o professor diego aranha, da unicamp, demonstrou, no teste das urnas do TSE antes das eleições de 2012, que a nossa urna eletrônica não é tão boa como querem nos convencer. este ano, o TSE resolveu que ninguém vai testar urna nenhuma e aí a gente não vai saber se corrigiram o que diego descobriu antes da última eleição e nem, como é mais do que o caso no desenvolvimento de software [e você, leitor, vê isso nos apps que usa…], se alguma nova falha foi introduzida [na urna ou em outra parte do sistema].
diego e o time dele resolveram não ficar parados e lançaram um projeto de financiamento e uso coletivo de um sistema para fiscalizar a eleição, o #vocêFISCAL. abaixo, diego aranha fala sobre o atual estado das eleições eletrônicas no país e sobre seu esforço para aumentar a transparência do processo. a entrevista foi feita por emeio e os negritos são do blog.
silvio meira: comparado com o processo eleitoral eletrônico dos países que fazem uso deste tipo de sistema de votação, como está o brasil? estamos bem, mal ou mais ou menos?
Diego Aranha: Essa comparação é muito pertinente, e concluo que estamos mal. Ao invés de considerar apenas os avanços em relação à votação manual por cédulas em papel, o sistema atual já possui seus 18 anos de história, e cabe discutir sempre sua segurança e transparência. Após coordenar a equipe vencedora nos Testes Públicos de Segurança de 2012 e acompanhar o processo desde então, as deficiências em relação à tecnologia utilizada ao redor do mundo se acumulam. No Brasil, optamos por votar confiando em milhões de linhas de código (entre 10 e 17, dependendo do relato) com auditoria limitada (reservada para partidos, na prática, e sob termo de sigilo que impede fiscais de prestar contas à sociedade). Não há qualquer registro físico do voto, conferível pelo eleitor, que possa resolver disputas ou possibilitar recontagem. A descoberta, durante os testes, de erros no projeto e implementação dos mecanismos de segurança, ao invés de impulsionar abertura e discussão técnica por parte da autoridade eleitoral, na verdade provocou uma retração, que resultou na decisão inexplicável de não realizar testes em 2014. Votaremos em Outubro sem nenhuma evidência técnica (simples discurso não é suficiente) de que os problemas observados foram corrigidos.
sm: em que partes do processo, e como, a qualidade da eleição eletrônica brasileira poderia ser muito melhorada?
DA: Falta transparência em etapas críticas do processo. A própria escolha do modelo de votação, composto por máquinas com registro apenas eletrônico dos votos já dificulta auditoria e coleta de eventuais evidências de fraude por partes independentes. Isso é substancialmente agravado pelo protecionismo imposto sobre o software de votação, que já começa pela sua natureza esquizofrênica, muitas vezes considerado segredo nacional, apesar de crítico para eleição de nossos líderes. Apenas fiscais indicados por partidos políticos, por definição partidários e repletos de conflitos de interesse, podem na prática exercitar alguma espécie de auditoria. Profissionais qualificados da indústria e academia não possuem representatividade, por omissão de instituições que deveriam estimular a fiscalização do processo.
sm: considerando a forma -monolítica- do TSE conduzir o processo eleitoral, o que o eleitor comum pode fazer?
DA: Muito pouco, talvez observar alguma tentativa gritante de fraude em sua seção eleitoral, como troca às claras de uma urna eletrônica ou inserção direta de votos por um mesário malicioso. Na prática, qualquer possibilidade de verificar as eleições foi transferida dos eleitores para os partidos. No sistema baseado em cédulas, pelo menos as inúmeras fraudes eram visíveis pelos eleitores e deixavam testemunhas, evidências passíveis de investigação. Em uma eleição puramente baseada em software, ficamos à mercê dos bits.
sm: como o #vocêFiscal vai ajudar neste processo?
DA: Considerando esse cenário, o projeto Você Fiscal busca devolver ao cidadão alguma capacidade de verificar os resultados da eleição. De posse do aplicativo que estamos financiando em modalidade coletiva (catarse.me/VoceFiscal), o eleitor será capaz de capturar registro fotográfico do Boletim de Urna emitido no final da votação. Esse boletim funciona como um recibo, apresentando os totais dos candidatos em uma urna eletrônica específica. Com base no registro fotográfico, podemos tentar detectar erros ou fraudes na transmissão dos boletins eletrônicos, após o TSE divulgá-los. Com um volume suficiente de dados, podemos até realizar uma totalização independente! Observe entretanto que, caso o software de votação tenha sido manipulado para não mais refletir a vontade do eleitor, é claro que o resultado no Boletim de Urna já estará fraudado, sem possibilidade de detecção independente. Desta forma, o Você Fiscal não é capaz de fiscalizar a primeira etapa das eleições (apuração de votos por urnas eletrônicas), mas apenas a segunda etapa (trasmissão e soma de boletins de urnas eletrônicas — a chamada totalização). Estamos longe ainda de fornecer transparência completa das eleições, mas já é um começo.
sm: como o eleitor e as instituições interessadas na melhoria da qualidade do processo eleitoral podem ajudar a iniciativa?…
DA: Estamos promovendo uma campanha de financiamento coletivo com bastante sucesso, este é o ponto de partida! No dia de eleição, cabe aos eleitores verificarem que os procedimentos oficiais de encerramente da votação estão sendo seguidos (até porque isso pode colaborar para coibir a fraude do mesário ou substituição da urna) e capturar as fotos do Boletim de Urna utilizando o aplicativo. Basta um eleitor equipado com o aplicativo para capturar o resultado parcial de toda uma seção eleitoral. É claro que quanto mais Boletins forem capturados melhor, até porque podemos tentar aproximar o resultado oficial com maior certeza. Em um cenário mais geral, já consideraríamos um enorme avanço se a iniciativa voltasse a difundir na sociedade a aparentemente radical idéia de transparência eleitoral.
olhe, no vídeo abaixo, diego explicando a coisa e como é que o catarse funciona. e saque algum do seu bolso -já que o sistema eleitoral oficial não faz a parte dele- para aumentar a transparência das eleições brasileiras.