"Hoje não adianta fazer varreduras nos telefones. Estou convencido que o meu telefone é uma rádio comunitária. É só ter a responsabilidade para não ter de dizer coisas que gerem dupla interpretação".
a frase, lapidar, é do ministro das relações institucionais, josé múcio monteiro, citada no blog do noblat e na mídia inteira. zé múcio, conterrâneo de meu adotado pernambuco, é famoso pela verve, capacidade de articulação e veia cômica: muito pouca gente sabe de tantas histórias, reais ou imaginárias, como ele… e menos gente ainda é capaz de contá-las tão bem como ele conta.
mas a citação acima não é piada, imaginação ou mera ironia; é um sentimento de realidade que grassa, no país inteiro, entre pessoas que têm, ou detêm, por momentaneamente que seja, qualquer nesga de poder. o sigilo das comunições, garantia essencial da [e para o funcionamento da] democracia, virou piada [de mau gosto] no brasil. todos assumem que estão sendo vigiados, copiados e, ainda mais, que são parte de algum dossiê.
e o sistema vai além: ser "suspeito" de alguma coisa, ao invés de indicar mera "suspeição’, como a palavra parece, quer indicar e, de fato, indica, se tornou fato consumado, crime ao invés de mera hipótese. wanderley guilherme dos santos, em texto no valor, diz que… "Ser suspeito" deixou de configurar uma hipótese a respeito de alguém, convertendo-se em um crime em si. Embora seja obscura a pena a que os criminosos de "suspeição" estão ameaçados, o crime é de identificação rápida e por inumeráveis indícios. Por exemplo, receber por motivo trivial telefonema, bilhete, enfim, ter estabelecido qualquer tipo de comunicação com alguém que cometeu um dos crimes tradicionais do Código Penal é indício – e por indício, no ilícito discutido, serve como prova – do crime de "suspeição".
com razão, pois, está um ministro de estado, próximo ao presidente da república, dado que trata das relações institucionais, ao dizer que telefone de todo tipo é rádio comunitária. as tensões entre o direito à privacidade e o direito de acesso à informação [principalmente sobre pessoas públicas], combinados com a liberdade de informar de uma imprensa livre [num estado democrático] serão eternas. independentemente delas, ninguém pode ser privado de sua privacidade, garantidade constitucionalmente, a menos que mudemos a carta magna para tal.
enquanto a lei continuar como está, investigações que deveriam conduzir a julgamentos formais para apuração de culpa e eventual condenação não podem -e não devem- resultar em textos, áudio e vídeo expostos nos jornais nacionais, impressos, em áudio ou vídeo e na internet, sob pena de transformar suspeitos em culpados e, pior, fragilizar os processos aos quais os tais "suspeitos" deveriam ser submetidos. no fim das contas, expostos à sanha da midia, mesmo que condenados, muitos acabarão fazendo com que nós, meros contribuintes, acabemos pagando pelos graves deslizes constitucionais que o estado, através de seus agentes, cometeu ao investigá-los.
se um ministro de estado de primeiro time acha -e diz em público- que seu celular é uma rádio comunitária, tá mais do que na hora de fazer alguma coisa para voltarmos a algum estado de normalidade das transações informacionais no país. porque vivermos numa sociedade da informação nunca quis dizer, hora nenhuma, que tivéssemos aceitado cohabitar na sociedade da esculhambação informacional em que parece que estamos, pelo menos no brasil. até porque o atual estado de coisas pode ser só o começo… quer ver? clique na imagem acima…