depois da máquina de guerra americana, wikiLeaks agora publica pilhas de documentos da diplomacia de tio sam, expondo comentários pouco respeitosos sobre deus, todo mundo e mais batman e robin, que parecem ser, segundo parte do departamento de estado lá do norte, alguma fantasia dos companheiros putin e medvedev. os comentários da máquina diplomática mais cara do mundo são muito semelhantes, por sinal, àqueles que fazemos quando certas pessoas não estão por perto ou ouvindo.
isso pode ser muito bom e –ou- muito ruim. é bom porque traz para o escrutínio universal as ações do país ainda mais poderoso do planeta. tal força, exatamente por sua intensidade e alcance, se intromete e parece ter a ver com a vida de todo mundo. se tem a ver com tanta gente, é bom saber o que eles estão pensando ou tentando fazer. mesmo assim, é preciso olhar, ver e contextualizar a informação vazada, senão muito pouco dela vai fazer sentido. inclusive partes que dizem respeito ao brasil.
mas… talvez seja muito ruim porque não há muita chance, no curto e médio prazos, de testemunharmos vazamentos de informação do mesmo porte e sobre ações e conversações de ditaduras como a arábia saudita, china e irã… e tais países têm muito a ver conosco, mesmo que não saibamos tão obviamente porque. e aí, com vazamentos quase que unilaterais, tendemos a condenar um dos lados e, talvez, achar que todo mundo do outro [ou dos outros] lado[s] é do bem e interessado na paz e no avanço da humanidade, seja lá o que isso for. não sei vocês, mas não contem comigo para membro do partido da ingenuidade universal… tô fora.
sempre é bom lembrar que os EUA são uma democracia, com todas as instituições funcionando e é isso, exatamente, que torna possível e mais provável –e aprovável, por muitos- os “leaks”, vazamentos de informação como os que estamos presenciando agora.
as consequências globais de tais “leaks”, venham de que lado vierem, sejam sobre o que forem, podem ser muito graves e potencialmente danosas para todos, porque nossa noção de humanidade, convivência e civilização está baseada numa certa assimetria de informação de um lado qualquer sobre qualquer outro lado.
pense: o que seria de você se todo mundo [todo mundo, mesmo, marido, mulher, sogra, namorada{o} e mãe, inclusive] tivesse noção de seus mais íntimos e menos publicáveis pensamentos, mesmo que extemporâneos, sobre o que o resto do mundo pensa, é, faz e diz? inclusive sobre eles, suas relações mais próximas?…
claro que vivemos em tempos de muito maior conectividade e transparência e isso leva a uma assimetria de informação muito menor do que, digamos, nos tempos de césar, o júlio. mas há quem diga, e com muito boas razões[veja este texto aqui no blog sobre transparência e privacidade], que a sociedade da informação tem que ter, também, uma certa assimetria e um paulatino esquecimento dos eventos e acontecimentos, sobre pena de nos desumanizarmos e nos tornarmos, cada vez mais, “sistemas”.
wikiLeaks, sob vários aspectos, é um “sistema” que representa a contemporaneidade da rede em toda sua complexidade, vantagens e desvantagens. por isso mesmo é que, mais do que a discussão sobre os documentos que vaza, wikiLeaks deveria ser, do ponto de vista do processo que representa, assunto para muitas e profundas discussões, especialmente sobre as consequências de médio e longo prazo para o cenário político mundial.
até porque é cômodo ver os outros se afundando nos vazamentos de suas lamas e sarjetas informacionais. mas… e se fosse aqui? afinal de contas, wikiLeaks diz que poderia “abalar as eleições brasileiras“; será que isso tem a ver com a insegurança intrínseca de nosso processo eleitoral ou com alguma eleição em particular, como os poucos milhares de votos que decidiram a eleição do maranhão este ano?…
todos temos crenças: acabo de presenciar um expert em segurança de informação dizer, diante de uma platéia de centenas de pessoas, que ninguém disputou o resultado das eleições do maranhão “tal a confiança que todos nós temos no sistema”. todo mundo tem o direito de dizer o que bem quer mas este blog está fora do “todos”: temos escrito sobre segurança e transparência das eleições eletrônicas brasileiras há anos, mas o tema está por trás de uma capa de “teflon”, tal como certos gestores públicos, e nada parece pegar.
talvez o imbecil coletivo que evita uma verdadeira discussão sobre as fraquezas do processo eleitoral brasileiro só possa ser desafiado por um vazamento de informação da classe wikiLeaks à qual este blog –e muitos outros- nunca teve acesso.
se isso acontecesse, o que faríamos? enterraríamos a cabeça no chão qual avestruzes e esperaríamos a tempestade de informação passar… negando todas as suas origens e efeitos… ou, corajosamente, discutiríamos os quês, porquês e comos de sua existência?…
mais dia, menos dia, mais bit, menos bit, à medida que o brasil se tornea mais interessante e nosso impacto mais global, haverá wikiLeaks sobre nossa terra. é só esperar. não estamos imunes –para sempre- a vazamentos de informação da classe wikiLeaks. e algo me diz, e a todos brasileiros que têm uma idéia rudimentar do que acontece nas entranhas do poder, que há muito mais que um “wikiLeak” esperando para acontecer no país. e agora.
uma das infelizes razões pelas quais um wikiLeak nacional não acontece –no sentido de ter o impacto que um wikiLeak americano tem- é que ainda não há gente suficiente, no brasil, educada e preocupada o suficiente para que o custo/benefício de um wikiLeak brasileiro faça sentido. mas isso é só uma questão de tempo. isso é alguma coisa que educação, em quantidade e qualidade, vai resolver aqui, também.