dia destes eu estava em um tribunal de contas de um estado, num debate sobre redes sociais. falávamos sobre fiscalização dos gastos públicos e um analista do tribunal, deste povo que cresceu na internet, sugeriu que, se cada tribunal, em cada estado, estivesse centrado em uma rede social, empoderando pessoas nas cidades sob sua jurisdição a contribuir para um acompanhamento mais efetivo dos gastos públicos, a ação institucional seria muito mais ágil e efetiva. pela simples razão de que, quando o desvio de verbas começa a ocorrer, em algum lugar perdido no interior de algum estado, todo mundo [lá] sabe o que está rolando, quem está roubando e para quem.
mas dois anos depois, quando as contas [a muito custo] são analisadas e os rombos detectados, é quase impossível recuperar o que foi perdido em leitos de hospitais, quilômetros de estradas e bancas em salas de aulas. e, pior, graças ao convolucionado sistema judicial brasileiro, ninguém vai preso, muito menos o prefeito dos tempos do roubo, que comprou uma deputância com o “apurado” e, graças ao mandato, tornou-se intocável.
ontem, em brasília, a câmara federal, instituição em processo de extinção moral quase tão acelerado quanto os animais mais raros do planeta, aprovou uma lei que obriga os agentes responsáveis por verbas públicas, inclusive os nobres deputados, a níveis de execução orçamentária bem mais transparentes do que estamos acostumados. pelo novo termo legal, todos os poderes, em todos os níveis, estarão obrigados a divulgar seus gastos na internet, numa ampliação [aparentemente radical] do que já acontece com a demonstração de destino do orçamento federal pelo portal da transparência.
o “transparência” não é feito menor para um país como o brasil; uma consulta rápida, lá, revela que taperoá, pb, já recebeu dos cofres federais, este ano, nada menos do que 2.713.987,90, detalhados neste link. por aí, a gente sabe quanto dinheiro chegou em taperoá; mas não consegue saber como, onde, com quem e com que resultados tais recursos foram gastos. vai ser muito interessante se as novas regras para acompanhamento de gastos públicos revelarem não só o que os nossos senadores e deputados andam fazendo com o imposto que recolhemos, mas o que anda rolando –e as evidências apontam para uma farra da mesma intensidade- pelo país afora, apesar da ação de tribunais de contas e ministérios públicos.
mas de pouco vai adiantar ter os gastos na rede se nós, que pagamos impostos, não nos interessarmos pelo que acontece com nosso dinheiro depois que ele entra nos cofres públicos como imposto. é preciso que a população se envolva em todos os níveis e cobre, dos agentes públicos, o retorno para seu investimento. e isso envolve, em um número muito grande de casos [tanto do ponto de vista de cidades e estados como de indivíduos] uma mudança radical de ponto de vista: a transformação do candidato a se apoderar dos recursos públicos em benefício próprio, sob o manto da desinformação social, em cidadão responsável e preocupado com o bom destino do imposto que paga.
tal mudança tem nada ou pouco a ver com a disponibilidade das contas públicas na web… especialmente quando se leva em conta que, a exemplo do comportamento do “poder”, o país está cheio de gente reclamando de corrupção e dando bola para guarda de trânsito… como se isso fosse um mal menor.
a rede pode, sim, melhorar o grau de controle que a sociedade exerce sobre seus representantes nos três poderes. mas tecnologia nunca é solução, sozinha, para absolutamente nada: no caso dos gastos públicos, precisamos entendermo-nos, cada um e todos, como acionistas de uma sociedade e tomar providências para que passemos a nos tratar como tal e a nossos representantes e gestores não como nossos “senhores”, mas nossos “servidores”.
e mudar comportamento, em escala social, demanda um investimento continuado em educação por décadas a fio, inclusive e principalmente nos princípios éticos e morais que sustentam uma sociedade. em suma, a tecnologia, imposta pela nova lei, sozinha, não vai mudar nada. por outro lado, se muita gente se envolver no processo habilitado pela tecnologia… aí muda tudo. tomara.