o livro, o digital e o autor

lá em maio de 2009, que em termos da evolução do mundo digital é quase na idade média, este blog publicou um texto {pirataria [digital] chega à literatura [de uma vez por todas} que começava assim:

que o suporte físico para áudio e vídeo está com os dias contados, não é novidade pra ninguém. a mudança do suporte físico [analógico] para o virtual [em rede, digital] desestruturou uma indústria secular, que havia começado com o gramophone da vovó. em alguns anos, a velha indústria de áudio e vida será só história, nada mais.

a pergunta que temos que fazer, agora, é: será que chegou a vez da mesma transição na literatura?

o texto de 2009 foi escrito um ano depois do lançamento do kindle 2 e quase um ano antes do lançamento do iPad. nossos hábitos mudam tão rapidamente que há fortes indícios de que seis meses de disponibilidade do iPad aumentaram a pirataria de livros em 20%. radical.

estudo de nielsen sobre o uso de tablets, readers e smartphones e os novos hábitos das pessoas e seus dispositivos no primeiro trimestre de 2011…

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…mostra que 57% dos usuários de tablets [e 61% de quem usa leitores digitais] estão brincando com os ditos na cama e que o tempo de uso destas plataformas…

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,,,passa pelo leito com grande intensidade: 21% do uso total de tablets se dá por lá, bem como 37% do uso de leitores. uma boa parte deste tempo era, quase certamente, ocupada por livros de papel em passado nem tão remoto assim.

e a mudança ainda nem começou, porque a ecologia de livros digitais é recente e sofre, em sua infância, de problemas básicos associados a padrões, formatos e implementações, de socialização, de modelos de negócio e por aí vai. ainda estamos longe da possibilidade, por exemplo, de alguém escrever um livro e de outro, sobre o texto original, escrever e vender comentários e considerações.

o livro virtual ainda é apenas digital e muito limitado. a vasta maioria não passa de representações digitais estáticas do material impresso, e de qualidade inferior ao que as melhores editoras e gráficas pode fazer. mas vamos lembrar a indústria do livro impresso começou assim há uns 500 anos… e deu no que deu: os monges copistas tiveram que arranjar outra coisa para fazer.

imagine, em alguns anos, o livro digital, interativo, conectado e social. reflita sobre as novas economias que deverão surgir sobre esta nova plataforma. e pense no tamanho da mudança.

mesmo antes disso, olhe resumo abaixo [feito por james bradley] de uma intervenção de ewan morrison no festival do livro de edinburgh…

…the transition to ebooks will be rapid, that the same pressures from piracy and consumer behaviour that have reshaped the economics of other industries will drive book prices down to levels which are incapable of supporting authors, and that this in turn will lead to the fairly rapid collapse of the economy of advances and royalties that has sustained professional writers.

morrison diz que… haverá uma transição célere para o livro digital, que as mesmas pressões da pirataria e comportamento do consumidor que remodelaram a economia de outras indústrias vão derrubar os preços dos livros a níveis em que será impossível sustentar autores e que isso, por sua vez, levará ao rápido colapso da economia de antecipações e royalties que mantém, há décadas, autores profissionais.

uma versão bem mais longa e conectada do argumento de morrison está neste link, onde ele diz que o processo de transição de papel para digital [e o fim do "escritor" como conhecemos] está acontecendo neste quarto de século.

não é preciso ser nenhum vidente para prever mudanças radicais na indústria do livro frente à magnitude da mudança na ecologia de criação, publicação e distribuição [ou seria socialização?…] do que era, no passado, o impresso. muita coisa vai mudar, e talvez muito mais do que os mais radicais, entre nós, podemos imaginar agora. e a mudança vai afetar a todos, incluindo os autores [e leitores] e não apenas as editoras, livrarias e bibliotecas.

pense numa biblioteca daqui a 100 anos. uma biblioteca que não tenha tomos históricos. antigamente [isto é, hoje] as pessoas iam até lá, pessoalmente, principalmente porque havia, lá, material ao qual elas não tinham acesso em casa [ou, mais recentemente, na rede]. ao passo em que toda a literatura se tornar digital e conectada… qual será o novo [ou novos] papel da biblioteca? ponto de encontro cultural? clube literário? centros de pensamento e reflexão? talvez todos estes e muitos outros mais. mas uma coisa é certa: seja qual for o lugar das bibliotecas daqui a 100 anos, elas terão muito menos papel, mofo e traças.

o texto de morrison é considerado apocalíptico por muitos. eu acho que não. trata-se de um diagnóstico de uma situação real, pintado com tintas fortes. quem se preparar para enfrentar o pior provavelmente se dará muito bem no novo contexto e aproveitará suas consequências. quem ficar esperando que o passado resista ao futuro, ao contrário, sofrerá as consequências.

o futuro nunca espera e nem deixa de acontecer porque discordamos dele. quando vem, o futuro sempre tem razão. no caso do livro, o digital, interativo, social é o futuro óbvio. e está bem mais perto do que o quarto de século de morrison: boa parte dele vai acontecer nesta década.

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Silvio Meira é cientista-chefe da TDS.company, professor extraordinário da CESAR.school e presidente do conselho do PortoDigital.org

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