Nunca tantos e tantas coisas dependeram tanto de sistemas de informação (SI) como agora. Na prática, quase tudo depende de software, em todas facetas da atividade humana. E não só na economia: o comportamento de cada um e o nosso, como grupo e sociedade, são performances sobre –às vezes dentro de- SI. Imagine a vida sem WhatsApp, para ter uma ideia do que estamos falando. No Brasil falamos de 13% de queda na receita das operadoras móveis em 2015, boa parte devido à mudança de comportamento de quem deixou de fazer ligações telefônicas, funcionalidade analógica que havia sido digitalizada, para interagir via texto, imagem, áudio e vídeo sobre uma plataforma digital por essência, que habilita um novo universo de conexões e relacionamentos. Telefone virou app…
Para quase todo mundo, WhatsApp é um app, está no nome. Para nós, é um sistema de informação, de uma classe que poucos apostavam que existiria em futuro próximo. WhatsApp tem 1 bilhão de usuários, 700 milhões diários, enviando 30 bilhões de mensagens/dia. Imagine-se professor ou aluno de um curso de graduação ou pós, na cadeira de desenho, desenvolvimento, implantação, operação e evolução de sistemas (multimídia) interativos em tempo quase real para centenas de milhões de usuários simultâneos… Imaginou? Imagine também porque ninguém deu tal ementa ou fez tal tese em lugar nenhum.
É provável que a disciplina ou tese não existiram (e talvez não existam) porque ninguém, em nenhuma faculdade, tenha se dedicado a estudar, sistematizar e compartilhar os fundamentos teóricos e práticos que levariam alguém a se preparar para fazer SI do grau de complexidade de um WhatsApp. E o mesmo vale para a arquitetura do software e hardware por trás deste e outros SI usados por bilhões de usuários. E isso é uma pena.
Por muitas razões, fragmentamos o ensino de informática em verticais como SI (de onde raramente sai alguém que entenda um ERP), ciência da computação (de onde quase nunca sai alguém que entenda como Google funciona, quanto mais pensar e fazer o que viria depois dele) e engenharia de software (ES), de onde nunca vi sair ninguém que –a partir de conhecimento adquirido no curso- conseguisse agregar valor num ambiente real de desenvolvimento de software. E essas são só três da miríade de formações que há por aí, incluindo algumas que nunca deveriam ter existido.
Na nossa área, a impressão é que as graduações foram ultrapassadas pelo conhecimento e práticas dos negócios. Academias em empresas como InfoSys e Accenture educam colaboradores no ritmo da mudança das plataformas teóricas e práticas do negócio, ao tom de milhares de horas formais no início da carreira e outras centenas de aprendizado explícito por ano, sem contar oportunidades e aprendizados implícitos. Em muitos casos, trata-se formação no ensino médio (há vários casos no Porto Digital), até porque –e ainda bem- ninguém precisa de uma graduação para exercer profissões de informática no Brasil. Pelo menos até o país piorar a tal ponto, o que não é de todo improvável.
Em negócios intensivos em conhecimento –e há poucos mais dinâmicos do que TICs- parece que a universidade é importante em ensino e pesquisa, mas deixou de ser relevante, essencial para os negócios. E nem sempre foi assim. Porque programar, há algumas décadas, era tão complexo (e raro) que quase só se aprendia nas universidades. Uma boa graduação, nos anos 70/80, formava programadores competentes, mestres nas estruturas de dados e algoritmos mais conhecidos. Uma graduação espetacular adicionava sistemas operacionais e bancos de dados. E tal “formado” dava conta das expectativas de mercado de seu tempo. Não mais.
Ninguém precisa fazer uma graduação em informática, hoje, para aprender a programar. De resto, programação deveria ser assunto do ensino médio há tempos, uma das linguagens essenciais, como matemática, lógica e física. Por outro lado, a fragmentação dos currículos de graduação em termos de assuntos, e não sua unificação ao redor de problemas e projetos que se enfrentará na prática, criou uma colcha de retalhos que raramente dá resultado. Ou, quando dá, é porque o que o estágio ensinou a escola não estragou.
Precisamos fazer uma revisão do que e como se cria oportunidades para aprender informática, em especial SI e ES. É quase uma irresponsabilidade que os futuros profissionais destas áreas façam os cursos que fazem hoje, e que saiam deles, em quase qualquer instituição, tão ignorantes da vida real e tão despreparados para ela, se sua formação ficar só a critério dos cursos de graduação (e pós, em muitos casos). Ainda bem que os alunos parecem ser muito mais espertos do que os professores e aprendem quase tudo por fora. Por quanto tempo ainda vamos deixar que seja assim?…
Se SI e ES fossem irrelevantes para a sociedade e economia, até que se poderia deixar pra lá e fingir que se ensina e os alunos aprendem. Mas –felizmente- não é o caso. Teremos que resolver o problema de onde e como aprender SI e ES apropriadamente, pois a incompetência de nossa formação, nestas áreas, é um duplo problema econômico: recursos investidos no ensino destas competências e habilidades se perdem em sua quase totalidade e, por causa disso, são as empresas que têm, na prática, que investir para formar seu capital humano.
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PS: Este texto foi publicado em COMPUTAÇÃO BRASIL, Revista da Sociedade Brasileira de Computação, número 28, 2015. Esta edição da Revista está, na íntegra, no link… http://bit.ly/1UnNZzN. Ao contrário do estilo normal do blog, mantivemos, aqui, a edição da Revista, que inclui maiúsculas no começo de sentenças.