Uma versão editada do texto abaixo foi publicada no ESTADÃO em 28/08/2019, quando ninguém tinha a menor ideia de que toda a educação do país -e boa parte da educação do mundo- passaria quase todo o ano de 2020 online. Como vimos até aqui, o que aconteceu com a educação, na pandemia, foi pura e simplesmente transpor a “sala de aula” para um tela, das pequenas na maioria dos casos, nas casas dos alunos. E tinha que ser assim, porque o sistema educacional não estava preparado nem para isso, tal a distância com que trata tecnologias que estão aí há um quarto de século, já.
Mas o grande experimento de educação remota de 2020 deveria servir como base para uma longa, profunda e sofisticada reflexão sobre o futuro da educação, como sistema, e o presente -futuro imediato- dos ambientes e ferramentas nos e com os quais se tenta facilitar o processo de aprendizado.
Inovação é a mudança de comportamento de agentes, no mercado, como fornecedores e consumidores de qualquer coisa. Não é possível que 2020, em educação, não seja pelo menos um conjunto de preocupações que nos leve a repensar o mecanismo básico, milenar e universalmente falido de transmissão de informação do processo educacional… a aula, mudando o comportamento de facilitadores de aprendizado e aprendizes e, enfim, criando uma inovação de ruptura na educação. A referência [2] trata exatamente disso.
Algo me diz que desta vez temos alguma chance de ver mudanças acontecendo no sistema educacional no médio prazo. Até porque, como você verá no texto abaixo, mais de 60% dos professores brasileiros já são formados no modo à distância. Só que não é possível continuar no estágio em que a rede é so o meio para aumentar a distância entre a sala de tijolo e cal e o aluno, inclusive os que estão “se formando” assim e, se nada mudar, repetirão exatamente o que aprenderam quando forem usar os meios digitais à sua disposição. Ainda mais porque não foi “a distância” que salvou o ano letivo de 2020… foi a “proximidade digital”… mesmo que não tenhamos sabido usá-la apropriadamente. Mas que poderia ter sido muito melhor…. ah, isso poderia. Vamos ao texto de 2019…
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Os dados recentes sobre educação no Brasil mostram que 61% dos alunos que iniciaram cursos de pedagogia e licenciatura [em 2017] entraram no ensino “à distância” [EAD][1], contra 34% em 2010. É um número desproporcional ao do sistema como um todo [27% vs. 13%], apesar do crescimento ser da mesma ordem de grandeza. Uma primeira leitura diz que os futuros professores, que hão de cuidar das salas de aula, lá no futuro, não está nas… salas de aula. E isso pode ser muito bom. Por que?
A seguir, dez pequenas observações sobre a aula, a sala, EAD e ensino digital, online.
- A sala de aula morreu. A educação presencial clássica é ruim.
- E quase todo EAD é só a sala, clássica, longe, numa tela, pequena.
- O EAD como sala longe é tão ruim quanto a sala, perto.
- Isso não implica na impossibilidade de fazer educação digital de qualidade.
- Aprendizado baseado em problemas, em contexto, interativo, experimental, lúdico, até, pode ser digital e
- Distância é problema para EAD “clássica” porque “distancia” o aluno da “sala”.
- Um ambiente para educação -e é sempre melhor usar aprendizado, aqui- digital é bem mais do que “vídeos digitais das aulas publicados na rede”.
- Nenhum ambiente para EAD usa “efeitos de rede” [como oportunidades para conexão, relacionamento e interação, entre aprendizes, e entre estes e facilitadores] apropriadamente.
- Não há divisão local versus distância em processos de aprendizado. O tempo todo, alunos nas salas das universidades realizam -por exemplo- atividades online: a educação é híbrida.
- Já faz tempo que chegou a hora de criar tempo e recursos para experimentar e inovar[2] em educação: porque a aula morreu.
Não é fácil perceber que a solução dos problemas de aprendizado envolve mais do que professores, alunos, salas de aula, escolas e materiais educacionais. É preciso inovar, mudar comportamentos. E a inovação no sistema educacional, para ser verdadeira, tem que ser sistêmica. No estado atual da maioria dos sistemas educacionais, é preciso ganhar credibilidade fazendo inovações incrementais, até que um certo conjunto delas possa se transformar num processo de ruptura.
Por outro lado, os processos de mudança têm que ser iterativos: cada passo incremental pode ter que ser reiterado, repetido até que se chegue ao ponto onde se pode dar o próximo passo. Isso parece simples, mas não é; pois fazer algo de forma incremental, mas sem iteratividade, pode levar a lugar nenhum e, quase sempre, leva. À medida que o incremental, iterativo, começar a estabelecer práticas, elas irão começar a virar rotinas… a ter impacto no sistema e, aí sim, devem começar a ser medidas. Quando as coisas são medidas é porque, pelo menos em tese, elas são essenciais e a performance das operações para chegar no resultado e o resultado em si deve ser comparada com ótimos teóricos que se quer alcançar.
Claro que os parágrafos anteriores são um micro resumo de uma mega e abstrata tese de como inovar em sistemas complexos de muito grande porte, como o educacional de um país ou estado. Por que, aqui, não dizemos logo o “que” fazer, e talvez o “caminho” para resolver os problemas da educação no Brasil? Porque ninguém sabe. Porque não há “um” caminho, há muitos, complementares. Porque há uma imensidão de coisas a fazer e, antes disso, a tentar, errar e aprender. O processo de mudança de um sistema educacional é, em si mesmo, um grande e complexo processo de aprendizado que, se não for tratado como tal, levará a becos sem saída e discussões que, depois de muito dispêndio de energia, deixarão tudo como está. E, como está, está muito ruim. Precisamos de educação sem distância e com inovação.
[1] Ensino a distância domina formação de professores, VALOR, AGO/2019, bit.ly/2KUbnHs.
[2] É possível inovar em educação?, silvio.meira.com [série de 4 textos], OUT/2015, bit.ly/1OVlCbZ.