web é que os serviços de classe global são usados por todos, em todo mundo, assim que são lançados. e nosso problema é que não temos condições, aqui, para desenvolver e prover, daqui, serviços de classe global para o resto do mundo. arrisco dizer que, para dar certo, o emeio do correio teria que ser não apenas de classe global… mas não poderia ser só brasileiro, teria que servir o mundo. como, a partir daqui, com os custos de tudo –inclusive rede- no brasil?…
se o executivo pensasse estrategicamente, descobriria que o brasil só será um país de classe global, na internet, web e móvel, quando criar as condições, aqui, para que cientistas, técnicos, empreendedores e investidores brasileiros desenvolvam, aqui, praqui e pro mundo, serviços web brasileiros de classe global. pode até ser que o emeio do correio seja um destes serviços. tomara, até. mas tudo indica que pode acabar sendo só mais do mesmo: na melhor das hipóteses, uma reserva de mercado; na pior? uma bravata, como o investimento no trem-bala. enquanto isso, no meio do rolo, os correios, perdendo um tempo que não tem… tentam descobrir como chegar num futuro que nenhum de seus pares globais sabe qual é. pena.